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Ficção, Educação e Trânsito

Livro em análise: Psicologia e Trânsito

Psicologia do Trânsito investiga fatores determinantes para o nosso comportamento nesse sistema

Publicado

em

Professor Leonardo Campos

Os impactos dos desgastes do trânsito na sociedade são debatidos com leveza e didatismo por Fábio de Cristo no livro Psicologia e Trânsito: reflexões para pais, educadores e (futuros) condutores, material que pode ser um eficiente guia introdutório para os professores e estudantes de Ensino Fundamental, Médio e Superior, interessados em compreender as dinâmicas da mobilidade urbana e seus impactos em nossa vida cotidiana. Para o leitor, trarei as considerações do autor organizadas com associações que fiz ao passo que avançava por cada capítulo do livro, em linhas gerais, uma relação do conteúdo com os filmes, contos, crônicas, documentários e demais produções artísticas que englobam a proposta de educar para o trânsito por meio da literatura em consonância com outras artes. Psicólogo e especialista em Gestão de Pessoas, Fábio de Cristo era mestre na ocasião de lançamento da publicação, provavelmente doutor hoje, pois na época, já se encontrava na realização de um doutorado pela Universidade de Brasília.

Nos dinâmicos e elucidativos capítulos de Psicologia e Trânsito, o profissional transforma em texto as ideias que profere em palestras e conferências sobre o assunto, em tópicos sobre motoristas, ciclistas, pedestres, leis, educação, dentre outros assuntos que coadunam com a sua ideia central para o livro: propor uma formação educacional para o trânsito que seja mais assertiva. Crítico dos modelos ainda em atuação, Fábio de Cristo reflete que apesar de muitas mudanças, as escolas formadoras de condutores ainda prezam muito na memorização de conteúdos e esquecem da sensibilização necessária para ampliar as possibilidades de redução dos sinistros de trânsito no Brasil, algo que ainda é um problema social gravíssimo. No desenvolvimento do texto, o autor esbanja carisma, dialoga constantemente com o leitor e praticamente não apresenta nenhum equívoco, sendo um ponto razoável apenas as passagens (poucas) que as ideias parecem sem fôlego, talvez pela ausência de alegorias e metáforas, já bastante presentes em outros trechos da publicação de 126 páginas.

Além do prefácio e da apresentação, Psicologia e Trânsito, descrição reduzida para o livro com título maior, exposto no parágrafo de abertura, temos 23 capítulos, complementados pela breve biografia e bibliografia, logo após o desfecho. União de ideias expostas em um blog, Fábio de Cristo organizou e lançou o seu material em 2012, há uma década quase. Alguns dados e nomenclaturas já passaram por um processo de revisão, mas a concepção psicológica e filosófica de seu livro ainda mantém bastante pertinência com a atualidade. Cabe, ao leitor, fazer as associações e buscar equiparar o que está descrito com informações atualizadas. Ao escritor, cabe publicar uma nova edição, talvez mais robusta, tendo em vista revitalizar as suas ideias e resgatar os temas da publicação introdutória tão importante para os nossos tempos. A relação entre o comportamento humano e o trânsito ultrapassa as barreiras do psicoteste, termo popular erroneamente aplicado para a avaliação psicológica realizado pelo condutor em formação.

Tema que interessa a todos nós enquanto cidadãos, a Psicologia do Trânsito investiga fatores determinantes para o nosso comportamento nesse sistema, tendo como direcionamento, assegurar o bem-estar de todos os envolvidos na dinâmica da mobilidade. Esse é o conteúdo antecipa o capítulo 02, Trânsito: Um Espaço de Convivência Social, Fábio de Cristo expõe que o trânsito é um espaço de encontro e convívio que permite a conexão entre as pessoas, mas que isso nem sempre ocorre de maneira satisfatória e harmônica. Fatores internos e externos compõem o cenário da mobilidade, mas a presença humana é um ponto a ser refletido no que diz respeito ao processo de transformar algo que seria ameno em conflituoso. No capítulo 03, Todos Somos Pedestres, o autor inicia com uma menção a Constituição Federal Brasileira e reforça o direito de todos em ir e vir ao longo do território nacional. Expõe a falta de educação de colegas que, baseado em experiências compartilhadas narrativamente, tentam se sobrepor aos pedestres na intimidação do carro bastante próximo às linhas da faixa para quem faz a sua travessia ou a falta de preocupação em dar passagem para quem precisa atravessar numa via sem sinalização.

