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Entrevista Exclusiva

‘O Cêro’, o contador de histórias

Ivan Mesquita uniu as gírias do surf, das quebradas de Salvador, carregou no sotaque nordestino e virou sucesso

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CARLA MELO • Entrevista exclusivaNa certidão de nascimento tem Ivan Mesquita, só que para os mais chegados, ele é 'O Cêro', nome que já está gravado
Foto: Reprodução
CARLA MELO • Entrevista exclusiva

Na certidão de nascimento tem Ivan Mesquita, só que para os mais chegados, ele é ‘O Cêro’, nome que já está gravado na ‘mente’ dos baianos. Ivan ganhou ainda mais o chamego dos internautas, ou melhor, dos seus ‘cêronautas’, quando lançou um vídeo, que bombou nas redes sociais.

Natural de Itabuna, cresceu e se criou em Canavieiras e já morou um tempo em Ilhéus. Se aventurou por Salvador para estudar, se formou em Petróleo e Gás, mas não achou oportunidades de trabalho na área, por isso, voltou a Canavieiras, trabalhou por lá e novamente seguiu para a capital baiana, novamente para estudar. Há três anos, começou a fazer vídeos de culinária, passou a estudar outros conteúdos, como o cordel e viu que estava “dando legal”, até que em 2020, no dia da Independência da Bahia, lançou o vídeo sobre a heroína Maria Quitéria. Viralizou! E a partir daí, tem muita história. Tem do Instituto Butantan, do Dia do Cuzcuz e muito mais.

 

As histórias contadas, em seus vídeos, com as gírias e a ginga baiana fez nascer ‘O Cêro’. “A gente costuma chamar de ‘cêro’ os parceiros, que é uma gíria aqui de Salvador. E, em um dos vídeos, eu falo no final “segue o cêro”. Só que aí o povo entendeu que ‘cêro’ seria o meu nome, e aí começou a me chamar de assim e eu aproveitei essa deixa e me intitulei de ‘cêro’, mas sempre deixei claro que era uma gíria de Salvador”, explicou Ivan.

Mas, vamos fazer o seguinte, melhor do que eu falar sobre ele, que tal ‘O Cêro’ contar a sua própria história?

Carla Melo – Me conta, quem está por trás do Cêro?
Ivan Mesquita – O Cêro é o jovem popular, que fala muita gíria, que anda no meio do surf, do skate, da periferia, entende? Acho que este é o Cêro.

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CM – Você como bom nordestino, traz uma representatividade muito forte em sua fala. Existe uma história dessa identidade com os bairros e as cidades por onde você já passou?
IM – Com certeza. Esse Nordeste em mim, é muito presente. Ele é o meu avô que trabalhou como fotógrafo por muito tempo para sustentar a família, é a minha mãe, é meu pai. São trabalhadores, como o povo nordestino é. Essa cultura de cordel, eu gosto muito de Bráulio Bressa, Patativa. Então eu fui me apossando das características do Nordeste. Eu dou muito valor à poesia, cordel, o forró, gosto muito de dançar forró. Então, é isso, o Nordeste foi se construindo em mim ao longo da minha vida e hoje eu consigo expressar esse Nordeste.

CM – E qual a história por trás dos seus vídeos, que em pouco tempo ganharam tanta popularidade?
IM – Esse vídeo de Maria Quitéria viralizou, mas, na verdade, o que viralizou foi um formato de vídeo, não foi um vídeo específico, e isso me ajudou bastante porque eu consigo explorar outras histórias, outros temas, sempre usando esse formato de imagem passando atrás, muita piada vem das imagens ali atrás. São imagens que o povo está acostumado a ver na internet, de figuras como Dom Pedro e tal, e aí eu mudo o nome, coloco um apelido e boto a imagem para se movimentar. Então eu desconstruo aquela imagem parada, estática que o povo geralmente tem quando pesquisa. Geralmente quando eu coloco que “Ah, Dom Pedro está agoniado”, eu o coloco para se mexer. Então isso dá uma dinâmica nos vídeos.

CM – Existe um objetivo comum, social em cada um deles?
IM – Vieram alguns temas de alguns vídeos que viralizaram, como a Independência do Brasil, do Instituto Butantan, que às vezes eu pego alguma crítica atual e lanço para ficar subentendido no vídeo, né? Faço uma crítica política e tals. Então, foi viralizando. Veio o convite de Ivete Sangalo, ela assiste aos meus vídeos e me convidou para apresentar, junto com ela, o Prêmio Multishow e isso também me deu um boom muito grande.

CM – Qual foi a sua reação quando percebeu que seu conteúdo tinha viralizado?
IM – Eu estava muito confiante, que, em alguma hora ia rolar. Eu estava estudando muito outros blogueiros daqui de Salvador, vendo os conteúdos, e eu percebi assim, que o meu conteúdo estava legal. Aí no vídeo de Maria Quitéria, rolou e foi surpresa para mim porque eu não imaginava que ia rolar com este vídeo. E aí, foi um vídeo que eu fiz muito nas pressas e postei e no dia já estava achando estranho. Estava tendo muito compartilhamento e quando chegou no dia seguinte, eu já comecei a receber muita mensagem no celular, falando que o vídeo já estava circulando. E aí é aquela surpresa gostosa que todo criador de conteúdo gosta, né?

CM – Foi aí que você percebeu que havia encontrado o caminho?
IM – Foi muito legal isso, saber que o vídeo viralizou. E como eu te falei, mais legal ainda porque não foi um vídeo isolado, foi um formato. Assim que eu fiz, eu falei: poxa, vou fazer mais uns dois vídeos de história e continuo lançando meus conteúdos e foi o que eu fiz. Fui lançando outros conteúdos de história também, fidelizando o povo e foram começando a gostar, não só dos vídeos, mas gostar de mim mesmo, dos meus stories, da convivência comigo, então eu ganhei um carinho muito grande do público. E foi isso, estou muito feliz com o resultado disso tudo.

