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Ficção, Educação e Trânsito

Fúria incontrolável

Os códigos de civilidade, discutidos por Freud, se perderam com o aumento dos níveis de estresse da população

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Por Leonardo Campos

Não é de hoje que a nossa sociedade vive um intenso e assustador colapso. Na abertura de Fúria Incontrolável, suspense antagonizado por Russel Crowe, alguns motivos são expostos junto aos créditos da produção. Primeiro, testemunhamos como espectadores perplexos, o personagem desenvolvido com muita adrenalina e raiva acumulada, a destruição de um lar, com ataques de martelo e um incêndio provocado pelo então “monstro humano” da narrativa, um homem brutal, com sentimentos de ódio acumulados. Ao cortar para os créditos, temos a junção de vários trechos de reportagens a versar sobre a condição humana na contemporaneidade. Os códigos de civilidade, discutidos por Freud e outros autores em suas teorias, se perderam com o aumento dos níveis de estresse da população. As imagens revelam ataques de fúria em tribunais, durante assaltos, atropelamentos, brigas no trânsito, longos congestionamentos, semáforos que alegorizam a pausa de uma sociedade sempre apressada, dentre outras situações para deixar qualquer pessoa em seu “Dia de Fúria”.

Aliás, por falar no filme dos anos 1990 com Michael Douglas, o recente Fúria Incontrolável parece uma versão mais turbinada e violenta, porém um pouco menos interessante que a história sobre um homem “atacado” pelo estresse que domina a sua vida num determinado dia de derrubada de protocolos e desacatos diversos. De volta ao elucidativo momento de abertura, cenas de caos revelam o quão estamos mergulhados na selvageria. É o preço do combustível que não para de crescer, a celeuma do desemprego e suas altas taxas, as pressões por uma aparência perfeita, tal como o culto ao corpo e as redes sociais. Em suma, o panorama introdutório nos revela o perigoso caminhar da humanidade por um bifurcado trajeto de dor e tragédia. Como aponta um dos narradores de telejornal que compõem o quebra-cabeça de textos deste início revelador, “nós já nascemos com raiva”. E é assim que os personagens do roteiro de Call Ellsworth estão ao longo dos 85 minutos de filme. Frustrados, enraivecidos, oprimidos. Qual a opção encontrada por estas criaturas ficcionais para desanuviar? Simples: discutir, gritar, ofender o “outro”. Dizem que dá alívio, mas será esse o melhor caminho mesmo? Bastante complexo.

Sob a direção de Derrick Borte, o argumento de Fúria Incontrolável é simples. Russel Crowe é o Homem, sem nome no desenvolvimento do roteiro. Captado sempre por ângulos que ressaltam a sua força e brutalidade, trabalho da assertiva direção de fotografia de Brendan Galvin, o antagonista é alguém com raiva. Muita raiva. E o roteiro não faz questão alguma de humanizar essa criatura. Ele simplesmente passou por coisas ruins e está descontando a sua ira em todos aqueles que atravessam o seu caminho sem se imiscuir. O caos começa a reinar de maneira mais centralizada depois que Rachel (Caren Pistorius), mãe de Kyle (Gabriel Bateman), sai de casa atrasada, perde bastante tempo no trânsito lento e irritante da cidade e para piorar, afronta o motorista que está à frente de seu carro, alguém que ela sequer imagina quem seja, mas que lhe dá uma certeza: acabou de atrapalhar ainda mais o seu dia que já começou com cobranças de toda parte, desde um cliente ao filho que lacrimeja diante da ausência do pai.

A moça, tomada por seus impulsos, utiliza a buzina de maneira, digamos, mais agressiva que o habitual. Isso incomoda bastante o motorista que, sabemos, é o Homem de Russel Crowe, uma figura alta, bastante parruda, dominado pelo ódio e fúria que corre por suas veias. Deste momento para o epílogo, o leitor já deve imaginar o desenvolvimento do argumento. Ele vai perseguir e infernizar Rachel, destruir ao máximo o que pode pelo meio do caminho, aniquilar violentamente alguns contatos da jovem mãe e trilhar um caminho de horror para todos os envolvidos em sua saga. Acompanhados pela trilha sonora urbana e tensa de David Buckley, os personagens de Fúria Incontrolável são colocados diante de um teste absurdo de limites. Com seu carro mais alto, ele já estabelece o tom de ameaça. Longe dos acampamentos em lagos distantes e casas mal-assombradas góticas, o horror aqui é urbano, brutal, numa demonstração da nossa capacidade enquanto humanos estressados, em atingir o nível da barbárie.

