Ficção, Educação e Trânsito
Cadê o cinto?
As cenas nas diversas produções cinematográficas e televisivas sem o devido uso do cinto é algo bastante corriqueiro


Professor Leonardo Campos
O despertar para a produção desta reflexão veio, como quase tudo em minha prática intelectual, das sessões de entretenimento com filmes e séries que acabam se tornando parte integrante do trabalho. Cadê o Cinto? Esse é o título de um dos capítulos dos livros que compõem a Trilogia do Semáforo, publicação que assino em parceria com Mirian Bastos, gestora de Educação para o Trânsito da Transalvador e coordenadora do comitê Vida no Trânsito. Na ocasião da epifania, em 2018, conferia uma comédia romântica chamada Acho Que Sou, de Brian Sloan, lançada em 1997. Num determinado momento de crise, o protagonista do filme parte para a rua com uma amiga e ambos não usam o cinto de segurança na cena. Podemos contemplar o equipamento lá, pendurado, como acessório indevidamente esquecido no processo de condução. Curioso, dei pausa, tomei um café, voltei ao filme munido de papel e caneta e depois disso, mesmo no meio de toda diversão, não consegui mais deixar de observar criticamente os personagens condutores em filmes e séries. Pensei que fossem poucos, mas na verdade, as ocasiões com figuras ficcionais sem o devido uso do cinto é algo bastante corriqueiro nas mais diversas produções cinematográficas e televisivas.
Erin Brockovich, cidadã que batalhou por uma causa nobre no filme homônimo interpretado por Julia Roberts, desloca-se de carro em sua pesquisa e aparece constantemente sem o cinto de segurança. O equipamento também está ausente no suspense Lobo, com a personagem de Michelle Pfeiffer ainda mais inadequada no banco dianteiro, com os pés em cima do painel. Num episódio da segunda temporada de A Sete Palmos, temos uma empresária que não usa cinto em seu deslocamento e ainda atravessa o sinal vermelho antes de sofrer um acidente. Isso acontece em outras séries: A Garota da Moto, House, Sex and The City, Private Practice, Chicago Med, Grey’s Anatomy, dentre outras. Em Assumindo a Direção, uma excelente comédia dramática sobre superação, a protagonista passa por um divórcio e decide se desafiar, matriculando-se em aulas de direção para retirada de sua carteira de habilitação. Animada, ela adentra no carro do professor de condução, profissional que antes de qualquer movimento no automóvel, ensina para a futura motorista que o cinto é o primeiro passo antes mesmo de ligar o carro. Nicole Kidman, numa breve passagem do excepcional Reencontrando a Felicidade, não coloca o equipamento no momento adequado para condução. E pasmem! A sua personagem perdeu o filho e vive a dor do luto por se culpar por deixar o portão de casa aberto e a criança, num descuido, ter corrido para a rua, atropelada por um jovem que dirigia sem sequer ser habilitado.
O filho de outra personagem da atriz, no suspense Terror a Bordo, também não tem sorte, pois ao desconectar-se do cinto no banco traseiro para pegar um brinquedo que caiu, a criança não resiste ao impacto após um incidente que a joga para fora do carro e morre. Luto na família. O motorista que conduz a protagonista do drama 28 Dias, interpretada por Sandra Bullock, para uma clínica de reabilitação, também não usa o cinto que está lá na cena, pendurado como acessório inútil. A mesma atriz já esteve em cenas com outros filmes, nesta mesma perspectiva, isto é, com sua personagem ou com alguém ao lado sem o equipamento. Encontramos tais cenas no suspense Cálculo Mortal e numa breve passagem de Velocidade Máxima 2. Ao observar o quão frequente é a ausência de cinto em alguns filmes, criei um diário de bordo e toda vez que contemplo uma cena do tipo, anoto o momento no contador do tempo de duração da narrativa, registro e hoje, descrevo por aqui e preparo os conteúdos que surgiram desta iniciativa, devidamente explanado no último tópico da reflexão.