CM – Você sempre traz gírias baianas, o baianês que fala sobre “cêro”, “véi”, “barriado”, “boto fé”. Existe algum personagem que você tem referências para seus vídeos?
IM Existe sim. Tem alguns amigos que me inspiro e que conversam com o baianês bem puxado. Um deles o apelido é ‘Homem de Pedra’, o outro é ‘Rudhero’. Enfim, tem alguns amigos meus que conversam assim, e eu também converso assim. Como eu surfo, eu ando muito com a galera que surfa, eu falo muita gíria. É uma mistura, não sei identificar, dizer que veio dali, de tal pessoa. Mas tem pessoas que quando eu escuto, eu tenho referência. Tem o Jhordan Matheus, que é comediante que está em alta, que é uma das minhas inspirações também na forma de falar.

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CM – E a mistura entre esses dois elementos importantes, como a história e o humor, você teve alguma inspiração?
IM – Eu sempre gostei muito de histórias e gosto muito de humor, então casei as duas coisas, foi ideia minha. Na verdade, eu recebi um texto, que ele falava de algo, mas eu particularmente não me identifiquei com o texto, aí eu fiz uma releitura botando um personagem. Mas, dos vídeos, unindo os dois, foi ideia minha.

CM – Como você pensa e planeja a produção dos conteúdos dos seus vídeos?
IM – O planejamento vai muito das datas comemorativas, às vezes vai de alguma ideia que surgiu. Eu faço tudo, faço a gravação, a edição, o levantamento histórico. Então é muito complexo um vídeo desses, por isso a minha demora em lançar conteúdo. Tento lançar pelo menos um por semana. Vou sondando o que está no auge, por exemplo, se tem algum assunto, tipo o do Butantan. Eu gravei o vídeo, mas logo em seguida aconteceu aquela polêmica do leite condensado, aí eu regravei, incluindo o leite condensado, fiz uma mistura louca no vídeo (risos), o que deu muito certo. O vídeo viralizou, que eu ganhei, acho que mais de, sei lá, 30, 40 mil seguidores com esse vídeo. O Mídia Ninja repostou, então me deu uma visibilidade bacana. Eu vou sondando muito o que está em alta, vou sempre estudando muito.

CM – Tem ideia da quantidade de pessoas que você consegue atingir com suas produções?
IM – Em média, hoje, acho que são 500 mil visualizações por vídeo. E eu tive um vídeo agora do cuscuz que bateu mais de 1 milhão. Mas, em média, dá isso aí, 400, 500 mil visualizações.

CM – E como o seu público, além de se divertir reage? Como é a interação com os ‘Ceronautas’?
IM – Recebo muito feedback, muita mensagem de inspiração de pessoas que estão tentando fazer alguma coisa parecida comigo e eu incentivo. Eu não sou muito de pegar no pé de plágio, entendeu? O importante é que o conhecimento se espalhe. E recebo críticas também, porque como a história diverge, tem várias linhas, então, as vezes alguma pessoa acha que eu tomei a linha errada, e me crítica, mas faz parte do processo. Sempre tento filtrar bastante e seguir melhorando nos vídeos.

CM – O processo de um projeto sempre é trabalhoso. É preciso dedicação e muita força de vontade para enfrentar as dificuldades. Você já recebeu muitos desincentivos neste trabalho?
IM – Eu acredito que não. Pelo contrário, desde o começo o povo me apoiou muito. Minha família, meus amigos me apoiaram muito. E assim, durou pouco tempo para o vídeo viralizar, relativamente pouco tempo. Uns dois, três meses, mais ou menos, mas sempre a galera apoiou.

CM – Você me falou sobre alguns projetos sociais que faz parte. O Cuscuz e Poesia em Libras é um deles. É um projeto seu?
IM – Eu tenho uma campanha social com o Hemoba, onde eu faço a divulgação dos projetos, eu já fiz parceria com Leo Santana. Eu sou bem engajado nesta parte social. Estive com a pessoal do Doe Aí Fera, uma instituição que começou agora e está fazendo ações de arrecadação de alimento. Tenho também um projeto importantíssimo que é o ‘Cuscuz e Poesia em Libras’, que é o meu conteúdo traduzido em sinais para surdos. Esse conteúdo vai para o meu canal do Youtube, que antes se chamava Cuscuz e Poesia, depois troquei para Ivan Mesquita. Tenho mais duas pessoas, Gabriela e Roberta, que são intérpretes de libras, que estão comigo neste projeto.

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CM – E venha cá, o ‘Cêro’ tem outros projetos em mente? Ou melhor, ainda tem muita história pra contar?
IM – Tenho outros projetos, como contar história de bairros de Salvador, tenho projeto de viagem surfando e cozinhando pelo Nordeste, e o ‘Cêro’ também tem várias histórias para contar. Espero, ainda, contar muitas histórias. (risos)

 

Entrevista Exclusiva

Leonardo Campos reflete sobre Cinema e Educação

O professor e crítico de cinema versa sobre a ficção audiovisual na sala de aula

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A segunda edição da Semana do Cinema acontece entre os dias 9 e 14 de fevereiro, nas principais redes de cinema. Serão ofertados ingressos a R
Fotos: Divulgação

Leonardo Campos

O cinema é uma arte essencialmente educativa. Pode ser usada em diversas modalidades de ensino e ainda permitir mescla de entretenimento com aprendizagem. Focados nisso, o professor e crítico de cinema Leonardo Campos versa sobre a ficção audiovisual na sala de aula, dando aos leitores alguns direcionamentos em seu mapeamento neste segmento, em prática desde as primeiras incursões docentes, em 2008. O papo cheio de reflexões pertinentes com o jornalista Emerson Miranda foi realizado num dos encontros do projeto Descomplicando Conteúdo da UNIFTC, realizado em 2021. Confira e logo após a leitura, compartilhe, combinado?

Bahia pra você: O cinema na sala de aula é uma proposta defendida com muita garra em sua fala e nas ações designadas para este evento. Na era das redes sociais e séries no streaming, há vez para o cinema enquanto suporte educacional?

Leonardo Campos: O cinema vai mudar e com a pandemia da covid-19, passou por transformações de produção, distribuição e exibição, mas sua possibilidade enquanto conteúdo educacional vai se manter intacta para quem estiver interessado em utilizar as suas narrativas como material para aprender sobre culturas diversas, refletir comportamentos, debater temas específicos, analisar momentos históricos ao longo da evolução da humanidade, etc. Em nossa sociedade multimídia, o cinema é uma das fontes de simulação da realidade. Sempre digo em minhas aulas e formações de professores que podemos usar o cinema para trabalhar qualquer temática/área. Depende muito do interesse do docente em estabelecer as devidas conexões.

