Ciência, Cultura & Sociedade
Ruídos na comunicação ou quando a linguagem não é eficaz
A brincadeira do telefone sem fio mais que uma atividade lúdica, já era uma preparação para as situações comunicacionais da vida adulta


Professor Leonardo Campos
A boa comunicação é algo primordial para a nossa convivência numa sociedade tão falante e expressiva. Anteriormente tínhamos a troca de cartas, os contatos pessoais, a conversa por telefone, dentre outros meios que se multiplicaram e neste processo, passaram por consideráveis transformações. Ainda assim, havia a preocupação com o que hoje chamamos de comunicação assertiva. Neste panorama de mudança de cenários constantemente, haja vista os avanços tecnológicos vertiginosos, precisamos dar conta dos mencionados meios tradicionais, além de ter que abarcar os aplicativos, as redes sociais, os e-mails e outros tantos canais de emissão e recepção de mensagens, sem deixar, obviamente, de estabelecer uma comunicação efetiva, isto é, clara, objetiva e eficiente, sem os danosos ruídos, tema bastante discutido desde a nossa fase escolar, na clássica brincadeira do telefone sem fio. Quem lembra?
A atividade lúdica, na época, pode ter sido interpretada por seus participantes como um momento exclusivo de lazer. Na verdade, os nossos professores estavam nos preparando para lidar com as situações comunicacionais da vida adulta. Era tudo uma espécie de treinamento, afinal, por mais que tenhamos avançado em diversas frentes na história evolutiva da humanidade, a comunicação ainda é um dos maiores desafios. Para um contingente enorme de pessoas que trocam mensagens efetivas, um numeroso grupo de indivíduos despreparados atravessam o nosso caminho e preenchem de obstáculos a nossa travessia diária pelas vias da comunicação. Como ilustra oportunamente um dos personagens da cinebiografia do criador do Wikileaks na adaptação intitulada O Quinto Poder, uma vírgula no lugar errado pode causar a Terceira Guerra Mundial. E, sim, sem exageros, a figura ficcional que na trama, ocupa o lugar de Relações Públicas do Presidente dos Estados Unidos, flerta sobre a troca de correspondências entre chefes de estado num mundo que já vive as suas crises sociais, políticas e econômicas, tópicos inflamáveis que diante de uma troca comunicacional descuidada, pode terminar em conflito bélico.
Ao trazer a questão para a realidade da gestão condominial, a alegoria bélica extraída do filme citado pode ser refletida de maneira pertinente na atuação dos síndicos profissionais. Uma administração firme, transparente e sem ruídos sempre será o meio mais adequado para o efetivo exercício desta profissão que requer indivíduos atentos e versáteis quando a missão for no terreno da comunicação. Não pretendo expor para os leitores um punhado de fórmulas mágicas. Os conteúdos que compõem a tessitura deste breve artigo são embasados em teorias comunicacionais básicas, bem como na descrição de situações reais vivenciadas por pessoas que experimentaram um pouco de cada tipo de ruído que pode criar bifurcações embaraçosas não apenas em nossas práticas profissionais, mas também em nossos relacionamentos pessoais. Tema comum em múltiplas áreas do conhecimento, os ruídos na comunicação se referem aos elementos internos e externos que se estabelecem no processo de emissão e recepção de mensagens, deturpando os conteúdos e provocando conflitos danosos que serão devidamente ilustrados mais adiante.
Os ruídos comunicacionais e seus tipos
Ao se comunicar, tanto o emissor quanto o receptor devem se ater aos ruídos internos e externos. Os primeiros são de ordem psicológica e semântica, isto é, interferências que causam transtornos na transmissão da mensagem por causa das estratégias dos falantes e das possíveis interpretações dos ouvintes. No segundo caso, temos os ruídos físicos e fisiológicos, oriundos do ambiente comunicacional ou do estado da pessoa que se comunica, emissor ou receptor. A preocupação em relação aos ruídos é parte integrante da boa gestão de um síndico profissional por ocasionar a interrupção de possíveis situações estressantes que desviam os objetivos traçados ao longo do agendamento de tarefas necessárias para a eximia condução de uma gestão que precisa ser efetiva, tendo em vista atender aos requisitos do profissional em questão durante a execução das demandas que integram a dinâmica de trabalho no âmbito dos condomínios que atende. Em linhas gerais, é preciso ser bom em oratória, ter discernimento para gerenciar os mais diversos conflitos que surgem inesperadamente e, muito além disso, estar atento ao jeito que se comunica, para evitar mensagens ruidosas que causem transtornos desnecessários.
