
Professor Leonardo Campos
Os impactos dos desgastes do trânsito na sociedade são debatidos com leveza e didatismo por Fábio de Cristo no livro Psicologia e Trânsito: reflexões para pais, educadores e (futuros) condutores, material que pode ser um eficiente guia introdutório para os professores e estudantes de Ensino Fundamental, Médio e Superior, interessados em compreender as dinâmicas da mobilidade urbana e seus impactos em nossa vida cotidiana. Para o leitor, trarei as considerações do autor organizadas com associações que fiz ao passo que avançava por cada capítulo do livro, em linhas gerais, uma relação do conteúdo com os filmes, contos, crônicas, documentários e demais produções artísticas que englobam a proposta de educar para o trânsito por meio da literatura em consonância com outras artes. Psicólogo e especialista em Gestão de Pessoas, Fábio de Cristo era mestre na ocasião de lançamento da publicação, provavelmente doutor hoje, pois na época, já se encontrava na realização de um doutorado pela Universidade de Brasília.
Nos dinâmicos e elucidativos capítulos de Psicologia e Trânsito, o profissional transforma em texto as ideias que profere em palestras e conferências sobre o assunto, em tópicos sobre motoristas, ciclistas, pedestres, leis, educação, dentre outros assuntos que coadunam com a sua ideia central para o livro: propor uma formação educacional para o trânsito que seja mais assertiva. Crítico dos modelos ainda em atuação, Fábio de Cristo reflete que apesar de muitas mudanças, as escolas formadoras de condutores ainda prezam muito na memorização de conteúdos e esquecem da sensibilização necessária para ampliar as possibilidades de redução dos sinistros de trânsito no Brasil, algo que ainda é um problema social gravíssimo. No desenvolvimento do texto, o autor esbanja carisma, dialoga constantemente com o leitor e praticamente não apresenta nenhum equívoco, sendo um ponto razoável apenas as passagens (poucas) que as ideias parecem sem fôlego, talvez pela ausência de alegorias e metáforas, já bastante presentes em outros trechos da publicação de 126 páginas.
Além do prefácio e da apresentação, Psicologia e Trânsito, descrição reduzida para o livro com título maior, exposto no parágrafo de abertura, temos 23 capítulos, complementados pela breve biografia e bibliografia, logo após o desfecho. União de ideias expostas em um blog, Fábio de Cristo organizou e lançou o seu material em 2012, há uma década quase. Alguns dados e nomenclaturas já passaram por um processo de revisão, mas a concepção psicológica e filosófica de seu livro ainda mantém bastante pertinência com a atualidade. Cabe, ao leitor, fazer as associações e buscar equiparar o que está descrito com informações atualizadas. Ao escritor, cabe publicar uma nova edição, talvez mais robusta, tendo em vista revitalizar as suas ideias e resgatar os temas da publicação introdutória tão importante para os nossos tempos. A relação entre o comportamento humano e o trânsito ultrapassa as barreiras do psicoteste, termo popular erroneamente aplicado para a avaliação psicológica realizado pelo condutor em formação.
Tema que interessa a todos nós enquanto cidadãos, a Psicologia do Trânsito investiga fatores determinantes para o nosso comportamento nesse sistema, tendo como direcionamento, assegurar o bem-estar de todos os envolvidos na dinâmica da mobilidade. Esse é o conteúdo antecipa o capítulo 02, Trânsito: Um Espaço de Convivência Social, Fábio de Cristo expõe que o trânsito é um espaço de encontro e convívio que permite a conexão entre as pessoas, mas que isso nem sempre ocorre de maneira satisfatória e harmônica. Fatores internos e externos compõem o cenário da mobilidade, mas a presença humana é um ponto a ser refletido no que diz respeito ao processo de transformar algo que seria ameno em conflituoso. No capítulo 03, Todos Somos Pedestres, o autor inicia com uma menção a Constituição Federal Brasileira e reforça o direito de todos em ir e vir ao longo do território nacional. Expõe a falta de educação de colegas que, baseado em experiências compartilhadas narrativamente, tentam se sobrepor aos pedestres na intimidação do carro bastante próximo às linhas da faixa para quem faz a sua travessia ou a falta de preocupação em dar passagem para quem precisa atravessar numa via sem sinalização.