BPV: Videoclipes e séries também?

Leonardo Campos: Há, porque quando menciono o cinema, deixo também abranger séries, videoclipes e afins. Se você pegar, por exemplo, o videoclipe American Life, da Madonna, a sua aula de Língua, Literatura, Geografia, História, Língua Estrangeira, Atualidades, dentre tantas outras, ganhará ampla possibilidade de debates. Na produção, enquanto a letra fala sobre imperialismo, imagens de um desfile demonstra as chagas dos conflitos bélicos entre Oriente e Ocidente. A letra, o comportamento, as imagens de arquivo… são muitas as oportunidades de debate, mas tudo dependerá da organização do professor. Numa determinada ocasião, utilizei um episódio da série The Resident, drama médico lançado em 2017, para refletir relacionamentos humanos, numa conexão com o conto O Enfermeiro, de Machado de Assis. Teve exibição, leitura do conto em sala de aula, questões de interpretação, mapa mental e debate. Há muita coisa boa disponível para se trabalhar de maneira engajada, mas para isso, precisamos de professores mais dispostos, de gestores que compreendam e abracem mais ideias como estas, aparentemente “diferenciadas”, mas simples e que deveriam ser o básico na dinâmica da escola.

BPV: Então o professor é o grande responsável por fazer deste recurso um efetivo mecanismo de movimentação de ideias?

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Leonardo Campos: Muito. Sabemos que existe a desmotivação, a carga horária baixa diante das exigências altas, mas se não tentarmos a mínima mudança, prejudicamos a nossa prática cotidiana. É aquela aula monótona e que nos causa dor de estômago e irritabilidade ao ter que levar até o fim, sabe? Sempre digo que precisamos nos motivar não apenas pelos estudantes, mas por todo o conjunto. No caso do cinema, não temos investimento para ficar em casa analisando filmes, produzindo questões, elaborando tópicos temáticos. É uma realidade cruel, pois cada vez mais se pensa na presença de sala de aula, sem levar em consideração o nosso planejamento. Há, no entanto, a formação pessoal, o conhecimento ampliado diante deste investimento, bem como a grande chance de estabelecimento de uma sequência de aulas empolgantes, mais significativas. Todo mundo sai ganhando.

BPV: Em suas formações, você sempre elenca uma série de estratégias que podem fazer o cinema na sala de sua ser uma proposta errônea.

Leonardo Campos: Tive um professor de Literatura na época do Pré-Vestibular que me fez germinar esta ideia antes de adentrar na faculdade. Em algumas de suas aulas terríveis e esquemáticas, o profissional entrava na aula, colocava um filme baseado num romance da literatura brasileira e no final da exibição, desligava tudo e ia embora. Não tinha um texto motivador, um debate, questões para resolução, nada. Simplesmente o filme puro e aleatório. Muitas pessoas gostavam, pois era uma oportunidade de conhecer o conteúdo solicitado na prova do vestibular, sem necessariamente realizar a leitura do livro. Mas era enganoso, pois na tradução do suporte literário para o cinematográfico, chamado de Tradução Intersemiótica no meio acadêmico, sabemos que aquilo lá é fruto de um olhar, uma adaptação realizada dentro doo ponto de vista de determinados realizadores. Dom, de Moacyr Góes, não pode ser uma substituição da leitura de Dom Casmurro, de Machado de Assis. O ideal é uma articulação. Então, o professor que entra, exibe uma narrativa ficcional ou educacional sem a mínima conexão está cometendo um erro terrível e isso pode minar a confiança do estudante, dos coordenadores e até dos pais no cinema como proposta educacional efetiva, além do entretenimento.

BPV: Percebo um grifo constante nesta questão do entretenimento em sua fala.

Leonardo Campos: Sim, porque muitos ainda acham que filme ou série são conteúdos somente para diversão, quando de fato funcionam muito bem quando devidamente articulados. As condições do espaço de exibição, ainda sobre a pergunta anterior, também devem ser as melhores. Projetor funciona bem? Se não, a experiência será tediosa. Há muita claridade? Você, enquanto professor, pode chegar mais cedo na sala de aula para organizar o espaço de maneira mais planejada? Já no ato da exibição, disponibilize um texto motivador para que o estudante já saiba que o conteúdo será parte de uma célula do planejamento da unidade. Assista ao filme antes, para elaborar os pontos de articulação no debate. Tenha convicção do material e saiba responder exatamente como ela irá funcionar em sua sala de aula. No Ensino Médio, por exemplo, uso sempre um filme com tubarões aparentemente banal, intitulado Do Fundo do Mar, de 1999. Visto pelo viés do entretenimento, é apenas uma aventura tensa e divertida. Mas olhado com afinco, discute manipulação de animais para pesquisas científicas, a ética na pesquisa, comportamento humano, além da relação entre seres humanos e natureza, em especial, a busca pela sobrevivência em histórias clássicas da literatura, tais como a Odisseia, de Homero, Moby Dick, de Herman Melville, dentre outros.

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entretenimento com aprendizagem. Focados nisso, o professor e crítico de cinema Leonardo Campos versa sobre a ficção audiovisual na sala de aula,

BPV: Com o advento da BNCC, o cinema ganha uma movimentação orgânica nas práticas desejáveis para o que está postulado como direcionamento de ensino?

Leonardo Campos: Tudo depende da articulação do docente. A SOCINE (Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual) se manifestou lá em 2016, numa carta aberta ao Ministério da Educação e Ministério da Cultura. No documento, refletiu-se sobre a inserção de um eixo macro envolvendo artes, tais como teatro, música, pintura, sem o cinema como destaque. Os autores comentam a lei 13.006/14, voltada à obrigatoriedade do uso de cinema brasileiro por ao menos duas horas na escola. Assim, temos o que é o nosso direcionamento por lei, mas dentro das temáticas, o docente pode se articular e utilizar o cinema dentro das propostas que convenhamos, são bem interessantes na BNCC, mas pedem o mínimo de conhecimento do professor acerca do documento, algo que muitas vezes não acontece, pois recorremos, por falta de tempo ou interesse, aos resumos, lives, dentre outros substitutos. Assim, como subverter, mantendo-se dentro da legalidade, quando não conhecemos os direcionamentos que nos baseiam? Complicado. Falamos muito sobre leitura dos jovens, mas nós professores também precisamos investir mais tempo em atualizações.