No campo da comunicação, dividimos os ruídos em físicos, fisiológicos, psicológicos e semânticos. Os ruídos físicos são as interferências externas que dificultam a transmissão de uma mensagem. Pode ser o zumbido do ar-condicionado que impede a pessoa do outro lado da linha telefônica de compreender tudo que foi dito; o barulho ocasionado por funcionários que conversam durante uma pausa e falam muito alto; as tarefas domiciliares de quem convive conosco em horários diferenciados na atual realidade do home office; uma música de fundo, tanto de nosso próprio escritório/casa ou do vizinho com a sua televisão ou aparelho de som com volume além do limite adequado. Recentemente, enquanto ministrava uma oficina de Netiqueta para síndicos profissionais, precisei lidar com as interrupções do famoso “carro do ovo” que passou em minha porta quatro vezes seguidas em menos de 30 minutos. É o tipo de ruído que pede bom senso por parte dos interlocutores, tanto de quem emite quanto de quem ocupa o lugar de receptor. Se acha que não deu para compreender, questione. Se não compreendeu, pergunte novamente.
Os ruídos fisiológicos são as barreiras que ocorrem quando o falante ou ouvinte está numa condição que interfere a emissão e recepção de mensagens. Fome, fadiga, dor de cabeça ou muscular, ritmo veloz ou lento do emissor, causado por alguma medicação muito específica, bem como disfunções sensoriais de todo tipo podem causar os conflitos deste tipo de ruído muito comum em nossa rotina diária de atuação profissional. Um fato muito recente nos serve como ilustração. Um síndico profissional conversava com um condômino que reclamava do vizinho que ocupa a unidade situada logo ao seu lado. Ele clamava por uma notificação, pois há meses, suportava quieto o volume exaustivo do televisor deste indivíduo que ficava sempre muito alto em vários momentos do dia, mas se tornava ainda mais problemático no período noturno, momento de lazer da pessoa que tinha na altura do seu videogame um dos recursos prazerosos para vibrar pelas jogadas vencidas. Para piorar, o volume inadequado era acompanhado por xingamentos provenientes da emoção do jogador que sequer percebia a atitude inapropriada, amplamente incômoda.
Tomado pela enxaqueca que o atormentava no ato comunicacional, algo somado aos efeitos do medicamento ingerido horas antes, algo que o deixara sonolento, o síndico não pediu ao condômino que fizesse um registro oficial pelos canais de comunicação estabelecidos em assembleia e anotou rapidamente, sem muita atenção, os dados que considerava corretos para fazer a reclamação num momento oportuno do dia seguinte. O problema é que ao registrar dados incorretos, enviou uma notificação formal para a unidade errada. Antes mesmo de corrigir a sua atitude, o condômino erroneamente notificado já havia iniciado uma discussão acalorada com a sua vizinha, pois curiosamente, os dois não mantinham um bom relacionamento interpessoal, situação impeditiva até mesmo para a troca de saudações básicas, tais como “bom dia”, “boa noite” ou “com licença”. Convenhamos que o síndico em questão não tem nada a ver com os problemas de relacionamentos alheios, mas ao realizar um ato comunicacional ruidoso, criou uma situação desnecessária que lhe pediu tempo de agenda para resolver. Tal como mencionado antes, um mínimo acontecimento que pode gerar problemas de proporções inimagináveis, por isso, cautela acima de tudo.
Os ruídos psicológicos se originam das qualidades pessoais dos emissores e receptores e afetam consideravelmente a interpretação de quem participa do ato comunicacional. Frases dúbias, uso de sarcasmo, descontrole por momentos de raiva excessiva ou alegria desmesurada, postura preconceituosa ou excessivamente defensiva, dentre outros, colaboram para o estabelecimento de uma comunicação psicologicamente ruidosa. Um exemplo recente foi extraído da “vida real” para compor as ilustrações deste artigo. Uma síndica profissional, politizada e militante nas redes sociais, precisou lidar com um condômino de posicionamento agressivo e totalmente contrário aos seus ideais nos campos mencionados. Sem o equilíbrio para separar as coisas, ela precisou deixar as suas diferenças de lado, mas não conseguiu se abster o suficiente e acabou transmitindo uma informação condominial importante com maior eficiência para os moradores de unidades, digamos, neutras, atendendo ao tal condômino com um afastamento que acabou se tornando uma comunicação ruidosa e custosa para a sua rotina diária, pois lhe trouxe sérios problemas administrativos posteriores. Num outro caso, a celeuma foi ainda maior, pois envolvia homofobia.