Em Sexo, Drogas e Trânsito, o autor questiona os motivos das famílias conversarem sobre preservativos, gravidez e drogas, mas não dialogarem com os filhos sobre posturas éticas na condução, antecipação para a primeira referência ao mundo das fábulas de Esopo, parte do capítulo 05, focado na imitação dos jovens em relação ao comportamento dos pais. Ele resgata O Caranguejo e sua Mãe para refletir sobre a velha e falaciosa máxima “faça o que mando, mas não faça o que eu faço”, imprudente, mas parte da educação de muitos de nós. O livro prossegue com os riscos da instrução informal para o trânsito, também muito comum na criação de várias gerações. Trata das boas condições para a condução, apontando que o motorista, os governantes e todos os demais envolvidos na mobilidade devem contribuir com suas obrigações para que um índice menor de mortalidade se estabeleça no trânsito. No capítulo brasileiro, Se o Brasileiro Soubesse Antes, Fábio de Cristo resgata uma matéria do G1 e fala que sobre previsão de acontecimentos e nossa postura diante dos riscos. Sabiamente, delineia que se soubéssemos que algo iria ocorrer, ainda assim, correríamos perigo face ao modo como nos deslocamos diariamente, sem a devida obediência ao CTB e ao que é correto na manutenção de nossas vidas no trânsito. Será que o personagem de Premonições, em crise no casamento e envolto com uma dispersiva amante, deixaria de se deslocar com celular e cortando carros numa pista ampla e sinuosa, de ultrapassagem perigosa? É bem provável que não.
No capítulo 09, O Desafio da Educação Para o Trânsito na Formação do Condutor, um dos mais assertivos da publicação, o autor afirma que as campanhas e as escolas de formação precisam sair do exclusivo painel de notícias e dados sensacionalistas, bem como a memorização de sinalizações verticais e horizontais, tendo como foco apostar em projetos de maior alcance e sensibilização. O jovem, numa palestra para estudantes de Ensino Fundamental e Médio, por exemplo, precisa saber que álcool e direção são elementos de uma perigosa combinação, mas não apenas com ressalvas de que é proibido por lei e pronto. É preciso aprofundar, ampliar e convencer esse público sobre os motivos de algo que é parte de seus desejos juvenis ser, ao mesmo tempo, arriscado não apenas para si, mas para outros que dividem a mobilidade nos diversos tipos de vias que conectam os transeuntes de nosso território. O debate continua no capítulo seguinte, intitulado Por Que Tenho Que Seguir as Normas de Trânsito?
Outro ponto bastante interessante de Psicologia e Trânsito é o capítulo Saber e Querer. Muitos de nós sabemos tudo que é errado e pode promover tragédias sem precedentes no trânsito, mas ainda assim, agimos incorretamente. Furtar é errado, mas muitos fazem, mesmo sabendo as possíveis consequências. Fumar traz vários malefícios para o corpo humano, mas há quem saiba disso e ainda assim, tenha no cigarro uma fonte de prazer. Com o trânsito é a mesma coisa. Sabemos que determinadas ultrapassagens são arriscadas, trafegar sem cinto de segurança oferece sérios riscos, no entanto, há quem tenha coragem de se colocar em perigo. Fábio de Cristo explica isso num dos melhores capítulos, predecessor de dois momentos em sequência também muito importantes para confirmação de suas ideias centrais: Pequenas Ações, Grandes Malefícios e Transitar é Arriscar-se, os capítulos 12 e 13. No primeiro, temos uma abordagem sobre movimentos simples, como acender um cigarro ou ajustar a sintonia numa rádio, algo que em segundos pode causar grandes estragos. No seguinte, ele enfoca na THR (Teoria da Homeostase de Risco), linha de estudo que busca compreender quais os motivos que fazem determinadas pessoas aceitarem correr riscos no trânsito, mesmo sabendo que pode ser fatal.