Em Sexo, Drogas e Trânsito, o autor questiona os motivos das famílias conversarem sobre preservativos, gravidez e drogas, mas não dialogarem com os filhos sobre posturas éticas na condução, antecipação para a primeira referência ao mundo das fábulas de Esopo, parte do capítulo 05, focado na imitação dos jovens em relação ao comportamento dos pais. Ele resgata O Caranguejo e sua Mãe para refletir sobre a velha e falaciosa máxima “faça o que mando, mas não faça o que eu faço”, imprudente, mas parte da educação de muitos de nós. O livro prossegue com os riscos da instrução informal para o trânsito, também muito comum na criação de várias gerações. Trata das boas condições para a condução, apontando que o motorista, os governantes e todos os demais envolvidos na mobilidade devem contribuir com suas obrigações para que um índice menor de mortalidade se estabeleça no trânsito. No capítulo brasileiro, Se o Brasileiro Soubesse Antes, Fábio de Cristo resgata uma matéria do G1 e fala que sobre previsão de acontecimentos e nossa postura diante dos riscos. Sabiamente, delineia que se soubéssemos que algo iria ocorrer, ainda assim, correríamos perigo face ao modo como nos deslocamos diariamente, sem a devida obediência ao CTB e ao que é correto na manutenção de nossas vidas no trânsito. Será que o personagem de Premonições, em crise no casamento e envolto com uma dispersiva amante, deixaria de se deslocar com celular e cortando carros numa pista ampla e sinuosa, de ultrapassagem perigosa? É bem provável que não.

No capítulo 09, O Desafio da Educação Para o Trânsito na Formação do Condutor, um dos mais assertivos da publicação, o autor afirma que as campanhas e as escolas de formação precisam sair do exclusivo painel de notícias e dados sensacionalistas, bem como a memorização de sinalizações verticais e horizontais, tendo como foco apostar em projetos de maior alcance e sensibilização. O jovem, numa palestra para estudantes de Ensino Fundamental e Médio, por exemplo, precisa saber que álcool e direção são elementos de uma perigosa combinação, mas não apenas com ressalvas de que é proibido por lei e pronto. É preciso aprofundar, ampliar e convencer esse público sobre os motivos de algo que é parte de seus desejos juvenis ser, ao mesmo tempo, arriscado não apenas para si, mas para outros que dividem a mobilidade nos diversos tipos de vias que conectam os transeuntes de nosso território. O debate continua no capítulo seguinte, intitulado Por Que Tenho Que Seguir as Normas de Trânsito?

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Outro ponto bastante interessante de Psicologia e Trânsito é o capítulo Saber e Querer. Muitos de nós sabemos tudo que é errado e pode promover tragédias sem precedentes no trânsito, mas ainda assim, agimos incorretamente. Furtar é errado, mas muitos fazem, mesmo sabendo as possíveis consequências. Fumar traz vários malefícios para o corpo humano, mas há quem saiba disso e ainda assim, tenha no cigarro uma fonte de prazer. Com o trânsito é a mesma coisa. Sabemos que determinadas ultrapassagens são arriscadas, trafegar sem cinto de segurança oferece sérios riscos, no entanto, há quem tenha coragem de se colocar em perigo. Fábio de Cristo explica isso num dos melhores capítulos, predecessor de dois momentos em sequência também muito importantes para confirmação de suas ideias centrais: Pequenas Ações, Grandes Malefícios e Transitar é Arriscar-se, os capítulos 12 e 13. No primeiro, temos uma abordagem sobre movimentos simples, como acender um cigarro ou ajustar a sintonia numa rádio, algo que em segundos pode causar grandes estragos. No seguinte, ele enfoca na THR (Teoria da Homeostase de Risco), linha de estudo que busca compreender quais os motivos que fazem determinadas pessoas aceitarem correr riscos no trânsito, mesmo sabendo que pode ser fatal.