Próximo ao desfecho, após a ordem ser estabelecida, mesmo que o trauma se mantenha por longo período na vida de Rachel e Kyle, uma alegoria da buzina retorna para nos mostrar que todo cuidado é pouco no trânsito e às vezes manter a frieza e a tranquilidade vale mais que se entregar aos instintos que podem ser fatais para ambas as partes envolvidas. É uma lição básica, até clichê de certa maneira, mas que funcionou bem no desenvolvimento do filme. Como entretenimento, Fúria Incontrolável é uma produção para te manter conectado ao enredo do começo ao fim. Não há muito espaço para firulas e a ação é ininterrupta. Já como reflexão para debatermos nosso contexto, a trama perde um pouco o seu impacto por ser uma retomada de muita coisa que já vimos antes em Um Dia de Fúria, Voo Noturno, etc. Não que isso seja um problema para quem não tem o referencial das produções mencionadas. A questão é que temos a impressão de já ter visto tudo isso antes, e ressalto, em filmes melhores. Ademais, não há como ficar sem ranger de nervoso quando o Homem diz para Rachel que a sua terapeuta ligou e remarcou a consulta para sexta. Ele reforça no recado: “acho bom ela caprichar, pois você vai precisar”. No mínimo aterrorizante, como toda a jornada da personagem.

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Para quem gosta de filmes com teses, Fúria Incontrolável traz em meio ao turbilhão de emoções, pontos de articulação sociológica breves, mas interessantes. Temos o ataque do Homem num pequeno restaurante, recepcionado com pavor por alguns, mas captados pelos celulares de outros que até se arriscam para registrar o momento de tamanha violência. Por falar em celular, sabemos o quão perigoso é dirigir e utilizar tais aparelhos, mas ainda assim, há personagens que insistem em realizar tal façanha. Outro problema: por que assumir o volante de um automóvel e ficar falando com o passageiro do banco de trás, desviando o olhar da direção? Complicado, não é mesmo? Para desviar de um trecho com lentidão, Rachel não se importa em ser exemplo ruim para seu filho e trafega pelo acostamento. Além disso, comete algumas incorreções perante os códigos de trânsito de qualquer nação do planeta. E por fim, a buzina, metafórica aqui como catalisadora do caos: há limites para o seu uso? Um tom adequado? Existe a ética da buzina? Caros leitores, reflitam.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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Ficção, Educação e Trânsito

Trânsito, Educação e Xadrez

Uma publicação interessante sobre o uso desta modalidade lúdica para o âmbito do ensino e da aprendizagem

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O xadrez é um jogo de tabuleiro que pede um jogador muito atento, inteligente e com as adversidades de uma partida. O trânsito, da mesma
Foto: Divulgação

Leonardo Campos

O xadrez é um jogo de tabuleiro que pede um jogador muito atento, inteligente e sagaz para lidar com as adversidades de uma partida. O trânsito, da mesma maneira, transforma o condutor em jogador e o coloca numa situação de atenção necessário, cuidado constante diante dos possíveis obstáculos, bem como uma postura defensiva para saber lidar com o “outro” que divide o mesmo espaço neste tabuleiro da vida. Foi com esta ideia que Eurípedes Kuhl, experiente no Serviço Militar, bem como em Administração e Segurança do Trabalho, desenvolveu Trânsito, Educação e Xadrez, uma publicação interessante sobre o uso desta modalidade lúdica para o âmbito do ensino e da aprendizagem, conteúdo que parece muito complexo em seu preâmbulo, mas que vai delineando as suas intencionalidades ao passo que cada página de leitura é avançada. Se você, caro leitor, é alguém como eu, um leigo total das estratégias do xadrez, recomendo que assista ao máximo de tutoriais que puder, leia manuais, consulte o passo a passo deste jogo de tabuleiro para que a sua dinâmica no âmbito educacional seja a mais produtiva possível, combinado?

Em sua abertura, o autor comenta brevemente o estabelecimento do Código de Trânsito Brasileiro, dando destaque aos avanços que surgiram com os desdobramentos da aplicação desta legislação em 1997. Ele reflete, por sua vez, que as nossas ruas e rodovias estão longe de atingirem os ideais previstos pelo CTB, haja vista as suas respectivas estruturas problemáticas. Além disso, nos permite refletir que não apenas a questão geográfica da mobilidade, mas o fator humano, algo que mesmo diante das punições previstas nos artigos legais, ainda é um ideal que distante e precisa, constantemente, ser alcançando por meio de campanhas e demais ações educativas. É quando entra o xadrez. A sua apresentação da famosa partida de 1851, intitulada A Imortal, é demasiadamente vaga, não nos deixando entender o propósito de sua inserção no material. É uma passagem superficial, desnecessária e deslocada. Mas não atrapalha o andamento educativo do livro.