No desenvolvimento de O Estresse no Trânsito, temos uma breve abordagem sobre a irritabilidade que tem deixado as pessoas por um fio. As associações com Fúria Incontrolável foram inevitáveis, filme sobre um motorista que resolve descarregar a sua ira numa condutora que por um breve momento, agiu de maneira indelicada e inoportuna com um homem de tendências psicóticas. Um dos destaques do capítulo foi para os motoristas de transporte público, indivíduos que segundo Fábio de Cristo, precisam de um acompanhamento mais rotineiro. Mais adiante, no capítulo 15, intitulado As Emoções no Trânsito, o autor versa sobre o estado emocional dos indivíduos na condução de carros, motos e outros modais. Nos faz lembrar cenas de filmes como Assumindo a Direção e Intersection: Uma Escolha, Uma Renúncia, produções que abordam personagens em momentos emocionais despreparados para assumir a condução de um veículo sem colocar a própria vida e a dos demais transeuntes em perigo. São reflexões que coadunam com o debatido em Álcool, Mídia e Direção, trecho do livro que delineia um dos grandes problemas causadores dos sinistros de trânsito, também debatido em produções ficcionais, tais como Um Álibi Perfeito, Demônio, Três Mundos, dentre outros.
No divertido O Que São Duas Mosquinhas, o autor compara a exportação de mamão para países estrangeiros com a nossas ações rotineiras no trânsito. Ele diz que se dois insetos forem encontrados numa lavoura, o contrato de envio é cancelado, tamanha a rigidez dos exigentes importadores. O mesmo deveria ser com o trânsito, pois no que imaginamos ser bobagem pode estar a ação que definirá as nossas vidas. Por isso, uma ligação rapidinha, um breve cigarro que ao ser acendido, pode dispersar, dentre outras pequenas ações, de grandes responsabilidades, definem muita coisa em nossa dinâmica de mobilidade. O uso correto da motocicleta é tema do capítulo 18, trecho que pode ser lido em paralelo com os filmes Pé na Estrada, Motoqueiros Selvagens e a série brasileira A Garota da Moto, tendo em vista a possível associação de cenas específicas com as reflexões do livro. As propostas educacionais se ampliam em Comunicar é Preciso e A Internet na Educação para o Trânsito, capítulos que exploram as possibilidades pedagógicas e apontam o que “não fazer” para ser mais atrativo e efetivo.
Próximo ao desfecho, temos as preocupações sobre meio ambiente e mobilidade, a manutenção dos automóveis para preservação ambiental e prevenção de sinistros, o futuro do automóvel no século XXI e a busca por aventura e prestígio social por parte de alguns condutores, algo discutido noutra reflexão sobre a velocidade como reafirmação da masculinidade, e, por fim, no capítulo 23, o Manifesto Pela Educação no Trânsito, encerramento firme que propõe caminhos para os órgãos governamentais e a sociedade civil seguirem. O autor destaca a importância de campanhas mais assertivas, materiais que instiguem a leitura, publicações que falem para ao grande público e não fiquem apenas a circular dentro dos círculos de quem compreende ou trabalha diretamente com as leis e normas, em suma, é preciso estabelecer propostas mais didáticas. Reforço a afirmação dizendo que são pontos importantes, mas que também é preciso que a própria população modifique a postura, em qualquer circunstância, isto é, como pedestre, motociclista e condutor de automóveis e transportes públicos como os ônibus, pois conforme ressaltou uma campanha recente, “no trânsito, o sentido é a vida”.