Ficção, Educação e Trânsito
Filmes que refletem o trânsito: Intersection: Uma Escolha, Uma Renúncia (1994)


Professor Leonardo Campos
Ao retomar Intersection: Uma Escolha, Uma Renúncia, drama que fez grande sucesso nas videolocadoras nos anos 1990, em minha casa, especialmente, pela admiração de minha mãe cinéfila em torno da figura do protagonista interpretado por Richard Gere, lembrei-me da tese de doutorado de Erika Tatiane de Almeida Fernandes, defendida em 2017, na USP, pesquisa desenvolvida na Escola de Enfermagem da instituição. O texto, intitulado Trauma, Trânsito e Vítimas: Um Olhar Sobre a Pessoa e a Família, trouxe a análise de alguns casos reais, versa sobre a importância da prevenção, haja vista a possibilidade de não ocorrência de muitos sinistros quando os condutores aplicam em sua prática na direção, os aprendizados ensinadas pela teoria no curso para retirada da carteira de habilitação, dentre outros pontos, sendo a conceituação de vítimas secundárias um dos detalhes que mais me interessou e permitiu, desta maneira, o diálogo que se impõe como digressão antes que a análise do filme seja propriamente delineada na confecção desta reflexão.
Além das sequelas físicas e psicológicas sofridas pelos acidentados num sinistro de trânsito, você sabia que os debates em torno do assunto implicam refletir sobre a condição das vítimas secundárias? Este é o caso das personagens de Sharon Stone e Lolita Davidovich, mulheres que gravitam em torno do conflituoso protagonista de Richard Gere, figuras ficcionais que integram este drama moroso, relativamente cafona, mas com algumas reflexões pontuais que nos permitem alguns momentos de simpatia com a sua estrutura narrativa de 98 minutos, minutagem extensa para a letargia no desenvolvimento de conflitos desperdiçados pela extensão antipática do filme enquanto entretenimento. Sob a direção de Mark Rydell, cineasta que se baseia no texto de David Rayfiel e Marshall Brickman, roteiro inspirado na novela homônima de Paul Guimord, Intersection – Uma Escolha, Uma Renúncia é também considerado uma refilmagem de As Coisas da Vida, de Claude Saunet, drama francês da década de 1960 que trabalha melhor a condução dos acontecimentos, mesmo que a cena do acidente não seja tão interessante esteticamente quanto essa versão realizada nos anos 1990.
Antes da análise propriamente dita, vamos ao que prometi com as ilações diante da tese de doutorado já mencionada. Na escrita acadêmica fluente da pesquisadora, temos como reflexão que as vítimas primárias em sinistros de trânsito podem sobreviver, mas adquirem uma deficiência física e psicológica que transforma as suas existências em momentos de dor e sofrimento, haja vista a necessidade de ruptura com o modo de vida anterior, muitas vezes impossível de ser retomado. Richard Gere e seu protagonista, neste caso, não ganham uma segunda chance, como fica claro logo na abertura, para aqueles que reclamam em torno da bobagem sobre spoilers. As personagens de Stone e Davidovich, quase ex-esposa e atual candidata a nova esposa, respectivamente, são o que o texto chama de (possíveis) vítimas secundárias, pessoas que vivenciam os impactos emocionais diante ao acidentado, indivíduo que na dinâmica de seu sofrimento, causa transtorno em torno de todos que dependem de alguma maneira, do acidentado.