No desenvolvimento de O Estresse no Trânsito, temos uma breve abordagem sobre a irritabilidade que tem deixado as pessoas por um fio. As associações com Fúria Incontrolável foram inevitáveis, filme sobre um motorista que resolve descarregar a sua ira numa condutora que por um breve momento, agiu de maneira indelicada e inoportuna com um homem de tendências psicóticas. Um dos destaques do capítulo foi para os motoristas de transporte público, indivíduos que segundo Fábio de Cristo, precisam de um acompanhamento mais rotineiro. Mais adiante, no capítulo 15, intitulado As Emoções no Trânsito, o autor versa sobre o estado emocional dos indivíduos na condução de carros, motos e outros modais. Nos faz lembrar cenas de filmes como Assumindo a Direção e Intersection: Uma Escolha, Uma Renúncia, produções que abordam personagens em momentos emocionais despreparados para assumir a condução de um veículo sem colocar a própria vida e a dos demais transeuntes em perigo. São reflexões que coadunam com o debatido em Álcool, Mídia e Direção, trecho do livro que delineia um dos grandes problemas causadores dos sinistros de trânsito, também debatido em produções ficcionais, tais como Um Álibi Perfeito, Demônio, Três Mundos, dentre outros.

No divertido O Que São Duas Mosquinhas, o autor compara a exportação de mamão para países estrangeiros com a nossas ações rotineiras no trânsito. Ele diz que se dois insetos forem encontrados numa lavoura, o contrato de envio é cancelado, tamanha a rigidez dos exigentes importadores. O mesmo deveria ser com o trânsito, pois no que imaginamos ser bobagem pode estar a ação que definirá as nossas vidas. Por isso, uma ligação rapidinha, um breve cigarro que ao ser acendido, pode dispersar, dentre outras pequenas ações, de grandes responsabilidades, definem muita coisa em nossa dinâmica de mobilidade. O uso correto da motocicleta é tema do capítulo 18, trecho que pode ser lido em paralelo com os filmes Pé na Estrada, Motoqueiros Selvagens e a série brasileira A Garota da Moto, tendo em vista a possível associação de cenas específicas com as reflexões do livro. As propostas educacionais se ampliam em Comunicar é Preciso e A Internet na Educação para o Trânsito, capítulos que exploram as possibilidades pedagógicas e apontam o que “não fazer” para ser mais atrativo e efetivo.

Próximo ao desfecho, temos as preocupações sobre meio ambiente e mobilidade, a manutenção dos automóveis para preservação ambiental e prevenção de sinistros, o futuro do automóvel no século XXI e a busca por aventura e prestígio social por parte de alguns condutores, algo discutido noutra reflexão sobre a velocidade como reafirmação da masculinidade, e, por fim, no capítulo 23, o Manifesto Pela Educação no Trânsito, encerramento firme que propõe caminhos para os órgãos governamentais e a sociedade civil seguirem. O autor destaca a importância de campanhas mais assertivas, materiais que instiguem a leitura, publicações que falem para ao grande público e não fiquem apenas a circular dentro dos círculos de quem compreende ou trabalha diretamente com as leis e normas, em suma, é preciso estabelecer propostas mais didáticas. Reforço a afirmação dizendo que são pontos importantes, mas que também é preciso que a própria população modifique a postura, em qualquer circunstância, isto é, como pedestre, motociclista e condutor de automóveis e transportes públicos como os ônibus, pois conforme ressaltou uma campanha recente, “no trânsito, o sentido é a vida”.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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Ficção, Educação e Trânsito