Breve história do cinto de segurança
Equipamento indispensável para redução dos impactos das pessoas envolvidas em sinistros de trânsito, o cinto de segurança é obrigatório por lei no Brasil desde 1994. Caso algum condutor seja abordado por uma fiscalização, estando desprovido do equipamento ou tendo algum passageiro no banco do carona ou no de trás sem o cinto, a aplicação de multa com base no artigo 65 do nosso Código de Trânsito é algo já esperado. Não há justificativa plausível que explique a ausência do cinto de segurança, situação que infelizmente é bastante comum por parte de alguns condutores que insistem em driblar o sistema e arranjar desculpas diversas para evitar a utilização do equipamento que só traz saldos positivos para quem atravessa as mais diversas ruas, viadutos, estradas e demais meios de conexão territorial de nossa mobilidade urbana. Antes dos automóveis, os cintos eram usados em determinadas carruagens, tendo em vista, evitar que os passageiros caíssem diante da trepidação dos cavalos.
De acordo com registros apontados no site Instacarro, o primeiro cinto de segurança foi patenteado nos Estados Unidos. O equipamento era algo mais antigo e já usual em alguns meios de locomoção, como já mencionado, mas o seu uso massivo se deu em 1958, ocasião de lançamento do Corvette, da Chevrolet, automóvel que trouxe o modelo abdominal, superado pelo cinto de três pontos, de 1959, desenvolvido pelo engenheiro sueco Nils Bohlin, com ajustes que prendiam o equipamento ao próprio veículo, não mais ao assento. O profissional que na época trabalhava para a Volvo assinou o produto que foi disponibilizado para o mercado, sendo logo adotado pelas demais fábricas do segmento. Em 1911, o empresário Benjamin Foulois já tinha utilizado o cinto para passageiros das aeronaves sob seu comando, mecanismo que tinha como função, impedir que os passageiros caíssem diante das fortes rajadas de vento de decolagens ainda incipientes. De lá para cá, o que temos é a história, de aceitação e negação do cinto.
Mas, afinal, preciso mesmo do cinto de segurança?
A resposta é óbvia. Sim! Não adiante arranjar desculpas e dizer que viu os protagonistas de A Experiência, Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado, Traídos Pelo Destino, Terror na Estrada, A Morte Pede Carona, O Programa, Lenda Urbana, Águas Rasas, Premonições, A Rede 2, A Viatura, Teoria da Conspiração, O Homem Irracional, o Sonho de Cassandra, Gêmeas, Adrenalina, dentre outros, sem usar o equipamento de segurança. Estudos da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (ABRAMET), publicados recentemente, indicaram que o cinto de segurança no banco da frente reduz em até 45% a chance de morte, sendo 75% a possibilidade de salvação para quem ocupa o banco traseiro. No momento da colisão, importante ressaltar, há dois movimentos. O primeiro é a colisão em si, sempre desfavorável, sendo o segundo a colisão dos ocupantes do automóvel, indivíduos que podem ser jogados para fora, a depender do impacto.
Segundo o jornalista Ricardo Caiafa, num elucidativo artigo breve para o Blog da Saúde, do Portal UOL, não importa o trajeto, o cinto de segurança deve ser posto antes mesmo da pessoa condutora ligar o veículo. A parte de baixo “deve ficar sempre em cima da coxa, nunca no abdômen”, reforça, sem deixar de destacar, com base em dados do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT), a gravidade que é um carro colidir com um objeto qualquer a 60 km/h, algo que seria o equivalente a despencar do quarto andar de um prédio, altura em torno dos 14 metros. O uso do cinto reduz em média até 40% das consequências fatais num sinistro de trânsito. Traumatismos e perda da visão, por exemplo, sequelas possíveis, podem ser reduzidas em até 60%. O cinto é um equipamento que dá firmeza, pois permite que a pessoa condutora se ajuste na posição correta de dirigir e diminuía, inclusive, a sensação de cansaço na direção.
A probabilidade de sobrevivência com o uso do equipamento é cinco vezes maior, então, nos surge o questionamento: por qual motivo muita gente não usa? A resposta também é simples. Nós, seres humanos, temos tendências no que diz respeito ao interesse em burlar as leis e desafiar a lógica. Acreditamos, muitas vezes, que o caos acontecerá sempre com o outro, nunca conosco. A pandemia da covid-19, por exemplo, veio para nos mostrar que precisamos evoluir bastante. Num atual momento de caos no sistema de saúde, com o país transformado no epicentro mundial da pandemia, sem leitos e atendimento suficiente, há pessoas que são presas em festas e aglomerações. Como lidar? O condutor que não usa o cinto é o equivalente ao que consome álcool antes e durante a direção.