Quando pensamos que o protagonista poderia ter evitado o incidente, pensamos também no quão impactante é a sua tragédia não apenas paras as mulheres de seus relacionamentos amorosos, mas também para a sua filha, interpretada por Jennifer Morrison em começo de carreira. É um feixe complexo de implicações que envolve uma série de pessoas, você sabia? Assim, a família também é vítima do acidente, pois a estrutura da vida de todos é modificada, afinal, as estratégias de enfrentamento são buscadas não apenas pelos acidentados, quando conseguem sobreviver. Há perdas econômicas e vulnerabilidade emocional, tópicos que devem ser levados em consideração quando o debate estiver em pauta. É um filme que também nos leva aos debates sobre a importância da Psicologia do Trânsito, uma área menos conhecida que os segmentos mais populares da psicologia, mas que nos remonta aos anos 1920, época dos primeiros exames de avaliação psicológica para orientação de pessoas condutoras de transportes. Este tópico, por sua vez, será apresentado mais adiante, após análise do filme.
Na trama, Vincent (Gere) é um arquiteto que divide a empresa com a sua esposa, a bela Sally (Sharon Stone). Enquanto ela organiza os negócios, ele assume o posto de diretor criativo, disperso depois que conhece a jornalista Olívia (Lolita Davidovich), misteriosa mulher que ocupa o espaço de amante. No meio disso tudo, temos a filha, uma jovem confusa no meio de tantas idas e vindas dos pais, além de alguns coadjuvantes que aparecem pouquíssimo entre um ponto e outro, numa narrativa que aposta todas as suas fichas no triangulo amoroso formado por Gere, Stone e Davidovich. Logo na abertura, o protagonista dirige freneticamente por uma sinuosa estrada, relativamente úmida por causa do clima chuvoso. Cheio de emoções fortes, o personagem flutua diante de uma decisão que saberemos apenas no desfecho, mas que logo na abertura, é capaz de transformar a sua existência. Ele se torna o centro nervoso de uma colisão cinematográfica, com perdão do trocadilho, tamanha a força empreendida pela colisão entre o seu Mercedes 280SL e os demais envolvidos no acidente.
Basicamente, o que temos por aqui é uma história de amor e paixão, com cenas razoáveis de erotismo e um protagonista indeciso, homem que não sabe se reconquista a sua esposa ou se entrega de uma vez para a amante que lhe oferece o “novo”, a sensação de liberdade tão desejada para alguém que parece saturado da vida que leva. Insatisfeito, ele reduz a qualidade no ambiente de trabalho e até mesmo na relação com a amante, sente o peso das pressões. É em seu automóvel que ele libera as suas emoções. O mencionado Mercedes 280SL, “máquina” desenhada por Paul Bracq e lançada por volta de 1963, carro conhecido por seu teto concavo e apelido da Pagoda, numa referência aos antigos templos orientais, serve aqui como válvula de escape de sua euforia que acaba em desastre. No momento da colisão, alguns flashes de sua vida são estabelecidos, “fios e rastros” de uma trajetória que funciona como uma espécie de quebra-cabeça que se completa apenas no final, sem deixar peças faltando. O que falta aqui é apenas a paciência do espectador que busca algo mais envolvente enquanto entretenimento.
Ademais, ainda sobre a estrutura narrativa, podemos dizer que Intersection – Uma Escolha, Uma Renúncia é uma produção cinematográfica conduzida adequadamente em seus quesitos estéticos. A trilha sonora de James Newton Howard colabora com as emoções, sem se tornar lacrimejante demais, o design de produção exala elegância e a direção de fotografia cumpre adequadamente o seu papel ao captar não apenas os personagens, mas os espaços, em especial, na surpreendente cena da colisão da abertura, também apresentada no desfecho, do filme e da vida de Vincent. Sem aderir ao que Daniel Goleman conceitua de Inteligência Emocional, o personagem de Richard Gere vacila ao assumir a direção de seu carro e por fim ao que seria uma vida, talvez, amena, ao lado de uma das escolhidas que você, caro leitor, saberá apenas se assistir ao filme, pois não pretendo contar, combinado?