Desta vez, o caso envolveu um síndico profissional que não consegui driblar os seus preconceitos e estabeleceu uma comunicação ruidosa e extremamente descuidada com um dos condôminos declaradamente homossexual, casado com o seu companheiro desde que adquiriu a unidade que habita. O problema ocorrido já na era das reuniões remotas, face ao atual cenário pandêmico que nos acompanha desde 2020, deixou claro que a maneira de se portar era acentuadamente preconceituosa e o panorama de ruídos estabelecidos foi delineado por outros participantes do encontro virtual que notaram o posicionamento inadequado do síndico. Para o nosso desfecho, vamos aos ruídos semânticos, um dos mais preocupantes e frequentes. Neste tipo de comunicação, a interferência é estabelecida por um falante que usa uma linguagem incompreensível para quem é seu receptor. Quando isso ocorre, sabemos, o ato comunicacional falha e os objetivos ganham obstáculos desnecessários para o receptor driblar.
Mais uma vez, uma assembleia virtual é uma ilustração cabal para este tipo de ruído. Durante a sua fala, o síndico profissional do condomínio que realizava o encontro trouxe diversos tópicos para debate e votação, tendo em seu repertório vocabular o grande problema comunicacional. Em toda sua expressividade de fazer inveja ao icônico prefeito da peça O Bem-Amado, do dramaturgo Dias Gomes, “peremptório” era a palavra mais curiosa. Quem estudou geografia deve lembrar que alguns livros didáticos associam o termo aos rios que somem e desaparecem ao longo das estações do ano. Peremptório é algo que perime, causa o fim de algo, etc. No contexto comunicacional em questão, cabe ao síndico o uso de terminologias tão complexas? Ao tentar se expressar de maneira culta, excessivamente normativo, o profissional não atinge os objetivos específicos, tampouco o geral, em seu ato comunicacional fadado ao fracasso. Uma brincadeira ou piada saudável, adequada, não devem ser recepcionadas com problema. A grande questão aqui é saber a hora exata de usar cada termo. Regionalismos e jargões, então, devem ser repensados.
E tem proposta de intervenção?
Sim. Temos. É preciso ter cuidado com a comunicação para evitar barreiras na compreensão que podem se tornar intransponíveis e prejudicar todo um projeto de emissão e recepção de mensagens, não apenas no ambiente de trabalho, mas em nossos relacionamentos pessoais. Identificar os ruídos, fazer autoavaliação constante, criar padrões comunicacionais, reuniões para o devido alinhamento, treinamento constante da equipe de colaboradores, trabalhar para tentar aniquilar barreiras interpessoais alheias, ampliar os momentos e espaços de interação, revisar toda e qualquer comunicação enviada e recebida, para saber exatamente o que mandou e recebeu e evitar interpretações indevidas, além de trabalhar o tom e o conteúdo de tudo aquilo que é emitido diariamente em sua dinâmica como falante e ouvinte. Esse é o projeto de intervenção que tenho para vocês, caros leitores que precisam avaliar exatamente como se comunicam para abolir das práticas cotidianas, os ruídos que causam a insatisfação dos clientes, a dificuldade na gestão, os erros nos processos e, consequentemente, a diminuição da produtividade. O exercício da função de síndico profissional nos pede postura coesa e coerente, sem elementos ruidosos, rumo ao que atualmente chamamos de comunicação assertiva, tema do nosso próximo artigo.
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Ciência, Cultura & Sociedade
Gattaca: Experiência Genética
A trama se situa num futuro não exatamente muito distante, contexto onde vigora uma ditadura da genética


Leonardo Campos
Candidato ao posto de clássico moderno e referência nos meandros da metodologia da pesquisa, Gattaca: A Experiência Genética é uma narrativa sobre os limites da ciência e seus aspectos sociais, políticos e econômicos, um campo cheio de regras, axiomas, leis e teoremas, estabelecidos para que os responsáveis por suas manipulações sigam fielmente os direcionamentos, nalgumas vezes, transbordados quando há vantagens que nem sempre dialogam com aquilo que se convencionou a chamar de postura ética do pesquisador. Ao longo de seus envolventes 106 minutos, contemplamos uma trama que reflete os impactos da intervenção genética em nosso mundo, na produção Gattaca, dividido entre os seres humanos gerados biologicamente e aqueles concebidos graças ao advento das evoluções científicas. Neste cenário sombrio, temos um eficiente debate sobre o papel da ciência em nosso cotidiano, em especial, o desenvolvimento da genética na dinâmica dos seres vivos, numa reflexão sobre bioética e seus desdobramentos, afinal, por mais positiva que seja o avanço tecnológico neste campo, estamos lidando com a perigosa eugenia, algo que nas mãos da humanidade conflituosa, pode gerar caos.