É aquele que não respeita o ciclista e os pedestres transeuntes. São pessoas assim, não tocadas pela sensibilidade da causa constantemente debatida pela Educação para o Trânsito, as mesmas que xingam ao volante, ultrapassam sinais, geram confusões no cotidiano da mobilidade urbana, desrespeitam placas e outras sinalizações, etc. Para compreender a importância do cinto de segurança, observe o simples cálculo: se um automóvel colide com outro em 20 km/h, sem o uso do cinto, a pessoa condutora e os passageiros sentirão o impacto de seu próprio peso 15 vezes a mais do que o normal. Já pensou? Se a colisão for de frente, o resultado é ainda pior. Um choque entre dois automóveis faz o impacto ser sentido em 50 km/h. Imagina alguém que pilota no auge dos 100 km/h? O estrago, caro leitor, é garantido. E a sobrevivência, questionável.
Para Mirian Bastos, os bons hábitos devem começar desde a infância. Investimento em cadeirinhas, assentos de elevação, cinto de segurança para animais, a obrigatoriedade dos passageiros do banco de trás, geralmente desinteressados no uso do equipamento, dentre outras ações importantes. O esquema do “faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço” não funciona mais em nossa sociedade questionadora. Se os pais ou responsáveis não aderem ao cinto de segurança, estão automaticamente incitando o comportamento reprovável por parte de seus filhos no futuro. É preciso conscientização.
Os desdobramentos da iniciativa reflexiva
Focado em pensar o cinema e as narrativas ficcionais televisivas como meio de ilustração e debate para situações concretas nas dinâmicas do trânsito em nosso cotidiano, o breve artigo que você acabou de ler tem como propósito, refletir sobre a importância do uso do cinto de segurança e mostrar como as produções de entretenimento que consumimos diariamente podem nos ensinar muitas lições sobre como proceder diante de situações inadequadas no âmbito da mobilidade urbana. E assim, evitar que sinistros de trânsito continuem a ceifar dolorosamente vidas, bem como superlotar o nosso sistema de saúde e ceifar as chances de muitos acidentados, ainda jovens, de exercer as suas funções cidadãs em idade plena.
O leitor pode encontrar uma seleção de 100 vídeos sobre o assunto, trechos de cenas de filmes com personagens sem cinto ou a utilizar o equipamento de maneira inadequada, nos perfis @leodeletrasecinema e @trilhaseducativas, redes sociais dos empreendedores desta iniciativa educacional inovadora no Brasil, focada na observação mais filosófica da educação para o trânsito, galgada em exemplos concretos extraídos daquilo que nós tanto amamos e aderimos em nosso cotidiano: a ficção seriada e cinematográfica, materiais que preenchem o tempo diletante de muitos de vocês, leitores, espectadores e internautas. Caso se lembre de alguma cena com um personagem sem cinto de segurança ou com qualquer outra atitude indevida na condução, registre aqui em nossa sessão de comentários, combinado?
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Ficção, Educação e Trânsito
Trânsito, Educação e Xadrez
Uma publicação interessante sobre o uso desta modalidade lúdica para o âmbito do ensino e da aprendizagem


Leonardo Campos
O xadrez é um jogo de tabuleiro que pede um jogador muito atento, inteligente e sagaz para lidar com as adversidades de uma partida. O trânsito, da mesma maneira, transforma o condutor em jogador e o coloca numa situação de atenção necessário, cuidado constante diante dos possíveis obstáculos, bem como uma postura defensiva para saber lidar com o “outro” que divide o mesmo espaço neste tabuleiro da vida. Foi com esta ideia que Eurípedes Kuhl, experiente no Serviço Militar, bem como em Administração e Segurança do Trabalho, desenvolveu Trânsito, Educação e Xadrez, uma publicação interessante sobre o uso desta modalidade lúdica para o âmbito do ensino e da aprendizagem, conteúdo que parece muito complexo em seu preâmbulo, mas que vai delineando as suas intencionalidades ao passo que cada página de leitura é avançada. Se você, caro leitor, é alguém como eu, um leigo total das estratégias do xadrez, recomendo que assista ao máximo de tutoriais que puder, leia manuais, consulte o passo a passo deste jogo de tabuleiro para que a sua dinâmica no âmbito educacional seja a mais produtiva possível, combinado?