Breve Panorama da Psicologia do Trânsito
O trânsito e a mobilidade urbana são segmentos do nosso sistema territorial e humano que envolvem relações de muita complexidade. Para melhor compreendermos algumas relações, a Psicologia do Trânsito é um campo que se faz necessariamente atuante, haja vista a junção de estrutura física e elementos humanos na condução dos mecanismos que engendram esse frenético e importante segmento da vida em sociedade, tantos nas grandes metrópoles quanto nas cidades interioranas. No mesmo dia que encerrei a revisão ao filme em questão, que Intersection – Uma Escolha, Uma Renúncia, dediquei-me ao livro sobre Psicologia e Trânsito, do doutor Fábio de Cristo, um respeitado estudiosa da área. Com capítulos curtos e elucidativos, sem se perder no pantanoso discurso técnico e hermético que explica apenas para os pares, mas não abre as questões para entendimento amplo do público, o livro expõe como a psicologia é uma ferramenta importante para o conhecimento dos humanos em relação ao ambiente que trafega, dando-lhes melhorias na qualidade de vida enquanto se deslocam, além de diminuir consideravelmente a chamada violência motorizada.
Importante setor da sociedade, o trânsito permite a troca de mercadorias, o desenvolvimento das cidades, o intercâmbio de conhecido, em linhas gerais, colabora com o trajeto cotidiano da vida. Nesta área em questão, isto é, a Psicologia do Trânsito, temos um estudo do comportamento das pessoas que participam diariamente dessa dinâmica, um sistema que tal como mencionado, é complexo e envolve motoristas, passageiros, pedestres, ciclistas, engenheiros de tráfego, instrutores, etc. Quando trazemos as suas considerações para iluminar as sequências de Intersection: Uma Escolha, Uma Renúncia, percebemos o quão este segmento se faz necessário para a existência de uma sociedade que se comunica, por diversos meios, pelas vias de tráfego, seja em qualquer uma das condições mencionadas anteriormente. No filme, logo em sua abertura, o protagonista dirige em alta velocidade, sem levar em consideração que atravessa uma estrada sinuosa, daquelas que cortam serras e outras manifestações geológicas que se ofertam como obstáculos para quem realiza uma travessia. O grande problema de trânsito aqui é que além da velocidade acima da média, temos também a dispersão, perigosa para o condutor.
Atordoado com a escolha que precisa fazer, isto é, continuar com o investimento em seu casamento ou ficar com a amante que lhe proporciona tórridos momentos de prazer e diversão, Vincent toma a direção de seu carro sem a condição adequada para isso. Com os pensamentos aflorados, emoções conturbadas e distraído ao manusear uma carta enquanto assume o volante, ele ilustra tudo de inadequado para um condutor em qualquer condição de trânsito. Ao retomar o filme e rever a cena de abertura, bem orquestrada para fins dramáticos, dando ao espectador uma breve ideia da impactante e destrutiva colisão, lembrei-me também de outro estudo, desta vez, uma pesquisa publicada pelo Portal do Trânsito em 2017, dados distribuídos em meio ao breve artigo que afirmava o perigo do estado emocional alterado na condução de um automóvel. Conforme explicitado pelo texto, embasado numa pesquisa do Instituto Virginia Tech, sentimentos como raiva, agitação, tristeza e correlatos aumentam para 10 vezes as chances de uma pessoa passar por situações de risco no trânsito.
Embasada também pelas afirmações do antropólogo Bernardo Conde, professor da PUC (Rio), as reflexões apontam que as pessoas manifestam as suas vontades individuais na cena pública, não sendo algo exclusivamente do âmbito da intimidade. Com isso, um espaço que deveria ser mais racional e menos emocional acaba se tornando uma zona de perigo, principalmente quando o carro é utilizado como válvula de escape das emoções. Tipo: quando eu consigo uma oferta de emprego novo tão sonhado ou reato uma relação que pensei ter acabado. O que muita gente faz? Acelera o carro, canta, vibra e põe a vida em risco. E temos também o outro lado: o sentimento de angústia após uma briga, acompanhado de lágrimas copiosas, podem também por a pessoa condutora em risco, pois o seu estado emocional está alterado, incapacitado de compreender cabalmente as situações que o trânsito pode colocar para alguém que dirige equilibrado. Quando o personagem de Richard Gere assume o volante, ele se encontra inabilitado, tomado por sentimentos fortes, associados ao descuido na direção para manusear documentos que deveriam ser lidos e conferidos quando estacionado.