A trama Gattaca se situa num futuro não exatamente muito distante, contexto onde vigora uma ditadura da genética. Numa espécie de processo eugênico, a ciência faz a separação dos indivíduos válidos e inválidos, sendo os primeiros os dominantes nas relações sociais. O cineasta Andrew Niccol adentra pelo viés das narrativas sobre o lado vilanesco da ciência, sabiamente trabalhado em ao longo da história do cinema, em filmes como Metrópolis, de Fritz Lang, dentre outros. Aqui, ele demonstra o quão a sociedade fictícia se encontra submissa aos ditames de um discurso científico opressivo, numa existência onde os seres humanos artificiais ocupam melhores posições e os considerados inferiores, isto é, com probabilidades de problemas genético, os espaços de menor favorecimento social. Em Gattaca: A Experiência Genética, o espectador é apresentado ao mundo dos filhos da fé e dos filhos da ciência. Ao nascer, o individuo que antes tinha o destino nas mãos da vontade divina agora pode ter o seu perfil delineado pela engenharia genética. Logo em seu nascimento, apenas uma gota de seu sangue permite a impressão de um diagnóstico que conduzirá toda a sua vida, num processo que flerta com todas as etapas de uma tradicional investigação científica, da introdução da proposta ao estabelecimento dos objetivos, da justificativa, do desenho antecipado do problema e da hipótese, aos métodos selecionados e os desdobramentos das análises que tem como destino, o encontro de respostas assertivas.
Nestes cálculos, as probabilidades definem as suas qualidades genéticas, psicológicas, físicas e possíveis doenças e até o desenvolvimento da causa de morte no futuro das pessoas. Diante do exposto, conhecemos o adulto Vincent Freeman (Ethan Hawke), interpretado por Mason Gamble na infância e por Chad Christ na adolescência, um homem que é filho de Deus, ou seja, nasceu com as seguintes porcentagens nas chances para desenvolvimento de problemas: 60% para questões neurológicas, 42% para depressão, 89% de capacidade de se concentrar e 92% para a possibilidade de desenvolver distúrbios cardíacos. Desde a sua infância, ele sonha em ingressar no projeto Gattaca, uma agência que treina os melhores astronautas para missões espaciais exploratórias. O grande conflito é que a sua ficha é taxativa: ele não possui os requisitos para alcançar uma vaga, pois é um filho de Deus, portanto, possui elementos que o tornam uma figura enfraquecida diante das vantagens físicas dos filhos da ciência. Além disso, psicologicamente ele é um personagem circunspecto, desanimado, haja vista a sua trajetória em família.
Quando pequeno, seus pais tiveram outro filho, Anton Freeman (Loren Dean), uma criança oriunda da ciência, socialmente com mais credibilidade que Vincent. Assim, a repressão advinda do campo científico não se mantém emaranhado em sua vida apenas na fase adulta, mas ao longo de toda a sua formação. Contemplamos tudo isso ao longo da narração em primeira pessoa do filme, com flashbacks explicativos para a postura do protagonista Vincent, figura que rouba a identidade de um nadador desabilitado após um acidente que o deixou tetraplégico, falsificação utilizada para adentrar no espaço de seu tão sonhado projeto de vida, algo que, no entanto, o coloca em risco. Após um assassinato, as coisas mudam e mesmo após a transformação física do personagem, bem como alguns ajustes de ordem comportamental, todos se tornam alvo de uma investigação que pode desmascará-lo. Ao tentar driblar o sistema e subverter uma ordem que delineia destinos predeterminados pela manipulação do DNA para a fabricação de organismos “melhorados”, Vincent também põe em risco a sua vida, numa perigosa e empolgante jornada que funciona como entretenimento de qualidade, bem como reflexões filosóficas intrigantes sobre a relação da humanidade com os próprios pilares tecnológicos que cria.