BPV: Em determinado momento de sua fala, ficou evidente que é possível trabalhar ficção cinematográfica e literária até mesmo nas aulas de Matemática. Confesso que achei a proposta desafiadora.

Leonardo Campos: Foi uma descoberta incrível, pois sempre tive dificuldades com a área. Levei a formação para Brumado e Boquira, pela UNEB, proposta que funcionou muito bem com os professores participantes. Sabemos que na área temos os cálculos, fórmulas inevitáveis, mas também podemos pensar no lado filosófico da matemática e sua aplicabilidade no cotidiano. É demonstrar aos estudantes a funcionalidade daquilo tudo aprendido na “vida real”. Gênio Indomável, Uma Mente Brilhante, A Sala Fermat, 3×3, Cubo, O Preço do Desafio. É uma oportunidade para se refletir os estereótipos sobre a o professor de matemática sisudo, complexo, difícil, impossível de ser compreendido. Monteiro Lobato tem um livro chamado Aritmética da Emília, numa conexão com a literatura que também se faz importante. No cinema, os planos da direção de fotografia, os objetos e suas formas em cena, a arquitetura dos espaços, tudo isso pode ser conectado com a aula de matemática.

BPV: Matemática seria o limite? E nas aulas de Química e Física, por exemplo?

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Leonardo Campos: Prefiro não estabelecer limites, mas confesso que a articulação de narrativas ficcionais com as áreas em questão é uma dinâmica mais complexa. Isto, no entanto, não impede que a pessoa na posição docente possa articular arte com o seu segmento. Numa aula sobre educação para o trânsito, por exemplo, podemos debater uma situação hipotética que envolva cálculo e um sinistro envolvendo carros, ônibus ou bicicletas. Cálculos de distância, movimento, força gravitacional, etc. Sem falar nos documentários, fontes de grande potência educacional, efetivas quando bem direcionadas pelo professor enquanto mediador. Numa aula recente, trabalhei situações indevidas de trânsito num episódio da série Modern Family. A trama girava em torno de um sinistro que quase ceifa a vida dos personagens, dispersos com a barulheira dentro de um carro a se deslocar pela cidade. Como eles se salvam, cada um começa a refletir sobre a sua vida e as coisas que poderiam mudar após a nova “chance” concedida pelo universo. Enquanto se debate comportamento, interpretação de texto e tópicos correlatos, o docente da área pode criar as suas questões e promover uma aprendizagem mais contextualizada e envolvente. Tudo depende da vontade, sabe? Do querer criar algo mais interessante, indo além do que já está estabelecido nos materiais basilares do programa de ensino da unidade que resolver amplias suas propostas.

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BPV: Conforme as suas últimas publicações, a metodologia da pesquisa analisada por um viés cinematográfica tem sido o seu foco de trabalho. Quais são os propósitos?

Leonardo Campos: Foi uma descoberta enquanto professor de Metodologia da Pesquisa Científica logo no primeiro ano de docência no Ensino Superior. Levei de imediato para o Ensino Médio e vejo possibilidade no Ensino Fundamental. Filmes como Guerra do Fogo, Fim dos Tempos, Do Fundo do Mar, Erin Brockovich, Histeria, O Nome da Rosa, dentre outros, trabalham com figuras ficcionais em situações de pesquisa ou em busca de expansão do conhecimento em prol de alguma resposta para resolução de um problema. É uma proposta que permite o estudante refletir sobre o que é e como se procede numa pesquisa, numa caminhada que ainda permite encontrar objetivos, hipóteses, justificativas, metodologia, etc. Sempre indico para estudantes em produção de TCC, bem como aqueles que desejam se articular melhor na escrita, pois são narrativas que expandem o raciocínio e permitem aguçar o senso crítico. Veja o caso de Erin Brockovich, com Julia Roberts. Ela é uma cidadã que ressignifica a sua vida durante uma pesquisa. Com o filme, debatemos os procedimentos de uma investigação, o que fazer, o que não fazer, como organizar o conteúdo que levantamos para análise, como lidar com os resultados. É um caminho que tal como as demais propostas envolvendo cinema e educação, pede ao docente um mínimo de empreendimento na sequência didática que pretende elaborar. Não apenas exibir o filme, mas ter um texto motivador como guia, elaborar questionamentos e promover debates.

BPV: Muito além de ser um recurso para os estudantes, o cinema também pode ser uma estratégia para motivação dos docentes, figuras em aprendizagem evolutiva constante, ao menos pelo que se espera de um profissional em busca do melhor. Conta para o nosso leitor sobre o seu projeto intitulado Cinema Espelho, direcionado aos professores?

Leonardo Campos: É um projeto em desenvolvimento desde a época da graduação. Filmes sobre professores em sala de aula permitem que nós, docentes, possamos nos articular com as abordagens e no processo, ficamos inspirados. O Substituto, O Sorriso de Monalisa, Sociedade dos Poetas Mortos, Mentes Perigosas, Preciosa, Entre os Muros da Escola, Tudo Que Aprendemos Juntos, dentre tantos outros, podem funcionar como “espelho” para práticas desejáveis, além de nos permitir a reflexão sobre as demandas cotidianas do sistema educacional em que nos inserimos. São narrativas que possibilitam espelhamento entre o espectador, neste caso, o professor. Assistimos e nos envolvemos enquanto entretenimento, mas em todas as produções selecionadas para este projeto, temos uma discussão sobre algum ponto da nossa prática. É uma proposta que já foi levada e recebida com sucesso em formações de professores nem várias cidades do interior da Bahia, tais como Conceição do Coité, Boquira, Brumado, Feira de Santana e aqui em Salvador.