Essa cena ilustradora pode parecer um ponto mínimo, mas como foi possível vislumbrar agora que chegamos ao desfecho do texto, percebemos que um breve descuido se tornou algo catalisador de uma situação que envolveu várias pessoas num processo que poderia ser evitado, caso os agentes de deslocamento na mobilidade apresentada pelo filme fossem mais cautelosos. Falta em Vincent, tal como em muitos motoristas da vida real, a inteligência emocional adequada para assumir um posto de tanta responsabilidade, banco que tal como o trono ficcional da série Game of Thrones, é carregado de poder, riscos, etc. Entende-se por inteligência emocional, a capacidade de entendermos os nossos próprios sentimentos e os dos outros, para que assim, tenhamos como gerenciar adequadamente as emoções que nos tomam cotidianamente. É por este caminho que poderemos melhorar as nossas relações. O autor do livro que leva no título, o próprio conceito, divide o seu esquema teórico em cinco habilidades. Prometi para o final, mas como um bom plot twist da ficção, vou deixar para a nossa próxima análise, um estudo sobre a mulher e o trânsito na comédia dramática Assumindo a Direção, combinado?
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Ficção, Educação e Trânsito
Trânsito, Educação e Xadrez
Uma publicação interessante sobre o uso desta modalidade lúdica para o âmbito do ensino e da aprendizagem


Leonardo Campos
O xadrez é um jogo de tabuleiro que pede um jogador muito atento, inteligente e sagaz para lidar com as adversidades de uma partida. O trânsito, da mesma maneira, transforma o condutor em jogador e o coloca numa situação de atenção necessário, cuidado constante diante dos possíveis obstáculos, bem como uma postura defensiva para saber lidar com o “outro” que divide o mesmo espaço neste tabuleiro da vida. Foi com esta ideia que Eurípedes Kuhl, experiente no Serviço Militar, bem como em Administração e Segurança do Trabalho, desenvolveu Trânsito, Educação e Xadrez, uma publicação interessante sobre o uso desta modalidade lúdica para o âmbito do ensino e da aprendizagem, conteúdo que parece muito complexo em seu preâmbulo, mas que vai delineando as suas intencionalidades ao passo que cada página de leitura é avançada. Se você, caro leitor, é alguém como eu, um leigo total das estratégias do xadrez, recomendo que assista ao máximo de tutoriais que puder, leia manuais, consulte o passo a passo deste jogo de tabuleiro para que a sua dinâmica no âmbito educacional seja a mais produtiva possível, combinado?
Em sua abertura, o autor comenta brevemente o estabelecimento do Código de Trânsito Brasileiro, dando destaque aos avanços que surgiram com os desdobramentos da aplicação desta legislação em 1997. Ele reflete, por sua vez, que as nossas ruas e rodovias estão longe de atingirem os ideais previstos pelo CTB, haja vista as suas respectivas estruturas problemáticas. Além disso, nos permite refletir que não apenas a questão geográfica da mobilidade, mas o fator humano, algo que mesmo diante das punições previstas nos artigos legais, ainda é um ideal que distante e precisa, constantemente, ser alcançando por meio de campanhas e demais ações educativas. É quando entra o xadrez. A sua apresentação da famosa partida de 1851, intitulada A Imortal, é demasiadamente vaga, não nos deixando entender o propósito de sua inserção no material. É uma passagem superficial, desnecessária e deslocada. Mas não atrapalha o andamento educativo do livro.