Na composição da estrutura cinematográfica de Gattaca: A Experiência Genética, o cineasta Andrew Niccol contou com uma eficiente equipe técnica, responsável pelo assertivo estabelecimento da materialidade fílmica em prol do tema debatido nos diálogos e situações do texto dramático. A textura percussiva de Michael Nyman, imersiva, acompanha as cenas que se passam pelos cenários devidamente dirigidos artisticamente pelo design de produção assinado por Jan Roells, setor que cria ambientes equilibrados, próximos do realismo de nosso mundo contemporâneo, mas com elementos que emulam as fascinantes ficções com teor científicos, conhecidas por delinear em cena, traços estéticos que nos remetem ao “futurismo”. Ademais, na direção de fotografia, Slawomir Idziak cria ângulos que nos permitem sentir a vulnerabilidade de alguns personagens, com planos que reforçam o contexto de tensão no qual as figuras ficcionais estão espalhadas, uma malha narrativa onde a ditadura da engenharia genética reforça preconceitos e fixa um amontado de castas sociais conflituosas, imersas num angustiante lugar de controle social e determinismo genético, retrato da nossa realidade, alegorizado por meio do brilhante tema desenvolvido nesta trama sobre a ciência e seus impactos positivos e negativos para a humanidade, afinal, as redes sociais e as novas tecnologias estão ai para nos mostrar que apesar de dominarmos aquilo que pode melhorar a nossa vida, também nos tornamos reféns de seus efeitos colaterais, não é mesmo?
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Ciência, Cultura & Sociedade
Introdução: A Porta de Entrada de Seu Projeto de Pesquisa
Este é um momento importante para fisgar o leitor e garantir interesse na continuidade da leitura de sua empreitada científica


Leonardo Campos
Todas as etapas de um projeto de pesquisa são importantes. Com a introdução, não seria diferente, correto, caro leitor? Em nosso breve e elucidativo artigo com toques de tutorial, explanarei sobre os principais passos para adoção durante a elaboração da parte introdutória de seu projeto, um momento importante para fisgar o leitor e garantir interesse na continuidade da leitura de sua empreitada científica. Como porta de entrada, o seu texto deve ser limpo, atraente, coeso, coerente, fornecer subsídios para comprovação da relevância social de seu tema, bem como segurança diante da proposta escolhida para trabalho. Sendo o primeiro contato com as perspectivas de seu processo investigativo, é na introdução que você expõe a questão da sua pesquisa, o desenvolvimento do problema e a pertinência de sua hipótese, num cartão de visitas que precisa convencer os leitores sobre a significância de sua jornada.
Observe este infográfico. Leia. Faça uma análise e depois reflita sobre os pontos abordados. Foi produzido para um curso de Enfermagem, mas pode ser pensado para qualquer outra área do conhecimento. Ademais, não precisa ser seguido fidedignamente, mas adaptado para a sua realidade de pesquisa.
Observou. Descreverei mais detalhadamente sobre os pontos adiante. Sigamos.
O número de páginas para a introdução é relativo e depende das normas dispostas nos editais da instituição na qual você desenvolve a pesquisa. O seu tema deve ocupar o maior espaço do texto, numa escrita que pode (e deve) contemplar os principais conceitos, um percurso histórico do tema, dados de outras pesquisas (quando houver) realizadas anteriormente, num processo explicativo do autor (você) para o leitor, tendo como uma das principais preocupações, a determinação da abrangência da pesquisa. Recentemente, uma estudante de Jornalismo me abordou para uma orientação que se referia ao fenômeno da Cultura do Cancelamento. Na proposta introdutória, ela não especificava qual era o seu recorte temporal, bem como o seu objeto. Se este fosse um projeto esboçado para um edital de seleção para mestrado, doutorado ou adentrar numa iniciação científica, provavelmente o material seria descartado, com a reprovação divulgada nos resultados posteriormente. Explico os motivos.