Trânsito, Educação e Xadrez

Uma publicação interessante sobre o uso desta modalidade lúdica para o âmbito do ensino e da aprendizagem

Publicado

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O xadrez é um jogo de tabuleiro que pede um jogador muito atento, inteligente e com as adversidades de uma partida. O trânsito, da mesma
Foto: Divulgação

Leonardo Campos

O xadrez é um jogo de tabuleiro que pede um jogador muito atento, inteligente e sagaz para lidar com as adversidades de uma partida. O trânsito, da mesma maneira, transforma o condutor em jogador e o coloca numa situação de atenção necessário, cuidado constante diante dos possíveis obstáculos, bem como uma postura defensiva para saber lidar com o “outro” que divide o mesmo espaço neste tabuleiro da vida. Foi com esta ideia que Eurípedes Kuhl, experiente no Serviço Militar, bem como em Administração e Segurança do Trabalho, desenvolveu Trânsito, Educação e Xadrez, uma publicação interessante sobre o uso desta modalidade lúdica para o âmbito do ensino e da aprendizagem, conteúdo que parece muito complexo em seu preâmbulo, mas que vai delineando as suas intencionalidades ao passo que cada página de leitura é avançada. Se você, caro leitor, é alguém como eu, um leigo total das estratégias do xadrez, recomendo que assista ao máximo de tutoriais que puder, leia manuais, consulte o passo a passo deste jogo de tabuleiro para que a sua dinâmica no âmbito educacional seja a mais produtiva possível, combinado?

Em sua abertura, o autor comenta brevemente o estabelecimento do Código de Trânsito Brasileiro, dando destaque aos avanços que surgiram com os desdobramentos da aplicação desta legislação em 1997. Ele reflete, por sua vez, que as nossas ruas e rodovias estão longe de atingirem os ideais previstos pelo CTB, haja vista as suas respectivas estruturas problemáticas. Além disso, nos permite refletir que não apenas a questão geográfica da mobilidade, mas o fator humano, algo que mesmo diante das punições previstas nos artigos legais, ainda é um ideal que distante e precisa, constantemente, ser alcançando por meio de campanhas e demais ações educativas. É quando entra o xadrez. A sua apresentação da famosa partida de 1851, intitulada A Imortal, é demasiadamente vaga, não nos deixando entender o propósito de sua inserção no material. É uma passagem superficial, desnecessária e deslocada. Mas não atrapalha o andamento educativo do livro.

Logo mais, há uma explicação básica para os elementos que compõem o tabuleiro, bem como um breve percurso histórico dos significados destas posições. Considerado como uma ciência autêntica, envolto em olimpíadas com jogadores que levam as suas regras com seriedade, o xadrez possui um tabuleiro com espaços em preto e branco. São as vias de condução das peças. Neste jogo, temos o Rei, a Torre, o Bispo, a Dama, o Peão e o Cavalo, todos integrantes desta travessia que mescla atenção, sagacidade e inteligência, na busca de um dos jogadores em apanhar as peças do adversário e dar o xeque-mate. Cada movimentação do jogador envolvido, em associação com a dinâmica do trânsito, é preciso atuar com atitudes seguras, eficientes, tendo em vista evitar colisões, incorreções que não permitem erro, levando-o ao trágico, dentre outras iniciativas formidáveis quando associadas com nossa conduta na mobilidade.