Em sua abertura, o autor comenta brevemente o estabelecimento do Código de Trânsito Brasileiro, dando destaque aos avanços que surgiram com os desdobramentos da aplicação desta legislação em 1997. Ele reflete, por sua vez, que as nossas ruas e rodovias estão longe de atingirem os ideais previstos pelo CTB, haja vista as suas respectivas estruturas problemáticas. Além disso, nos permite refletir que não apenas a questão geográfica da mobilidade, mas o fator humano, algo que mesmo diante das punições previstas nos artigos legais, ainda é um ideal que distante e precisa, constantemente, ser alcançando por meio de campanhas e demais ações educativas. É quando entra o xadrez. A sua apresentação da famosa partida de 1851, intitulada A Imortal, é demasiadamente vaga, não nos deixando entender o propósito de sua inserção no material. É uma passagem superficial, desnecessária e deslocada. Mas não atrapalha o andamento educativo do livro.
Logo mais, há uma explicação básica para os elementos que compõem o tabuleiro, bem como um breve percurso histórico dos significados destas posições. Considerado como uma ciência autêntica, envolto em olimpíadas com jogadores que levam as suas regras com seriedade, o xadrez possui um tabuleiro com espaços em preto e branco. São as vias de condução das peças. Neste jogo, temos o Rei, a Torre, o Bispo, a Dama, o Peão e o Cavalo, todos integrantes desta travessia que mescla atenção, sagacidade e inteligência, na busca de um dos jogadores em apanhar as peças do adversário e dar o xeque-mate. Cada movimentação do jogador envolvido, em associação com a dinâmica do trânsito, é preciso atuar com atitudes seguras, eficientes, tendo em vista evitar colisões, incorreções que não permitem erro, levando-o ao trágico, dentre outras iniciativas formidáveis quando associadas com nossa conduta na mobilidade.
Diante do exposto, como já dito, no xadrez, o grande lance de jogador é a atenção. Se você se perde, adentra numa zona de perigo, como o trânsito. Pedestres, ciclistas, motociclistas e condutores precisam manter-se atentos, sem o uso indevido do celular, distantes dos efeitos do álcool e conscientes dos limites velocidades das vias que atravessam. No trânsito, temos que colocar em prática a humanidade que nos define e atuar de maneira educada, para que as coisas fluam adequadamente para todos. Adequado, aqui, designa segurança. Cada seção há uma frase de epígrafe, logo no começo da representação do quadro, como nos exemplos destacados nestas ilustrações. Didático, o autor relaciona posturas comuns do trânsito com a ação inconsequente ou devidamente cidadã de cada jogador diante do tabuleiro. Há o rude, o afobado, o confuso, o hábil, o atrevido, em linhas gerais, as cabíveis alegorias para o que encontramos cotidianamente no cenário da mobilidade, seja como pedestre a aguardar um ônibus, passageiro em deslocamento no interior do Uber, ciclista ou motociclista numa travessia pelas pistas que cortam as nossas cidades, em suma, qualquer situação de trânsito do nosso dia.
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Ficção, Educação e Trânsito
Rota de Colisão
Ao longo de suas 93 páginas, Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você debate segurança e cidadania no trânsito


Leonardo Campos
Os impactos dos sinistros de trânsito, fatais ou com vítimas acometidas por sequelas, tragédias que antes eram chamadas de acidentes, são apresentados por meio de um texto coeso, coerente e dinâmico em Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você, publicação de 2007, assinada pelos especialistas Eduardo Biavati e Heloisa Martins. O termo acidente, como nós sabemos, expressa algo imprevisto, furtivo, diferente do que contemplamos com horror em nosso cenário de mobilidade cotidiano, espaço onde situações evitáveis poderiam não acontecer e ceifar tantas vidas ativas, numa celeuma que causa desordem não apenas diante dos familiares e amigos enlutados, mas também ocasiona graves crises econômicas para uma nação que deixa de realizar amplos investimentos em outras áreas para atender aos vitimados com sequelas, dependentes de aposentadorias, bem como as cifras que os sinistros custam para o SUS. No livro, a cidade não deixa de ter a sua culpa. Zonas com infraestrutura inacabada, projetos problemáticos, assim como o comportamento humano no trânsito, carente de educação por parte de muitos condutores, pedestres e ciclistas. Focado na importância do exercício da cidadania, o conteúdo em questão é fluente, de poucas páginas e funciona como material para educar a população em geral, além de ser subsídio básico para projetos de educação para o trânsito.