Mesmo que o título forneça pistas, o texto introdutório precisa evidenciar a natureza do trabalho de maneira mais elucidativa possível. Deve atravessar, talvez indiretamente, os objetivos, a finalidade da pesquisa e a justificativa. Lembre-se, caro leitor: é na introdução que fisgamos o leitor, neste caso, os avaliadores. É um texto onde teremos uma ideia geral do projeto, parte onde o autor diz por quais motivos escolheu o assunto, tendo em vista delinear a importância de seu conteúdo. Somente na justificativa foi possível compreender que a estudante em final de curso se referia ao cancelamento por meio de uma observação detida aos participantes do reality show Big Brother Brasil, numa análise pertinente sobre os desdobramentos das opiniões destes indivíduos durante a participação no programa, culminando na aceitação ou ojeriza do público em relação aos seus posicionamentos, no linchamento virtual das redes sociais e afins. Observe que uma temática interessante quase deixou de ser levada adiante por falta de comprometimento com o texto de abertura, um trecho valioso, tal como o preâmbulo de filme, série ou romance que prende a nossa atenção e mesmo que decepcione, nos leva adiante em sua jornada.
Assim é com a introdução se sua pesquisa. É o momento de contextualização dos caminhos pavimentados em sua proposta. Precisa ser atrativa, motivar a continuidade do interesse de quem lê (e avalia), bem como traçar as contribuições advindas do tema recortado na jornada que você pretende trilhar em seu projeto. O texto? Claro, conciso e “preciso”. Como já mencionado, demonstrar os antecedentes de sua abordagem, “produzir um design” para que o leitor compreenda quão pertinente é a sua linha de raciocínio para a investigação escolhida, numa escrita que deve prezar pelo tom persuasivo e, num movimento questionador, levantar indagações sobre a temática, numa conexão assertiva com as partes subsequentes, isto é, um ritmo empolgante na abertura, para que os objetivos, justificativas, hipóteses, problemas, metodologias, mapeamento bibliográfico, orçamento e cronograma, bem como os anexos e referências consultadas no formato solicitado pela ABNT estejam organicamente unificados como partes constituintes de uma tessitura alinhada, coesa e coerente com os seus propósitos.
Boa escrita!
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Ciência, Cultura & Sociedade
Os tipos de conhecimento em `Quase Deuses`
A narrativa traz para a cena os impasses de personagens em buscar explicações para as investigações científicas que empreendem


Leonardo Campos
Uma jornada pelos caminhos do conhecimento. Eis uma definição possível para Quase Deuses, telefilme dirigido por Joseph Sargent, cineasta que se baseia no roteiro de Robert Caswell e Peter Silverman para nos contar uma edificante história de superação lançada em 2004, uma saga de dedicação e empreendedorismo que atualmente é bastante mencionada em aulas de projeto de vida, cursos de metodologia da pesquisa, dentre outras áreas da aprendizagem humana. Tocante, sem apelar para um tom novelesco excessivo, algo comum na seara das produções cinematográficas para televisão, a narrativa traz para a cena os impasses de personagens mergulhados no interesse crítico para buscar explicações para as investigações científicas que empreendem, tendo o campo da medicina como espaço de desenvolvimento dos conflitos dramáticos internos, isto é, situados num caso específico de análise, bem como os externos, conectados com os desafios pessoais na vida destas figuras ficcionais com vidas atribuladas e cheias de obstáculos, mas focadas em encontrar as soluções que escreveriam os seus nomes para a eternidade, haja vista a inspiração numa história real para a concepção do filme.
Ao longo dos 110 minutos de Quase Deuses, nos deparamos com o cotidiano de Vivien Thomas (Yassin Bey) e Alfred Blalock (Alan Rickman), o primeiro, um homem negro, pobre, desacreditado diante da possibilidade de saída do determinismo que o sufoca, sendo o segundo, um médico renomado da Universidade de Vanderbilt, em Nashville, ambos situados na década de 1940, uma era de conflitos bélicos mundiais e muitas mudanças de paradigmas sociais. A relação deles começa depois que Vivien consegue uma vaga de faxineiro na universidade. Curioso, ele sempre executa os seus serviços observando como as coisas funcionam ao redor, numa postura de pesquisador. O rapaz não quer apenas limpar e receber o seu salário no final do período, mas conhecer como se desdobram os processos por onde passa. Ele tem faro de investigador, posicionamento inicial que o fará ir tão longe, mais que o esperado, tornando-se um renomado cientista e médico, ganhador do Honoris Causa, em 1976. Acompanhamos cada passo seu com a trilha sonora emotiva de Christopher Young, importante para o impacto dramático de cada passagem transformadora na vida destes personagens que aprendem muito entre si.