Diante do exposto, como já dito, no xadrez, o grande lance de jogador é a atenção. Se você se perde, adentra numa zona de perigo, como o trânsito. Pedestres, ciclistas, motociclistas e condutores precisam manter-se atentos, sem o uso indevido do celular, distantes dos efeitos do álcool e conscientes dos limites velocidades das vias que atravessam. No trânsito, temos que colocar em prática a humanidade que nos define e atuar de maneira educada, para que as coisas fluam adequadamente para todos. Adequado, aqui, designa segurança. Cada seção há uma frase de epígrafe, logo no começo da representação do quadro, como nos exemplos destacados nestas ilustrações. Didático, o autor relaciona posturas comuns do trânsito com a ação inconsequente ou devidamente cidadã de cada jogador diante do tabuleiro. Há o rude, o afobado, o confuso, o hábil, o atrevido, em linhas gerais, as cabíveis alegorias para o que encontramos cotidianamente no cenário da mobilidade, seja como pedestre a aguardar um ônibus, passageiro em deslocamento no interior do Uber, ciclista ou motociclista numa travessia pelas pistas que cortam as nossas cidades, em suma, qualquer situação de trânsito do nosso dia.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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Ficção, Educação e Trânsito

Rota de Colisão

Ao longo de suas 93 páginas, Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você debate segurança e cidadania no trânsito

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Os impactos dos sinistros de trânsito, fatais ou com vítimas acometidas por sequelas, tragédias que antes eram chamadas de acidentes, são apresentados por meio de um texto coeso, coerente e dinâmico em Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você, publicação de 2007, assinada pelos especialistas Eduardo Biavati e Heloisa Martins. O termo acidente, como nós sabemos, expressa algo imprevisto, furtivo, diferente do que contemplamos com horror em nosso cenário de mobilidade cotidiano, espaço onde situações evitáveis poderiam não acontecer e ceifar tantas vidas ativas, numa celeuma que causa desordem não apenas diante dos familiares e amigos enlutados, mas também ocasiona graves crises econômicas para uma nação que deixa de realizar amplos investimentos em outras áreas para atender aos vitimados com sequelas, dependentes de aposentadorias, bem como as cifras que os sinistros custam para o SUS.  No livro, a cidade não deixa de ter a sua culpa. Zonas com infraestrutura inacabada, projetos problemáticos, assim como o comportamento humano no trânsito, carente de educação por parte de muitos condutores, pedestres e ciclistas. Focado na importância do exercício da cidadania, o conteúdo em questão é fluente, de poucas páginas e funciona como material para educar a população em geral, além de ser subsídio básico para projetos de educação para o trânsito.

Leonardo Campos

Os impactos dos sinistros de trânsito, fatais ou com vítimas acometidas por sequelas, tragédias que antes eram chamadas de acidentes, são apresentados por meio de um texto coeso, coerente e dinâmico em Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você, publicação de 2007, assinada pelos especialistas Eduardo Biavati e Heloisa Martins. O termo acidente, como nós sabemos, expressa algo imprevisto, furtivo, diferente do que contemplamos com horror em nosso cenário de mobilidade cotidiano, espaço onde situações evitáveis poderiam não acontecer e ceifar tantas vidas ativas, numa celeuma que causa desordem não apenas diante dos familiares e amigos enlutados, mas também ocasiona graves crises econômicas para uma nação que deixa de realizar amplos investimentos em outras áreas para atender aos vitimados com sequelas, dependentes de aposentadorias, bem como as cifras que os sinistros custam para o SUS.  No livro, a cidade não deixa de ter a sua culpa. Zonas com infraestrutura inacabada, projetos problemáticos, assim como o comportamento humano no trânsito, carente de educação por parte de muitos condutores, pedestres e ciclistas. Focado na importância do exercício da cidadania, o conteúdo em questão é fluente, de poucas páginas e funciona como material para educar a população em geral, além de ser subsídio básico para projetos de educação para o trânsito.

Ao longo de suas 93 páginas, Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você debate segurança e cidadania no trânsito em seus seis capítulos curtos, todos ilustrados e com desenvolvimento de ideias pedagogicamente dinâmicas para o entendimento de todos os públicos. Trânsito e Transitar, o primeiro capítulo, versa sobre como o movimento das ruas depende da atividade humana que acontece ao redor dos espaços de circulação, apresentando questões sobre o desenho das cidades e a solução de alargamento das pistas como uma opção que não resolve os problemas no cenário da mobilidade urbana contemporânea, algo que envolve demolição de prédios, casas, indenizações, dentre outras circunstâncias. Construir novas avenidas em zonas já estabelecidas não é algo tão tranquilo quanto se imagina. Os autores refletem a quantidade de carros na rua, a questão do meio ambiente degradado pelos combustíveis e o desinteresse da população pelos modais no deslocamento, não apenas por culpa dos usuários, mas pelas condições precárias de transporte em muitas zonas urbanas brasileiras.