Logo mais, há uma explicação básica para os elementos que compõem o tabuleiro, bem como um breve percurso histórico dos significados destas posições. Considerado como uma ciência autêntica, envolto em olimpíadas com jogadores que levam as suas regras com seriedade, o xadrez possui um tabuleiro com espaços em preto e branco. São as vias de condução das peças. Neste jogo, temos o Rei, a Torre, o Bispo, a Dama, o Peão e o Cavalo, todos integrantes desta travessia que mescla atenção, sagacidade e inteligência, na busca de um dos jogadores em apanhar as peças do adversário e dar o xeque-mate. Cada movimentação do jogador envolvido, em associação com a dinâmica do trânsito, é preciso atuar com atitudes seguras, eficientes, tendo em vista evitar colisões, incorreções que não permitem erro, levando-o ao trágico, dentre outras iniciativas formidáveis quando associadas com nossa conduta na mobilidade.
Diante do exposto, como já dito, no xadrez, o grande lance de jogador é a atenção. Se você se perde, adentra numa zona de perigo, como o trânsito. Pedestres, ciclistas, motociclistas e condutores precisam manter-se atentos, sem o uso indevido do celular, distantes dos efeitos do álcool e conscientes dos limites velocidades das vias que atravessam. No trânsito, temos que colocar em prática a humanidade que nos define e atuar de maneira educada, para que as coisas fluam adequadamente para todos. Adequado, aqui, designa segurança. Cada seção há uma frase de epígrafe, logo no começo da representação do quadro, como nos exemplos destacados nestas ilustrações. Didático, o autor relaciona posturas comuns do trânsito com a ação inconsequente ou devidamente cidadã de cada jogador diante do tabuleiro. Há o rude, o afobado, o confuso, o hábil, o atrevido, em linhas gerais, as cabíveis alegorias para o que encontramos cotidianamente no cenário da mobilidade, seja como pedestre a aguardar um ônibus, passageiro em deslocamento no interior do Uber, ciclista ou motociclista numa travessia pelas pistas que cortam as nossas cidades, em suma, qualquer situação de trânsito do nosso dia.
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Ficção, Educação e Trânsito
Rota de Colisão
Ao longo de suas 93 páginas, Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você debate segurança e cidadania no trânsito


Leonardo Campos
Os impactos dos sinistros de trânsito, fatais ou com vítimas acometidas por sequelas, tragédias que antes eram chamadas de acidentes, são apresentados por meio de um texto coeso, coerente e dinâmico em Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você, publicação de 2007, assinada pelos especialistas Eduardo Biavati e Heloisa Martins. O termo acidente, como nós sabemos, expressa algo imprevisto, furtivo, diferente do que contemplamos com horror em nosso cenário de mobilidade cotidiano, espaço onde situações evitáveis poderiam não acontecer e ceifar tantas vidas ativas, numa celeuma que causa desordem não apenas diante dos familiares e amigos enlutados, mas também ocasiona graves crises econômicas para uma nação que deixa de realizar amplos investimentos em outras áreas para atender aos vitimados com sequelas, dependentes de aposentadorias, bem como as cifras que os sinistros custam para o SUS. No livro, a cidade não deixa de ter a sua culpa. Zonas com infraestrutura inacabada, projetos problemáticos, assim como o comportamento humano no trânsito, carente de educação por parte de muitos condutores, pedestres e ciclistas. Focado na importância do exercício da cidadania, o conteúdo em questão é fluente, de poucas páginas e funciona como material para educar a população em geral, além de ser subsídio básico para projetos de educação para o trânsito.