Voltemos ao contato entre a dupla. Ao perceber que Vivien Thomas é um homem interessado e curioso, o Dr. Alfred começa a lhe garantir algumas oportunidades adicionais. Há momentos de observação de experimentos, contemplação de procedimentos, numa jornada que permite ao faxineiro sair da posição fixa importante, mas redutora, levando-o como auxiliar para o Hospital John Hopkins, numa época em que se relacionar com pessoas negras era tabu, tempo conflituoso que exigir ceder o lugar para os brancos num transporte público ou ter banheiros diferentes para cada grupo, em linhas gerais, uma tenebrosa fase da história humana que de vez em quando, se repete na contemporaneidade, por mais que afirmemos que passamos por consideráveis mudanças sociais. A esposa de Vivien, sempre preocupada, teme que as experiências do marido sejam ousadas demais e os deixem numa posição comprometedora futuramente. Ele, persistente, segue o seu sonho e consegue convencer a todos de sua competência, num trunfo belíssimo.
Sua trajetória é de superação sem aderir aos milagres ou religiosidade. Vivien Thomas é técnico no que faz, focado na metodologia, humilde quando os caminhos não levam para o esperado e consciente da necessidade de recomeçar quando percebe que realizou uma escolha equivocada. Em sua pesquisa com animais, faz procedimentos e experimenta muito, antes de chegar aos resultados finais, uma aula para a juventude contemporânea impaciente e obcecada pelo Google como via exclusiva para as suas respostas. É na exatidão científica que o personagem prospera, numa era de tantas dispersões e dificuldades como qualquer outra, marcada pela recessão econômica, desdobramento da Crise de 1929, época de taxas altíssimas de desemprego e miséria, queda do poder de compra e da renda, bem como da produção industrial em escala mundial. Sem falar na já mencionada segregação racial, um impasse que poderia ter acabado de vez com os primeiros passos galgados por Vivien Thomas, ao lado do Dr. Alfred, seu mentor, figuras unificadas para a resolução da Síndrome do Bebê Azul, um problema cardiológico que foi resolvido depois de muito trabalho, leitura, investigação e testes laboratoriais, em suma, após uma jornada exaustiva, mas necessária, de pesquisa embasada por métodos sérios.
Eles precisam descobrir como resolver a cianose provocada pela deficiência no transporte de oxigênio no sangue do bebê que desenvolve o problema quando nasce, nalguns casos, logo quando pequeno, uma condição que o deixa com a pela azulada ou arroxeada, cor que pode ser efeito da junção de sangue oxigenado com o não oxigenado, problema de saúde oriundo de má formação congênita. É uma situação raríssima que encontrou respostas significativas na empreitada do médico e de seu auxiliar. Nós contemplamos estas passagens com a direção de fotografia de Donald M. Morgan, eficiente na captação dos momentos de duelo entre os investigadores e a sociedade, personagens que atravessem os cenários do design de produção de Vincent Peranio, também assertivo ao emular com cautela as décadas por onde a trama se passa, além de construir um espaço de trabalho para a dupla que é simples, mas imersivo no que tange aos aspectos visuais de um local para experimentos científicos. Ademais, Quase Deuses também é uma narrativa para reflexão sobre os diversos tipos de conhecimento, sabia?
Nos momentos em que os dois homens debatem sobre como descobrir a cura para a cura do bebê e assim, explicar tal fenômeno, nós temos pontos de articulação com o conhecimento filosófico, obtido na lógica e na construção de conceitos. Após numerosas tentativas com animais que não dão certo, os testes acabam levando Vivien para o seu objetivo, num diálogo com o que chamamos de conhecimento sensível, aquele obtido através dos sentidos, neste caso, pelo olhar atento do personagem. Quando um representante religioso deseja intervir na cirurgia, alegando que os médicos querem interceder diante da vontade divina, temos impregnado o conhecimento religioso. No caso do conhecimento científico, podemos contemplar a sua passagem em diversos momentos de Quase Deuses, em especial, quando Vivien Thomas se apaixona pelos estudos na área de medicina e começa a devorar todos os livros possíveis sobre o assunto, numa busca por problemas, hipóteses, respostas por meio de experimentos e investigação.
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
-
São João 2025há 3 dias
“Arraiá do Coração” terá shows, comidas típicas e clima junino do interior
-
Culturahá 2 dias
Santuário Senhor dos Passos de Feira de Santana será restaurada
-
Agriculturahá 2 dias
Bahia avança na sustentabilidade agropecuária com capacitação do Plano ABC+
-
Papo de Quintahá 2 dias
Uma futura legião de improdutivos?