No desenvolvimento de As Regras: De Quem é A Vez, o texto relaciona os espaços urbanos com regras de um jogo, onde precisamos seguis as orientações adequadamente para vencer as etapas e conquistar a linha de chegada. São alegorias importantes para transformação do que está previsto por lei em explicações pedagógicas para o grande público. Obedecer às regras é algo chato? Sim, mas estamos num espaço coletivo, por isso, temos que levar em consideração os nossos interesses, mas as vontades alheias, afinal, não somos donos da rua. Existem centenas de regras no Código de Trânsito Brasileiro, a maioria, desconhecida pela população, sendo uma delas o destaque do capítulo: a hierarquia de responsabilidades ao trafegar, espaço que tem o pedestre como elemento mais frágil diante de ciclistas, carros, caminhões e ônibus.

Em Os Acidentes: Onde Mora o Perigo, terceiro capítulo da jornada de Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você, encontramos algumas pontuações sobre os chamados acidentes, agora sinistros de trânsito, conforme a atual legislação, eventos que não devem ser pensados como obras do destino, mas acontecimentos que podem ser evitados se todos que circulam pelas vias da cidade obedecessem ao que está disposto no CTB e também respeitasse o lugar de passagem de cada um. O grande índice de tragédias nas vias não para de crescer pelo fato de nós, agentes do processo de mobilidade cotidiana, não respeitamos adequadamente o outro, colocando-se muitas vezes como irresponsáveis. Uso de álcool, mesmo na quantidade mínima, não por o cinto de segurança e exceder a velocidade: três grandes problemas contemporâneos, somados ao mais recente de todos, o uso de celular na direção, situação que está, atualmente, entre as três mais perigosas e registradas nos casos de colisão e atropelamento no mundo.

No elucidativo Atropelamento e Lesão Cerebral, os autores falam sobre como a mídia menciona as tragédias, mas não dá o mesmo enfoque para as vítimas não fatais, figuras da tessitura cotidiana que custam muito para os cofres públicos, sejam por seus tratamentos ou processos de aposentadoria. No Brasil, a maioria dos sinistros ocorre entre sexta-feira (noite) e domingo (final da tarde). Por que será? No mundo de hoje, diríamos que é porque “sextou”. E é exatamente por isso, o que nos abre as portas para conteúdo de Álcool, óbvio e quase senso comum, mas parece que ainda não nos alertamos assertivamente para esta substância que é, ao lado do excesso de velocidade, um dos elementos responsáveis pelas tragédias no trânsito, algumas irreversíveis para os envolvidos. No desfecho, temos Colisões e Lesão Medular, uma exposição dos problemas causados em determinadas situações de sinistro. Os autores explicam o que ocorre com o nosso corpo por meio de exemplos que reforçam a pequenez dos humanos diante dos impactos da dinâmica física de uma colisão ou atropelamento. É tudo muito assustador, mas ainda assim, nos pegamos sem seguir as orientações para evitar tudo aquilo que é mostrado nos casos descritos pelo livro.  Ademais, em seu encerramento, os autores pedem reflexão e postura dos leitores, fornecendo ótimas sugestões de leitura complementar.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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Sem data, sem assinatura

O filme uma é história de luto considerada como uma das mais atordoantes do cinema contemporâneo

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colisões, capotamentos, bem como condutores alcoolizados ou sem cinto de segurança, para o estabelecimento da catarse. Sem Data,
Foto: Divulgação