Ao longo de suas 93 páginas, Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você debate segurança e cidadania no trânsito em seus seis capítulos curtos, todos ilustrados e com desenvolvimento de ideias pedagogicamente dinâmicas para o entendimento de todos os públicos. Trânsito e Transitar, o primeiro capítulo, versa sobre como o movimento das ruas depende da atividade humana que acontece ao redor dos espaços de circulação, apresentando questões sobre o desenho das cidades e a solução de alargamento das pistas como uma opção que não resolve os problemas no cenário da mobilidade urbana contemporânea, algo que envolve demolição de prédios, casas, indenizações, dentre outras circunstâncias. Construir novas avenidas em zonas já estabelecidas não é algo tão tranquilo quanto se imagina. Os autores refletem a quantidade de carros na rua, a questão do meio ambiente degradado pelos combustíveis e o desinteresse da população pelos modais no deslocamento, não apenas por culpa dos usuários, mas pelas condições precárias de transporte em muitas zonas urbanas brasileiras.
No desenvolvimento de As Regras: De Quem é A Vez, o texto relaciona os espaços urbanos com regras de um jogo, onde precisamos seguis as orientações adequadamente para vencer as etapas e conquistar a linha de chegada. São alegorias importantes para transformação do que está previsto por lei em explicações pedagógicas para o grande público. Obedecer às regras é algo chato? Sim, mas estamos num espaço coletivo, por isso, temos que levar em consideração os nossos interesses, mas as vontades alheias, afinal, não somos donos da rua. Existem centenas de regras no Código de Trânsito Brasileiro, a maioria, desconhecida pela população, sendo uma delas o destaque do capítulo: a hierarquia de responsabilidades ao trafegar, espaço que tem o pedestre como elemento mais frágil diante de ciclistas, carros, caminhões e ônibus.
Em Os Acidentes: Onde Mora o Perigo, terceiro capítulo da jornada de Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você, encontramos algumas pontuações sobre os chamados acidentes, agora sinistros de trânsito, conforme a atual legislação, eventos que não devem ser pensados como obras do destino, mas acontecimentos que podem ser evitados se todos que circulam pelas vias da cidade obedecessem ao que está disposto no CTB e também respeitasse o lugar de passagem de cada um. O grande índice de tragédias nas vias não para de crescer pelo fato de nós, agentes do processo de mobilidade cotidiana, não respeitamos adequadamente o outro, colocando-se muitas vezes como irresponsáveis. Uso de álcool, mesmo na quantidade mínima, não por o cinto de segurança e exceder a velocidade: três grandes problemas contemporâneos, somados ao mais recente de todos, o uso de celular na direção, situação que está, atualmente, entre as três mais perigosas e registradas nos casos de colisão e atropelamento no mundo.
No elucidativo Atropelamento e Lesão Cerebral, os autores falam sobre como a mídia menciona as tragédias, mas não dá o mesmo enfoque para as vítimas não fatais, figuras da tessitura cotidiana que custam muito para os cofres públicos, sejam por seus tratamentos ou processos de aposentadoria. No Brasil, a maioria dos sinistros ocorre entre sexta-feira (noite) e domingo (final da tarde). Por que será? No mundo de hoje, diríamos que é porque “sextou”. E é exatamente por isso, o que nos abre as portas para conteúdo de Álcool, óbvio e quase senso comum, mas parece que ainda não nos alertamos assertivamente para esta substância que é, ao lado do excesso de velocidade, um dos elementos responsáveis pelas tragédias no trânsito, algumas irreversíveis para os envolvidos. No desfecho, temos Colisões e Lesão Medular, uma exposição dos problemas causados em determinadas situações de sinistro. Os autores explicam o que ocorre com o nosso corpo por meio de exemplos que reforçam a pequenez dos humanos diante dos impactos da dinâmica física de uma colisão ou atropelamento. É tudo muito assustador, mas ainda assim, nos pegamos sem seguir as orientações para evitar tudo aquilo que é mostrado nos casos descritos pelo livro. Ademais, em seu encerramento, os autores pedem reflexão e postura dos leitores, fornecendo ótimas sugestões de leitura complementar.