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Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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Entrevista Exclusiva

De comediante a radialista, conheça Rodrigo Villa

Além de ator, criador de conteúdo, radialista, ele ainda faz “malabares de coco verde”

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em

Rodrigo Villa
Foto: Arquivo pessoal
Por Carla Melo ♦ Jornalista

Provavelmente você já deve ter se deparado com a excêntrica Bisteca no feed do seu Instagram. Quem sabe até visto Sandra Xamã, Dirce ou a Pandora. Mas atrás dessas diferentes personagens, cada uma com sua personalidade e vivacidade, está Rodrigo Villa, “ou somente Rô para os íntimos”, um dos humoristas mais queridos de Salvador e que faz qualquer um se acabar na gargalhada. É claro de que o seu espacinho estava garantido no quadro ‘Gente da Gente’, aqui do Bahia Pra Você. Confira abaixo esse bate-papo incrível.

Carla Melo: Ator, humorista, criador de conteúdo, radialista e sempre levando alegria com muito conteúdo para todos os baianos. Afinal, quem é que está por trás de um dos humoristas mais excêntricos de Salvador?
Rodrigo Villa: Sempre fui uma criança extrovertida, do tipo que adora “se amostrar”. Era só ter um aniversário de família que lá estava eu tentando roubar a atenção de todos, seja contando piadas ou imitando tios e tias. Chegando à fase adulta, a vontade de me tornar ator cresceu tanto que não consegui mais adiar esse processo e olha que eu tentei.

Trabalhei muitos anos com vendas, atendimento ao público, me formei no curso técnico de segurança do trabalho e tentei, sem sucesso, me formar duas vezes em administração. Eu acreditava que eu deveria ter uma profissão que me assegurasse uma garantia financeira e só depois tentaria o teatro como válvula de escape. Me enganei feio.

Em 2013 fui tragado de uma vez pelo mundo das artes cênicas. Me formei no vigésimo terceiro curso livre da escola de teatro da UFBA, depois fui convidado pelo diretor Márcio Meirelles para fazer parte da nova turma do curso livre de teatro do Vila Velha e a partir daí fiz diversos trabalhos no teatro, cinema e internet e hoje faço parte da Cia Baiana de Patifaria do canal de Youtube “Na Rédea Curta”.

“Posso afirmar que ser ator não é uma coisa fácil, mas me completa como ser humano hoje”

C.M: Como surgiu essa intuição para a comédia?
R.V: Quando a gente não se encaixa num perfil pré-moldado por uma sociedade extremamente preconceituosa, é necessário criar subterfúgios para se proteger. O humor nasce em mim como uma arma de proteção. Eu precisava ser aceito no grupo, eu precisava disfarçar a minha “viadagem”, eu precisava ser “descolado”. Eu não era o mais bonito, nem o mais inteligente da escola, mas sem dúvida eu era o mais engraçado de todos.

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“E quem não quer estar do lado de alguém engraçado?”

Hoje, tendo noção exata de quem eu sou e do que quero para a minha vida, o humor ganha uma nova roupagem e passo a utiliza-lo como ferramenta de mudanças em mim e nos que me circundam. Amo a sensação de arrancar gargalhadas das pessoas, de fazer com que elas se sintam bem pelo menos por alguns momentos.

C.M: E você, se lembra do seu primeiro trabalho como humorista?

R.V: Meu primeiro trabalho como humorista foi em 2013. Eu e o ator Sulivan Bispo fomos convidados para fazer uma ação para uma operadora de celular na frente de uma plateia enorme, lá interpretamos duas senhoras loucas que estavam revoltadas com o sinal ruim das outras operadoras e acabavam arrumando confusão com a plateia toda. Morro de rir só de lembrar.

Atores Sullivan Bispo (à esquerda) e Rodrigo Villa (à direita)

C.M: Você sabe quantos personagens já passaram em sua vida?
R.V: Ao longo dos meus 8 anos de carreira já dei vida a mais de 15 personagens diferentes, com certeza.

C.M: Me conta a história de criação de um que tenha sido marcante em sua vida?
R.V: A Sandra Xamã tem uma história incrível por traz da sua criação porque ela nasceu em um momento muito bacana da minha vida e com a ajuda também de pessoas queridas como meu primo Sérgio Villa e um grande amigo Alexandre Reis. Eu queria tirar sarro dessa galera que se auto declaram sensitivos e mediúnicos e acabam falando tantas baboseiras em nome dos signos e colocam a culpa nos astros por suas desventuras em vida, mas respeitando os profissionais que se dedicam ao estudo dos astros e de todas as suas vertentes.

Sandra Xamã, personagem de Rodrigo Villa

C.M: E quais foram os lugares mais incríveis que o teatro já te levou?
R.V: Sempre quis conhecer mais o meu estado. Quando comecei a fazer parte do time da Cia Baiana de Patifaria experimentei a sensação de fazer uma turnê por diversas cidades no interior, e todas elas foram maravilhosas. Confesso que a minha cidade preferida é Vitória da Conquista. Amei a cidade, o público, o clima e engordei 11 quilos lá, uma vez que a comida é maravilhosa.

Foto: Arquivo pessoal

C.M: Além de ator, você também é radialista, não é isso Rodrigo?
R.V: Sim, me descobri radialista a pouco tempo, graças ao convite do querido Rafael Lomes da Rádio Digital (antiga rádio Globo). Ele queria um ator capaz de se comunicar de forma objetiva e leve, para ser comentarista de um novo programa chamado “No Ar”.

C.M: E como é levar informação para as pessoas, em tempos de fake news e inutilidade da informação?
R.V: Eu tenho muito cuidado com o que sai da minha boca. Costumo pesquisar informações em diversas fontes diferentes até ter uma certeza de que a informação procede. Em tempos de fake news a gente engole um boi, mas se engasga com uma mosca. O resultado da disseminação de uma informação equivocada pode ser catastrófico, vide o nosso atual despresidente.

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C.M: Umas das coisas mais incríveis para mim, é me surpreender positivamente com alguém que admiramos muito. Você tem alguém como referência em sua vida?
R.V: Na minha vida, a minha maior referência é a minha mãe, que sem querer, é uma das pessoas mais engraçadas que conheço. A gente vive entre ‘tapas e beijos’, mas ela é o amor da minha vida e minha maior apoiadora.