Ao longo de suas 93 páginas, Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você debate segurança e cidadania no trânsito em seus seis capítulos curtos, todos ilustrados e com desenvolvimento de ideias pedagogicamente dinâmicas para o entendimento de todos os públicos. Trânsito e Transitar, o primeiro capítulo, versa sobre como o movimento das ruas depende da atividade humana que acontece ao redor dos espaços de circulação, apresentando questões sobre o desenho das cidades e a solução de alargamento das pistas como uma opção que não resolve os problemas no cenário da mobilidade urbana contemporânea, algo que envolve demolição de prédios, casas, indenizações, dentre outras circunstâncias. Construir novas avenidas em zonas já estabelecidas não é algo tão tranquilo quanto se imagina. Os autores refletem a quantidade de carros na rua, a questão do meio ambiente degradado pelos combustíveis e o desinteresse da população pelos modais no deslocamento, não apenas por culpa dos usuários, mas pelas condições precárias de transporte em muitas zonas urbanas brasileiras.
No desenvolvimento de As Regras: De Quem é A Vez, o texto relaciona os espaços urbanos com regras de um jogo, onde precisamos seguis as orientações adequadamente para vencer as etapas e conquistar a linha de chegada. São alegorias importantes para transformação do que está previsto por lei em explicações pedagógicas para o grande público. Obedecer às regras é algo chato? Sim, mas estamos num espaço coletivo, por isso, temos que levar em consideração os nossos interesses, mas as vontades alheias, afinal, não somos donos da rua. Existem centenas de regras no Código de Trânsito Brasileiro, a maioria, desconhecida pela população, sendo uma delas o destaque do capítulo: a hierarquia de responsabilidades ao trafegar, espaço que tem o pedestre como elemento mais frágil diante de ciclistas, carros, caminhões e ônibus.
Em Os Acidentes: Onde Mora o Perigo, terceiro capítulo da jornada de Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você, encontramos algumas pontuações sobre os chamados acidentes, agora sinistros de trânsito, conforme a atual legislação, eventos que não devem ser pensados como obras do destino, mas acontecimentos que podem ser evitados se todos que circulam pelas vias da cidade obedecessem ao que está disposto no CTB e também respeitasse o lugar de passagem de cada um. O grande índice de tragédias nas vias não para de crescer pelo fato de nós, agentes do processo de mobilidade cotidiana, não respeitamos adequadamente o outro, colocando-se muitas vezes como irresponsáveis. Uso de álcool, mesmo na quantidade mínima, não por o cinto de segurança e exceder a velocidade: três grandes problemas contemporâneos, somados ao mais recente de todos, o uso de celular na direção, situação que está, atualmente, entre as três mais perigosas e registradas nos casos de colisão e atropelamento no mundo.
No elucidativo Atropelamento e Lesão Cerebral, os autores falam sobre como a mídia menciona as tragédias, mas não dá o mesmo enfoque para as vítimas não fatais, figuras da tessitura cotidiana que custam muito para os cofres públicos, sejam por seus tratamentos ou processos de aposentadoria. No Brasil, a maioria dos sinistros ocorre entre sexta-feira (noite) e domingo (final da tarde). Por que será? No mundo de hoje, diríamos que é porque “sextou”. E é exatamente por isso, o que nos abre as portas para conteúdo de Álcool, óbvio e quase senso comum, mas parece que ainda não nos alertamos assertivamente para esta substância que é, ao lado do excesso de velocidade, um dos elementos responsáveis pelas tragédias no trânsito, algumas irreversíveis para os envolvidos. No desfecho, temos Colisões e Lesão Medular, uma exposição dos problemas causados em determinadas situações de sinistro. Os autores explicam o que ocorre com o nosso corpo por meio de exemplos que reforçam a pequenez dos humanos diante dos impactos da dinâmica física de uma colisão ou atropelamento. É tudo muito assustador, mas ainda assim, nos pegamos sem seguir as orientações para evitar tudo aquilo que é mostrado nos casos descritos pelo livro. Ademais, em seu encerramento, os autores pedem reflexão e postura dos leitores, fornecendo ótimas sugestões de leitura complementar.