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Ficção, Educação e Trânsito
Sem data, sem assinatura
O filme uma é história de luto considerada como uma das mais atordoantes do cinema contemporâneo


Leonardo Campos
Pode ser diferente em cada região do planeta, mas a constante taxa de sinistros de trânsito envolvendo vítimas fatais é uma realidade contemporânea que infelizmente devasta não apenas países economicamente desfavorecidos, mas também os lugares considerados de “primeiro mundo”. O cinema, sabiamente, já trabalhou diversas vezes com atropelamentos, colisões, capotamentos, bem como condutores alcoolizados ou sem cinto de segurança, para o estabelecimento da catarse. Sem Data, Sem Assinatura, um apurado exemplar do cinema iraniano recente, é uma destas narrativas arrebatadoras sobre os desdobramentos de uma situação evitável na vida daqueles que perderam alguém e na trajetória daqueles sufocados pela angústia e culpa, isto é, indivíduos que precisam lidar com as consequências de seus erros, numa punição que pode ser até ser mais severa que a aplicação de algo previsto na legislação, afinal, ser preso ou responder processo pode ser tão doloroso quanto acordar e dormir todos os dias pensando na vida do outro que você destruiu após agir de maneira indevida no trânsito.
Lançado em 2017, a produção dirigida por Vahid Jalilvand, também responsável pelo roteiro, escrito ao lado de Ali Zarnegar, é uma lição de drama assertivo. Em seus 104 minutos, acompanhamos a saga de um homem devidamente equilibrado em sociedade, aquele tipo de personagem que goza dos privilégios de sua profissão, numa existência confortável e tranquila, tendo os habituais altos e baixos que qualquer ser humano enfrenta cotidianamente, mas que não precisa lidar com dificuldades mais extremas para garantir a sua sobrevivência. Ele é o catalisador das reflexões sobre ética em Sem Data, Sem Assinatura, uma história de luto considerada como uma das mais atordoantes do cinema contemporâneo. Na trama, seguimos os passos de Kaveh (Amir Aghave), um médico que colide com uma moto numa situação inesperada durante uma de duas travessias diárias. Ele não comete aquilo que geralmente contemplamos horrorizados nos telejornais e em muitos filmes: a omissão de socorro.
O médico percebe que o filho do condutor, machucado no pescoço, sofreu as consequências da forte colisão, mas não teve a vida ceifada. Tranquilo, ele propõe ajuda e o encaminha para o atendimento hospitalar. O susto, no entanto, surge no dia seguinte, quando chega ao ponto de trabalho para mais um plantão. Descobre que o menino morto é a vítima do acidente. Na autopsia, a pessoa responsável pelo perito identificou um problema de intoxicação alimentar, mas Kaveh acredita que o motivo real tenha sido a pancada durante o sinistro de trânsito. E agora? Como lidar com essa dúvida corrosiva, acompanhada de um sentimento de culpa devastador? É assim que ele não fica quieto e resolve investigar as causas da morte do garoto. Será mesmo que ele deve se sentir responsável pelo falecimento? Aqui, o espectador é colocado diante de uma trama instigante sobre atos irrisórios que mudam para sempre as nossas vidas, escolhas do presente que determinam tacitamente o nosso futuro.
Nada é tão fácil quanto o esperado, talvez mais mastigado e melodramático se fosse uma narrativa de estrutura estadunidense. Sem Data, Sem Assinatura trabalha em torno de clichês, mas propõe uma abordagem mais complexa de sua proposta. Com muitas cenas no interior de carros, satisfatoriamente concebidas pela ótima direção de fotografia, o filme reflete a realidade iraniana da falta de liberdade de expressão, algo curiosamente destacado na divulgação da produção em sua época de lançamento, escolha narrativa que também dialoga com o que está designado como tema do filme, isto é, a travessia de personagens pela vida, os embates entre as pessoas, em colisões cotidianas repletas de tensões, a maioria psicológicas, mas também físicas, como a tragédia que envolve o médico Kaveh e Moosa (Navid Mohammadzadeh), pai do garoto que perde a vida, talvez pelo sinistro ou quem sabe, pela intoxicação alimentar.
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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