Logo mais, há uma explicação básica para os elementos que compõem o tabuleiro, bem como um breve percurso histórico dos significados destas posições. Considerado como uma ciência autêntica, envolto em olimpíadas com jogadores que levam as suas regras com seriedade, o xadrez possui um tabuleiro com espaços em preto e branco. São as vias de condução das peças. Neste jogo, temos o Rei, a Torre, o Bispo, a Dama, o Peão e o Cavalo, todos integrantes desta travessia que mescla atenção, sagacidade e inteligência, na busca de um dos jogadores em apanhar as peças do adversário e dar o xeque-mate. Cada movimentação do jogador envolvido, em associação com a dinâmica do trânsito, é preciso atuar com atitudes seguras, eficientes, tendo em vista evitar colisões, incorreções que não permitem erro, levando-o ao trágico, dentre outras iniciativas formidáveis quando associadas com nossa conduta na mobilidade.

Diante do exposto, como já dito, no xadrez, o grande lance de jogador é a atenção. Se você se perde, adentra numa zona de perigo, como o trânsito. Pedestres, ciclistas, motociclistas e condutores precisam manter-se atentos, sem o uso indevido do celular, distantes dos efeitos do álcool e conscientes dos limites velocidades das vias que atravessam. No trânsito, temos que colocar em prática a humanidade que nos define e atuar de maneira educada, para que as coisas fluam adequadamente para todos. Adequado, aqui, designa segurança. Cada seção há uma frase de epígrafe, logo no começo da representação do quadro, como nos exemplos destacados nestas ilustrações. Didático, o autor relaciona posturas comuns do trânsito com a ação inconsequente ou devidamente cidadã de cada jogador diante do tabuleiro. Há o rude, o afobado, o confuso, o hábil, o atrevido, em linhas gerais, as cabíveis alegorias para o que encontramos cotidianamente no cenário da mobilidade, seja como pedestre a aguardar um ônibus, passageiro em deslocamento no interior do Uber, ciclista ou motociclista numa travessia pelas pistas que cortam as nossas cidades, em suma, qualquer situação de trânsito do nosso dia.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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Ficção, Educação e Trânsito

Rota de Colisão

Ao longo de suas 93 páginas, Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você debate segurança e cidadania no trânsito

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Os impactos dos sinistros de trânsito, fatais ou com vítimas acometidas por sequelas, tragédias que antes eram chamadas de acidentes, são apresentados por meio de um texto coeso, coerente e dinâmico em Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você, publicação de 2007, assinada pelos especialistas Eduardo Biavati e Heloisa Martins. O termo acidente, como nós sabemos, expressa algo imprevisto, furtivo, diferente do que contemplamos com horror em nosso cenário de mobilidade cotidiano, espaço onde situações evitáveis poderiam não acontecer e ceifar tantas vidas ativas, numa celeuma que causa desordem não apenas diante dos familiares e amigos enlutados, mas também ocasiona graves crises econômicas para uma nação que deixa de realizar amplos investimentos em outras áreas para atender aos vitimados com sequelas, dependentes de aposentadorias, bem como as cifras que os sinistros custam para o SUS.  No livro, a cidade não deixa de ter a sua culpa. Zonas com infraestrutura inacabada, projetos problemáticos, assim como o comportamento humano no trânsito, carente de educação por parte de muitos condutores, pedestres e ciclistas. Focado na importância do exercício da cidadania, o conteúdo em questão é fluente, de poucas páginas e funciona como material para educar a população em geral, além de ser subsídio básico para projetos de educação para o trânsito.

Leonardo Campos

Os impactos dos sinistros de trânsito, fatais ou com vítimas acometidas por sequelas, tragédias que antes eram chamadas de acidentes, são apresentados por meio de um texto coeso, coerente e dinâmico em Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você, publicação de 2007, assinada pelos especialistas Eduardo Biavati e Heloisa Martins. O termo acidente, como nós sabemos, expressa algo imprevisto, furtivo, diferente do que contemplamos com horror em nosso cenário de mobilidade cotidiano, espaço onde situações evitáveis poderiam não acontecer e ceifar tantas vidas ativas, numa celeuma que causa desordem não apenas diante dos familiares e amigos enlutados, mas também ocasiona graves crises econômicas para uma nação que deixa de realizar amplos investimentos em outras áreas para atender aos vitimados com sequelas, dependentes de aposentadorias, bem como as cifras que os sinistros custam para o SUS.  No livro, a cidade não deixa de ter a sua culpa. Zonas com infraestrutura inacabada, projetos problemáticos, assim como o comportamento humano no trânsito, carente de educação por parte de muitos condutores, pedestres e ciclistas. Focado na importância do exercício da cidadania, o conteúdo em questão é fluente, de poucas páginas e funciona como material para educar a população em geral, além de ser subsídio básico para projetos de educação para o trânsito.