Leonardo Campos

Pode ser diferente em cada região do planeta, mas a constante taxa de sinistros de trânsito envolvendo vítimas fatais é uma realidade contemporânea que infelizmente devasta não apenas países economicamente desfavorecidos, mas também os lugares considerados de “primeiro mundo”. O cinema, sabiamente, já trabalhou diversas vezes com atropelamentos, colisões, capotamentos, bem como condutores alcoolizados ou sem cinto de segurança, para o estabelecimento da catarse. Sem Data, Sem Assinatura, um apurado exemplar do cinema iraniano recente, é uma destas narrativas arrebatadoras sobre os desdobramentos de uma situação evitável na vida daqueles que perderam alguém e na trajetória daqueles sufocados pela angústia e culpa, isto é, indivíduos que precisam lidar com as consequências de seus erros, numa punição que pode ser até ser mais severa que a aplicação de algo previsto na legislação, afinal, ser preso ou responder processo pode ser tão doloroso quanto acordar e dormir todos os dias pensando na vida do outro que você destruiu após agir de maneira indevida no trânsito.

Lançado em 2017, a produção dirigida por Vahid Jalilvand, também responsável pelo roteiro, escrito ao lado de Ali Zarnegar, é uma lição de drama assertivo. Em seus 104 minutos, acompanhamos a saga de um homem devidamente equilibrado em sociedade, aquele tipo de personagem que goza dos privilégios de sua profissão, numa existência confortável e tranquila, tendo os habituais altos e baixos que qualquer ser humano enfrenta cotidianamente, mas que não precisa lidar com dificuldades mais extremas para garantir a sua sobrevivência. Ele é o catalisador das reflexões sobre ética em Sem Data, Sem Assinatura, uma história de luto considerada como uma das mais atordoantes do cinema contemporâneo. Na trama, seguimos os passos de Kaveh (Amir Aghave), um médico que colide com uma moto numa situação inesperada durante uma de duas travessias diárias. Ele não comete aquilo que geralmente contemplamos horrorizados nos telejornais e em muitos filmes: a omissão de socorro.

O médico percebe que o filho do condutor, machucado no pescoço, sofreu as consequências da forte colisão, mas não teve a vida ceifada. Tranquilo, ele propõe ajuda e o encaminha para o atendimento hospitalar. O susto, no entanto, surge no dia seguinte, quando chega ao ponto de trabalho para mais um plantão. Descobre que o menino morto é a vítima do acidente. Na autopsia, a pessoa responsável pelo perito identificou um problema de intoxicação alimentar, mas Kaveh acredita que o motivo real tenha sido a pancada durante o sinistro de trânsito. E agora? Como lidar com essa dúvida corrosiva, acompanhada de um sentimento de culpa devastador? É assim que ele não fica quieto e resolve investigar as causas da morte do garoto. Será mesmo que ele deve se sentir responsável pelo falecimento? Aqui, o espectador é colocado diante de uma trama instigante sobre atos irrisórios que mudam para sempre as nossas vidas, escolhas do presente que determinam tacitamente o nosso futuro.

Nada é tão fácil quanto o esperado, talvez mais mastigado e melodramático se fosse uma narrativa de estrutura estadunidense. Sem Data, Sem Assinatura trabalha em torno de clichês, mas propõe uma abordagem mais complexa de sua proposta. Com muitas cenas no interior de carros, satisfatoriamente concebidas pela ótima direção de fotografia, o filme reflete a realidade iraniana da falta de liberdade de expressão, algo curiosamente destacado na divulgação da produção em sua época de lançamento, escolha narrativa que também dialoga com o que está designado como tema do filme, isto é, a travessia de personagens pela vida, os embates entre as pessoas, em colisões cotidianas repletas de tensões, a maioria psicológicas, mas também físicas, como a tragédia que envolve o médico Kaveh e Moosa (Navid Mohammadzadeh), pai do garoto que perde a vida, talvez pelo sinistro ou quem sabe, pela intoxicação alimentar.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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