C.M: E para a criação dos seus personagens, Rodrigo, alguém em especial?
R.V: No teatro a minha referência é o meu atual chefe e colega de cena Lelo Filho. Está para nascer uma pessoa que trabalhe tanto em prol da cultura do seu país e dos profissionais da arte. Além de ser um excelente ator, produtor, diretor, Lelo é um ser humano ímpar que se preocupa com o bem estar de toda a sua equipe dentro e fora do teatro.

C.M: Bisteca é sucesso! Qual é a história desta personagem?
R.V: Bisteca foi um presente dado a mim pelas mãos do meu irmão de alma Thiago Almasy (Junior do “Na Rédea Curta”).

Todo mundo conhece uma Bisteca. Aquele ser divertido e escrachado que conhece todo mundo do bairro e sempre tira boas gargalhadas de todo mundo. Bisteca carrega em si o peso de ser uma pessoa não binária, suburbana e que sobrevive do seu bar e de faxina. Lembrou de alguém? Pois é, eu disse que todo mundo conhece uma Bisteca.

De fato, Bisteca apronta todas, mas respeito é bom e ela gosta. Não pise no calo dela.

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Bisteca, personagem sucesso de Rodrigo Villa. Foto: Arquivo Pessoal

C.M: Ouvi certa vez, e talvez quem está nos lendo exatamente agora já deve ter escutado a seguinte frase: Não basta não sermos racistas, sejamos antirracistas, e essa frase nunca sai de moda, porque ela fala de uma problemática que persiste e cada vez mais torna-se compatível. Para Rodrigo Villa, qual é o papel do artista quanto ao racismo? Basta ser somente artista nesse cenário?
R.V: A vantagem de ser artista de certa forma é a possibilidade da sua voz ser ouvida por mais pessoas. Não só no que diz respeito ao racismo como também tantas outras questões sociais, o artista tem a obrigação de intervir e fazer o povo pensar.

“Sou antirracista nos palcos e na vida, não dá mais para aceitar nenhum tipo de preconceito calado, é preciso agir e não somente reagir. Mudanças extremas exigem atitudes extremas às vezes.”

C.M: No mês passado tivemos o mês do Orgulho LGBTQIA+, mas sabemos o quão é necessário levantar essa bandeira todos os dias, porque diariamente somos impactados com notícias deploráveis de LGBTfobia, violência contra a comunidade e muito mais. Como artista, comunicólogo, como você tenta levar a importância disso?
R.V: Por onde passo eu deixo muito claro a minha sexualidade e a minha opinião contrária a tudo que nos coloca como seres menores ou de menor valor. Sou militante da causa da minha comunidade, de modo que todos os meus trabalhos estão regados desse discurso.

C.M: Já enfrentou algo desagradável em sua vida profissional?
R.V: Enquanto homossexual, convivo com o preconceito diariamente, mas agora já consigo de certa forma me blindar de situações desagradáveis que envolvam homofobia. Em geral sou muito político com quem pensa diferente, mas se me causar danos físicos ou a alguém que eu amo, parto para a porrada literalmente.

C.M: Quanto tempo durou até que seus personagens viralizassem na internet?
R.V: Minha carreira como humorista começou nos palcos de Salvador com a Cia. Baiana de Patifaria. Digamos que comecei a ficar conhecido por conta das minhas personagens no espetáculo “A Bofetada”, que já possui um público cativo de 31 anos de história.

A personagem que realmente fez sucesso no ambiente digital foi a Bisteca, que já nasceu dentro desse aspecto de vídeos para Youtube, visualizações e compartilhamentos. Hoje “Talita” a minha mais nova personagem está dando os primeiros passos nas redes sociais. Em verdade não me preocupo muito com a ideia de viralizar, apenas quero ser feliz com o que escolhi como profissão e poder também me sustentar financeiramente.

C.M: Você se lembra de algum momento marcante durante a sua vida artística e que leva no coração?
R.V: Um dos momentos mais marcantes da minha carreira aconteceu em Camaçari, no teatro Cidade do Saber. Estávamos em cartaz com “A Bofetada” e eu estava na cidade pela primeira vez. Entrei em cena e paralisei quando percebi que o teatro, que é gigantesco, estava lotado. A energia que troquei com o público e os aplausos que duraram mais de cinco minutos me marcaram até hoje.

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Foto: Arquivo pessoal

C.M: Mas conta para mim, e o coração? Morrendo de saudades dos palcos?
R.V: Eu costumo dizer que a pandemia quebrou a minha alma. Quase perco meu pai por conta desse vírus maldito, me afastei de todos os que amo e fiquei longe dos palcos. Saudade é pouco para descrever o que estou sentindo não só dos palcos, mas da vida normal em geral.

Contudo, de certa forma, voltarei aos palcos com mais certeza de que amo o que faço e que é isso que quero para o resto da minha vida.

C.M: Rodrigo, como eu disse: você foi sucesso na caixinha de perguntas!! Muita gente te acompanha e ama o seu trabalho. Qual o recadinho você pode deixar para essas pessoas que tanto o admiram?
R.V: Fiquei muito feliz quando soube que fui citado tantas vezes na caixinha de perguntas de vocês. Isso é reflexo de um trabalho muito duro e muita dedicação.

Em primeiro lugar eu quero agradecer ao carinho e amor que recebo todos os dias por todos que admiram meu trabalho. Vocês não sabem o quão são importantes para mim. Para o ano que vem, prometo novos projetos, o retorno os palcos e outras novidades que ainda não posso contar. Desejo que tudo isso passe logo e que em breve a gente possa se abraçar e se encontrar nos teatros, nas praças, nas festas, nos carnavais. Vacina para todos, viva o SUS e fora Bolsonaro!