Ao longo de suas 93 páginas, Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você debate segurança e cidadania no trânsito em seus seis capítulos curtos, todos ilustrados e com desenvolvimento de ideias pedagogicamente dinâmicas para o entendimento de todos os públicos. Trânsito e Transitar, o primeiro capítulo, versa sobre como o movimento das ruas depende da atividade humana que acontece ao redor dos espaços de circulação, apresentando questões sobre o desenho das cidades e a solução de alargamento das pistas como uma opção que não resolve os problemas no cenário da mobilidade urbana contemporânea, algo que envolve demolição de prédios, casas, indenizações, dentre outras circunstâncias. Construir novas avenidas em zonas já estabelecidas não é algo tão tranquilo quanto se imagina. Os autores refletem a quantidade de carros na rua, a questão do meio ambiente degradado pelos combustíveis e o desinteresse da população pelos modais no deslocamento, não apenas por culpa dos usuários, mas pelas condições precárias de transporte em muitas zonas urbanas brasileiras.

No desenvolvimento de As Regras: De Quem é A Vez, o texto relaciona os espaços urbanos com regras de um jogo, onde precisamos seguis as orientações adequadamente para vencer as etapas e conquistar a linha de chegada. São alegorias importantes para transformação do que está previsto por lei em explicações pedagógicas para o grande público. Obedecer às regras é algo chato? Sim, mas estamos num espaço coletivo, por isso, temos que levar em consideração os nossos interesses, mas as vontades alheias, afinal, não somos donos da rua. Existem centenas de regras no Código de Trânsito Brasileiro, a maioria, desconhecida pela população, sendo uma delas o destaque do capítulo: a hierarquia de responsabilidades ao trafegar, espaço que tem o pedestre como elemento mais frágil diante de ciclistas, carros, caminhões e ônibus.

Em Os Acidentes: Onde Mora o Perigo, terceiro capítulo da jornada de Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você, encontramos algumas pontuações sobre os chamados acidentes, agora sinistros de trânsito, conforme a atual legislação, eventos que não devem ser pensados como obras do destino, mas acontecimentos que podem ser evitados se todos que circulam pelas vias da cidade obedecessem ao que está disposto no CTB e também respeitasse o lugar de passagem de cada um. O grande índice de tragédias nas vias não para de crescer pelo fato de nós, agentes do processo de mobilidade cotidiana, não respeitamos adequadamente o outro, colocando-se muitas vezes como irresponsáveis. Uso de álcool, mesmo na quantidade mínima, não por o cinto de segurança e exceder a velocidade: três grandes problemas contemporâneos, somados ao mais recente de todos, o uso de celular na direção, situação que está, atualmente, entre as três mais perigosas e registradas nos casos de colisão e atropelamento no mundo.

No elucidativo Atropelamento e Lesão Cerebral, os autores falam sobre como a mídia menciona as tragédias, mas não dá o mesmo enfoque para as vítimas não fatais, figuras da tessitura cotidiana que custam muito para os cofres públicos, sejam por seus tratamentos ou processos de aposentadoria. No Brasil, a maioria dos sinistros ocorre entre sexta-feira (noite) e domingo (final da tarde). Por que será? No mundo de hoje, diríamos que é porque “sextou”. E é exatamente por isso, o que nos abre as portas para conteúdo de Álcool, óbvio e quase senso comum, mas parece que ainda não nos alertamos assertivamente para esta substância que é, ao lado do excesso de velocidade, um dos elementos responsáveis pelas tragédias no trânsito, algumas irreversíveis para os envolvidos. No desfecho, temos Colisões e Lesão Medular, uma exposição dos problemas causados em determinadas situações de sinistro. Os autores explicam o que ocorre com o nosso corpo por meio de exemplos que reforçam a pequenez dos humanos diante dos impactos da dinâmica física de uma colisão ou atropelamento. É tudo muito assustador, mas ainda assim, nos pegamos sem seguir as orientações para evitar tudo aquilo que é mostrado nos casos descritos pelo livro.  Ademais, em seu encerramento, os autores pedem reflexão e postura dos leitores, fornecendo ótimas sugestões de leitura complementar.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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Sem data, sem assinatura