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Ficção, Educação e Trânsito
Sem data, sem assinatura
O filme uma é história de luto considerada como uma das mais atordoantes do cinema contemporâneo


Leonardo Campos
Pode ser diferente em cada região do planeta, mas a constante taxa de sinistros de trânsito envolvendo vítimas fatais é uma realidade contemporânea que infelizmente devasta não apenas países economicamente desfavorecidos, mas também os lugares considerados de “primeiro mundo”. O cinema, sabiamente, já trabalhou diversas vezes com atropelamentos, colisões, capotamentos, bem como condutores alcoolizados ou sem cinto de segurança, para o estabelecimento da catarse. Sem Data, Sem Assinatura, um apurado exemplar do cinema iraniano recente, é uma destas narrativas arrebatadoras sobre os desdobramentos de uma situação evitável na vida daqueles que perderam alguém e na trajetória daqueles sufocados pela angústia e culpa, isto é, indivíduos que precisam lidar com as consequências de seus erros, numa punição que pode ser até ser mais severa que a aplicação de algo previsto na legislação, afinal, ser preso ou responder processo pode ser tão doloroso quanto acordar e dormir todos os dias pensando na vida do outro que você destruiu após agir de maneira indevida no trânsito.
Lançado em 2017, a produção dirigida por Vahid Jalilvand, também responsável pelo roteiro, escrito ao lado de Ali Zarnegar, é uma lição de drama assertivo. Em seus 104 minutos, acompanhamos a saga de um homem devidamente equilibrado em sociedade, aquele tipo de personagem que goza dos privilégios de sua profissão, numa existência confortável e tranquila, tendo os habituais altos e baixos que qualquer ser humano enfrenta cotidianamente, mas que não precisa lidar com dificuldades mais extremas para garantir a sua sobrevivência. Ele é o catalisador das reflexões sobre ética em Sem Data, Sem Assinatura, uma história de luto considerada como uma das mais atordoantes do cinema contemporâneo. Na trama, seguimos os passos de Kaveh (Amir Aghave), um médico que colide com uma moto numa situação inesperada durante uma de duas travessias diárias. Ele não comete aquilo que geralmente contemplamos horrorizados nos telejornais e em muitos filmes: a omissão de socorro.
O médico percebe que o filho do condutor, machucado no pescoço, sofreu as consequências da forte colisão, mas não teve a vida ceifada. Tranquilo, ele propõe ajuda e o encaminha para o atendimento hospitalar. O susto, no entanto, surge no dia seguinte, quando chega ao ponto de trabalho para mais um plantão. Descobre que o menino morto é a vítima do acidente. Na autopsia, a pessoa responsável pelo perito identificou um problema de intoxicação alimentar, mas Kaveh acredita que o motivo real tenha sido a pancada durante o sinistro de trânsito. E agora? Como lidar com essa dúvida corrosiva, acompanhada de um sentimento de culpa devastador? É assim que ele não fica quieto e resolve investigar as causas da morte do garoto. Será mesmo que ele deve se sentir responsável pelo falecimento? Aqui, o espectador é colocado diante de uma trama instigante sobre atos irrisórios que mudam para sempre as nossas vidas, escolhas do presente que determinam tacitamente o nosso futuro.
Nada é tão fácil quanto o esperado, talvez mais mastigado e melodramático se fosse uma narrativa de estrutura estadunidense. Sem Data, Sem Assinatura trabalha em torno de clichês, mas propõe uma abordagem mais complexa de sua proposta. Com muitas cenas no interior de carros, satisfatoriamente concebidas pela ótima direção de fotografia, o filme reflete a realidade iraniana da falta de liberdade de expressão, algo curiosamente destacado na divulgação da produção em sua época de lançamento, escolha narrativa que também dialoga com o que está designado como tema do filme, isto é, a travessia de personagens pela vida, os embates entre as pessoas, em colisões cotidianas repletas de tensões, a maioria psicológicas, mas também físicas, como a tragédia que envolve o médico Kaveh e Moosa (Navid Mohammadzadeh), pai do garoto que perde a vida, talvez pelo sinistro ou quem sabe, pela intoxicação alimentar.
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
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