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Entrevista Exclusiva

No limite? Quem tem limite é município

Conheça a história de Marco Araújo, o catuense que foi a pé de Catu (BA) até Macaé (RJ), em busca de um sonho

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decidiu partir, a pé, de Catu (BA) rumo à Macaé (RJ). Conheça a jornada desse catuense, dos pés à cabeça, em um bate-papo descontraído.
Fotos e vídeos: Arquivo pessoal
Por Carla Melo ♦ Jornalista

Você faria tudo por um sonho? Bom, essa pergunta não é nada simples, mas Marco Araújo, não só respondeu, como fez tudo pelo seu objetivo de vida. Essa pergunta levou esse cara diferentaço, a ultrapassar todos os limites. Apesar de sua coragem começar quando ainda era criança, foi no dia 25 de outubro de 2020, em plena pandemia, decidiu partir, a pé, de Catu (BA) rumo à Macaé (RJ). Conheça a jornada desse catuense, dos pés à cabeça, em um bate-papo descontraído.

Carla Melo – Antes de começar a falar sobre a sua história de superação e coragem eu quero te conhecer. Afinal, quem é Marco?

Marco Araújo – Eu sou natural de Catu, tenho 33 anos, filho de professores, tenho dois filhos: Valentina e Pedro. Tive uma infância com muita danação. Era um garoto muito levado, que sempre gostava de fazer o que vinha na cabeça, sempre busquei fazer o que queria e sou assim até hoje.

Sou técnico em Petróleo e Gás, profissional na área de perfuração de poços de petróleo. Joguei alguns cursos superiores para cima também, justamente por esse lado de gostar de testar, de estar me testando. Além disso, também trabalho com recuperação de área degradada com plantação da floresta do futuro. Costumo dizer que sou igual a um canivete suíço: tem ‘N’ ferramentas, diversas habilidades e estou pronto para viver essa vida maravilhosa.

CM – Tem gente que quando traça um plano, busca diversas formas de conquistá-lo, de inimagináveis jeitos. Um deles foi o seu, que conquistou cada pessoa que acompanhou sua intensa trajetória, mesmo que através da telinha do celular. Como surgiu a ideia de percorrer, a pé, até o Rio de Janeiro para realizar este sonho?

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MA – A ideia de ir a Macaé andando surgiu por conta de uma demanda pessoal: eu estava há cinco anos fora do mercado de trabalho que eu atuava, que era perfuração de poços e estava sempre buscando alternativas para voltar, mas ficava cada vez mais difícil. E eu falei: eu vou ter que fazer algo diferente para poder conquistar o que estou querendo. Eu vou mexer com mais pessoas e vou conseguir desta forma. Os meus cursos estavam todos vencidos.

Eu tinha na cabeça que quando eu chegasse lá, ia conquistar os meus objetivos, que eu ganharia todos os cursos que eu precisaria para voltar para a área. Eu saí com o mínimo possível e acreditando que as pessoas me ajudariam. Depois de crises que eu passei, mental, espiritual, física. Fiquei desempregado, veio a separação, passei por um processo depressivo, me levantei e fui entender que eu precisava de mim para estar vivo e para fazer o que quiser.

CM – Eu já imagino o crescimento que você teve a partir da escolha que fez. Mas, por que Macaé? Existe algo por trás dessa escolha?

MA – Porque lá é o berço do petróleo nacional. Então minha área de atuação, as empresas estão lá. Eu já conhecia Macaé. Há uns cinco anos trabalhei lá, de maio de 2012 a agosto de 2015 e foi o objetivo de retornar mesmo e continuar um sonho.

CM – Um plano como este certamente gerou muitos comentários, muita gente curiosa para saber qual era o seu objetivo e até onde você queria chegar. Você recebeu muitos incentivos?

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MA – Ah, recebi muito. Teve seguidores que me mandaram mensagem do primeiro até o último dia, sem faltar um dia. Recebia apoio nas redes, nas estradas, dos amigos, da família, em alimentação, em dinheiro. Amigos me ajudaram a encontrar estadia. Conheci oito famílias que me abrigaram durante essa jornada. Pessoas que abriram as portas para um desconhecido, num período de pandemia: isso para mim é algo surreal, divino.

Nas redes…

Saí de Catu tendo 1.180 seguidores, cheguei em Macaé com quase 10 mil. Então, era apoio por cima de apoio, muita gente mandando energia positiva. No princípio, muita gente me chamando de doido, de maluco e depois esses mesmos colocaram nas suas redes sociais me parabenizando, me mencionando. Então não fiz para agradar ninguém, era por mim mesmo, mas eu sabia que naquele momento eu conseguiria ajudar muitas pessoas também.

Influência…

Muita gente me agradecia pelo incentivo também, porque estavam passando por situações diversas. Pessoas depressivas, pessoas que tinham feito cirurgia, que tiveram diagnósticos de diversas doenças. As pessoas se alegravam em ver minha força de vontade, minha determinação, minha garra, minha fé. Então, isso para mim, foi a parte mais gratificante da jornada.

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CM – E os desincentivos? E apesar de já imaginar sua resposta (risos), eu queria saber se por algum momento esses comentários negativos te afetaram. 

MA – Ah, com certeza. Eles não me abalaram em momento nenhum (risos). Não chegava nem um pouquinho a me movimentar. Pelo contrário: eu revertia todos eles em incentivo para mim e ir em busca dos meus objetivos, porque nada disso me afetava. Era Marco com ele mesmo, porque era ele que iria caminhar. E um abraço (risos).

CM – Bom, eu como uma boa seguidora de Marco Araújo (risos), também acompanhava diariamente a sua caminhada. Queria saber a história por trás dos seus bordões, como ‘Quem tem limite é município’ pelo qual você ficou tão conhecido.

MA – O ‘Quem tem limite é município’ surgiu quando eu estava atravessando os limites dos municípios de Muritiba e Cruz das Almas, quando eu vi uma placa com as palavras limite e município e aquele momento que eu estava vivendo. Eu estava quebrando todos os limites, de tudo. Do preconceito, os limites físicos, mentais, espirituais. Eu estava passando por cima de tudo isso. O ‘Gratidão total, universo’, é que eu gosto muito da palavra gratidão, sou extremamente grato a Deus e ao universo pela minha vida e pela vida dos demais. Era o momento de energia que eu sentia que muita gratidão que eu sentia. É logo gratidão ao universo todo (risos).

CM – E além da gente sentir firmeza em suas ações, a gente também sente em sua fala. De onde vem essa coragem, ‘homi’? Você já havia se arriscado em aventuras assim antes?