O filme uma é história de luto considerada como uma das mais atordoantes do cinema contemporâneo

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colisões, capotamentos, bem como condutores alcoolizados ou sem cinto de segurança, para o estabelecimento da catarse. Sem Data,
Foto: Divulgação

Leonardo Campos

Pode ser diferente em cada região do planeta, mas a constante taxa de sinistros de trânsito envolvendo vítimas fatais é uma realidade contemporânea que infelizmente devasta não apenas países economicamente desfavorecidos, mas também os lugares considerados de “primeiro mundo”. O cinema, sabiamente, já trabalhou diversas vezes com atropelamentos, colisões, capotamentos, bem como condutores alcoolizados ou sem cinto de segurança, para o estabelecimento da catarse. Sem Data, Sem Assinatura, um apurado exemplar do cinema iraniano recente, é uma destas narrativas arrebatadoras sobre os desdobramentos de uma situação evitável na vida daqueles que perderam alguém e na trajetória daqueles sufocados pela angústia e culpa, isto é, indivíduos que precisam lidar com as consequências de seus erros, numa punição que pode ser até ser mais severa que a aplicação de algo previsto na legislação, afinal, ser preso ou responder processo pode ser tão doloroso quanto acordar e dormir todos os dias pensando na vida do outro que você destruiu após agir de maneira indevida no trânsito.

Lançado em 2017, a produção dirigida por Vahid Jalilvand, também responsável pelo roteiro, escrito ao lado de Ali Zarnegar, é uma lição de drama assertivo. Em seus 104 minutos, acompanhamos a saga de um homem devidamente equilibrado em sociedade, aquele tipo de personagem que goza dos privilégios de sua profissão, numa existência confortável e tranquila, tendo os habituais altos e baixos que qualquer ser humano enfrenta cotidianamente, mas que não precisa lidar com dificuldades mais extremas para garantir a sua sobrevivência. Ele é o catalisador das reflexões sobre ética em Sem Data, Sem Assinatura, uma história de luto considerada como uma das mais atordoantes do cinema contemporâneo. Na trama, seguimos os passos de Kaveh (Amir Aghave), um médico que colide com uma moto numa situação inesperada durante uma de duas travessias diárias. Ele não comete aquilo que geralmente contemplamos horrorizados nos telejornais e em muitos filmes: a omissão de socorro.

O médico percebe que o filho do condutor, machucado no pescoço, sofreu as consequências da forte colisão, mas não teve a vida ceifada. Tranquilo, ele propõe ajuda e o encaminha para o atendimento hospitalar. O susto, no entanto, surge no dia seguinte, quando chega ao ponto de trabalho para mais um plantão. Descobre que o menino morto é a vítima do acidente. Na autopsia, a pessoa responsável pelo perito identificou um problema de intoxicação alimentar, mas Kaveh acredita que o motivo real tenha sido a pancada durante o sinistro de trânsito. E agora? Como lidar com essa dúvida corrosiva, acompanhada de um sentimento de culpa devastador? É assim que ele não fica quieto e resolve investigar as causas da morte do garoto. Será mesmo que ele deve se sentir responsável pelo falecimento? Aqui, o espectador é colocado diante de uma trama instigante sobre atos irrisórios que mudam para sempre as nossas vidas, escolhas do presente que determinam tacitamente o nosso futuro.

Nada é tão fácil quanto o esperado, talvez mais mastigado e melodramático se fosse uma narrativa de estrutura estadunidense. Sem Data, Sem Assinatura trabalha em torno de clichês, mas propõe uma abordagem mais complexa de sua proposta. Com muitas cenas no interior de carros, satisfatoriamente concebidas pela ótima direção de fotografia, o filme reflete a realidade iraniana da falta de liberdade de expressão, algo curiosamente destacado na divulgação da produção em sua época de lançamento, escolha narrativa que também dialoga com o que está designado como tema do filme, isto é, a travessia de personagens pela vida, os embates entre as pessoas, em colisões cotidianas repletas de tensões, a maioria psicológicas, mas também físicas, como a tragédia que envolve o médico Kaveh e Moosa (Navid Mohammadzadeh), pai do garoto que perde a vida, talvez pelo sinistro ou quem sabe, pela intoxicação alimentar.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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