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MA A vida da gente por si só já é um desafio tremendo. Não tinha feito nenhum desafio desse porte, mas já fui desafiado diversas vezes, em diversas modalidades esportivas. Eu nado, eu pedalo. Já pedalei mais de 150 km em um dia, já corri de uma cidade a outra, de Catu a Alagoinhas. Então eu sou do movimento. Não sei de onde surgiu, mas sabia que tinha que ser dessa forma.

CM – Só para entender, como você se organizava? Você tem a dimensão de quantos quilômetros você percorria por dia, por exemplo? Tudo já estava planejado?

MA – A princípio eu tinha um planejamento de percorrer 60 quilômetros por dia e descansar e parar em alguns pontos específicos durante os finais de semana. Mas nos primeiros dias da jornada, todo esse planejamento foi por água abaixo. Não tinha uma distância certa. A princípio ia ser 60km, mas como eu vi que ia ser muito puxado, apesar de ter andado 73km no primeiro dia, eu percebi que não tinha condições de caminhar assim, então eu reduzi essa meta para 40 km, mas tudo era de acordo com a distância de uma cidade para outra.

CM – Onde dormia?

MA – A preocupação passou a ser o lugar que eu iria ficar, para dormir, descansar. Então, a cada chegada em uma estadia, era planejado o dia seguinte. Então eu chegava em um determinado lugar, procurava no google maps a próxima cidade e entrava em contato com a pousada do lugar. Nas primeiras semanas eu tomei pancada. Em Conceição do Almeida, quase não encontro um lugar para ficar. Tive que implorar, pedir, chorar. Dormia em pousadas, hotéis às margens da BR, fiz dois acampamentos e na casa de oito famílias.

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CM – Onde e de que se alimentava diariamente? 

Eu me alimentava nos postos, e de acordo com as oportunidades que iam aparecendo durante a jornada. Passei por perrengue de ter condição, dinheiro para me alimentar e aquele trecho não ter onde nenhum lugar para comprar. E aí o alimento vinha das estradas, das frutas, dos caminhões que jogavam alimento. Era muito fantástico, muito casado.

CA – Além do seu inseparável diário de bordo, que era seu celular e a sua força de vontade, o que mais carregava em sua mochila?

MA – O básico do básico: eram ferramentas que eram extremamente importantes para o processo como uma faca, corda, lona, as roupas, tênis (outro par). Eu não levava de forma nenhuma excessos, como alimentações, porque eu tinha na minha mente que eu as faria no trajeto. Também levava um cajado, uma bateria externa e só. Minha mochila também tem uma pack para reservatório de três litros de água. Basicão. O que precisava para sair vivo da jornada.

CA – Quais foram as maiores dificuldades que você encontrou no trajeto? 

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MA – Foram “N” dificuldades, “N” desafios, muitas barreiras. Como eu costumo dizer para a galera: uma jornada dessa é como se fosse uma jornada de vida de qualquer pessoa. Cheia de altos e baixos, cheia de obstáculos, cheia de desafios. Mas a parte mais difícil foram os dois acampamentos. Um deles, fiz na margem da BR, não teve nenhuma proteção em volta, só com uma lona cobrindo e o outro fiz dentro de um cafezal. Os acampamentos já estavam no plano, antes da jornada já tinha ideia de que iria fazer algum acampamento.

CA – E o que foi mais incrível que você encontrou?

MA – A parte mais incrível da jornada foi poder desconstruir todo esse pensamento que as pessoas têm de achar que o mundo está cheio de pessoas ruins. As pessoas têm muito medo, e eu acredito que pelo lance de você estar absorvendo só informações negativas. Conhecer pessoas, lugares, conhecer culturas novas também foi muito gratificante nesta jornada. É um aprendizado surreal.

CM – E o resultado dessa história. Conseguiu atingir seu objetivo? Conseguiu o emprego?

MA – Ah, com certeza consegui atingir o objetivo. Até porque era uma das metas: só retornar para a Bahia depois que eu atingisse o objetivo de retornar ao mercado. Estou há três meses a serviço desta empresa, atuando na minha área profissional, que é a perfuração de poços de petróleo. Já apareceram outras propostas também para atuar na área e conquistei todos os cursos. As três grandes empresas que fornecem os cursos, me ofertaram mais de seis, que demandariam entre R$ 5 mil e R$ 6 mil.

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CM – Não somente a sua caminhada foi motivo de felicidade, mas também a sua chegada no destino. Qual foi a emoção dessa surpresa de reencontrar sua família no Rio de Janeiro?

MA – Rapaz, aquilo ali foi surreal porque não era esperado. Era aniversário do meu pai, dois dias antes da minha chegada. Eu tinha visto que eles sairiam para comemorar, mas não passava na minha cabeça que eles viriam para o Rio de Janeiro, para aguardar a minha chegada. Extremamente emocionante.

CM – Tem outros desafios pela frente?

MA – Tem horas que eu fico aqui em casa, no sítio, quando estou com a natureza. Já fico pensando em como eu vou fazer nos próximos desafios, qual é o objetivo, qual o alvo. Eu fico sempre me planejando porque eu gosto de me desafiar. Eu tenho outros grandes sonhos também. Um é subir o [Monte] Everest e o outro é fazer o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. E agora, também estou focado em estudar inglês justamente para realizar este próximo desafio.

Marco fez questão de deixar uma mensagem para você, leitor:

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Uma mensagem que eu gostaria de deixar para a galera é para que elas não desistam delas e sigam em busca dos seus sonhos. Busquem seus sonhos, busquem seus objetivos. Não deixem que os seus sonhos sejam apenas sonhos. Sigam em frente, batalhem e conquistem. Minha jornada me mostrou muito disso. Aquilo foi um dos momentos mais gratificantes que eu já vivi, não pelo fato de estar só ali, porque eu não me senti só em momento algum, mas porque você estar caminhando ali sozinho e naquele momento você se esvaziar de tudo o que é externo. Você se esvaziar de ego, de preconceito, de política de esquerda e direita, de igreja e buscar ser você mesmo. As coisas acontecem e a gente só vai conquistar aquilo que a gente quer quando nos tornamos nós mesmos.”

Instagram de Marco Araújo 

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