
Professor Leonardo Campos
O despertar para a produção desta reflexão veio, como quase tudo em minha prática intelectual, das sessões de entretenimento com filmes e séries que acabam se tornando parte integrante do trabalho. Cadê o Cinto? Esse é o título de um dos capítulos dos livros que compõem a Trilogia do Semáforo, publicação que assino em parceria com Mirian Bastos, gestora de Educação para o Trânsito da Transalvador e coordenadora do comitê Vida no Trânsito. Na ocasião da epifania, em 2018, conferia uma comédia romântica chamada Acho Que Sou, de Brian Sloan, lançada em 1997. Num determinado momento de crise, o protagonista do filme parte para a rua com uma amiga e ambos não usam o cinto de segurança na cena. Podemos contemplar o equipamento lá, pendurado, como acessório indevidamente esquecido no processo de condução. Curioso, dei pausa, tomei um café, voltei ao filme munido de papel e caneta e depois disso, mesmo no meio de toda diversão, não consegui mais deixar de observar criticamente os personagens condutores em filmes e séries. Pensei que fossem poucos, mas na verdade, as ocasiões com figuras ficcionais sem o devido uso do cinto é algo bastante corriqueiro nas mais diversas produções cinematográficas e televisivas.
Erin Brockovich, cidadã que batalhou por uma causa nobre no filme homônimo interpretado por Julia Roberts, desloca-se de carro em sua pesquisa e aparece constantemente sem o cinto de segurança. O equipamento também está ausente no suspense Lobo, com a personagem de Michelle Pfeiffer ainda mais inadequada no banco dianteiro, com os pés em cima do painel. Num episódio da segunda temporada de A Sete Palmos, temos uma empresária que não usa cinto em seu deslocamento e ainda atravessa o sinal vermelho antes de sofrer um acidente. Isso acontece em outras séries: A Garota da Moto, House, Sex and The City, Private Practice, Chicago Med, Grey’s Anatomy, dentre outras. Em Assumindo a Direção, uma excelente comédia dramática sobre superação, a protagonista passa por um divórcio e decide se desafiar, matriculando-se em aulas de direção para retirada de sua carteira de habilitação. Animada, ela adentra no carro do professor de condução, profissional que antes de qualquer movimento no automóvel, ensina para a futura motorista que o cinto é o primeiro passo antes mesmo de ligar o carro. Nicole Kidman, numa breve passagem do excepcional Reencontrando a Felicidade, não coloca o equipamento no momento adequado para condução. E pasmem! A sua personagem perdeu o filho e vive a dor do luto por se culpar por deixar o portão de casa aberto e a criança, num descuido, ter corrido para a rua, atropelada por um jovem que dirigia sem sequer ser habilitado.
O filho de outra personagem da atriz, no suspense Terror a Bordo, também não tem sorte, pois ao desconectar-se do cinto no banco traseiro para pegar um brinquedo que caiu, a criança não resiste ao impacto após um incidente que a joga para fora do carro e morre. Luto na família. O motorista que conduz a protagonista do drama 28 Dias, interpretada por Sandra Bullock, para uma clínica de reabilitação, também não usa o cinto que está lá na cena, pendurado como acessório inútil. A mesma atriz já esteve em cenas com outros filmes, nesta mesma perspectiva, isto é, com sua personagem ou com alguém ao lado sem o equipamento. Encontramos tais cenas no suspense Cálculo Mortal e numa breve passagem de Velocidade Máxima 2. Ao observar o quão frequente é a ausência de cinto em alguns filmes, criei um diário de bordo e toda vez que contemplo uma cena do tipo, anoto o momento no contador do tempo de duração da narrativa, registro e hoje, descrevo por aqui e preparo os conteúdos que surgiram desta iniciativa, devidamente explanado no último tópico da reflexão.
Breve história do cinto de segurança
Equipamento indispensável para redução dos impactos das pessoas envolvidas em sinistros de trânsito, o cinto de segurança é obrigatório por lei no Brasil desde 1994. Caso algum condutor seja abordado por uma fiscalização, estando desprovido do equipamento ou tendo algum passageiro no banco do carona ou no de trás sem o cinto, a aplicação de multa com base no artigo 65 do nosso Código de Trânsito é algo já esperado. Não há justificativa plausível que explique a ausência do cinto de segurança, situação que infelizmente é bastante comum por parte de alguns condutores que insistem em driblar o sistema e arranjar desculpas diversas para evitar a utilização do equipamento que só traz saldos positivos para quem atravessa as mais diversas ruas, viadutos, estradas e demais meios de conexão territorial de nossa mobilidade urbana. Antes dos automóveis, os cintos eram usados em determinadas carruagens, tendo em vista, evitar que os passageiros caíssem diante da trepidação dos cavalos.
De acordo com registros apontados no site Instacarro, o primeiro cinto de segurança foi patenteado nos Estados Unidos. O equipamento era algo mais antigo e já usual em alguns meios de locomoção, como já mencionado, mas o seu uso massivo se deu em 1958, ocasião de lançamento do Corvette, da Chevrolet, automóvel que trouxe o modelo abdominal, superado pelo cinto de três pontos, de 1959, desenvolvido pelo engenheiro sueco Nils Bohlin, com ajustes que prendiam o equipamento ao próprio veículo, não mais ao assento. O profissional que na época trabalhava para a Volvo assinou o produto que foi disponibilizado para o mercado, sendo logo adotado pelas demais fábricas do segmento. Em 1911, o empresário Benjamin Foulois já tinha utilizado o cinto para passageiros das aeronaves sob seu comando, mecanismo que tinha como função, impedir que os passageiros caíssem diante das fortes rajadas de vento de decolagens ainda incipientes. De lá para cá, o que temos é a história, de aceitação e negação do cinto.
Mas, afinal, preciso mesmo do cinto de segurança?
A resposta é óbvia. Sim! Não adiante arranjar desculpas e dizer que viu os protagonistas de A Experiência, Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado, Traídos Pelo Destino, Terror na Estrada, A Morte Pede Carona, O Programa, Lenda Urbana, Águas Rasas, Premonições, A Rede 2, A Viatura, Teoria da Conspiração, O Homem Irracional, o Sonho de Cassandra, Gêmeas, Adrenalina, dentre outros, sem usar o equipamento de segurança. Estudos da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (ABRAMET), publicados recentemente, indicaram que o cinto de segurança no banco da frente reduz em até 45% a chance de morte, sendo 75% a possibilidade de salvação para quem ocupa o banco traseiro. No momento da colisão, importante ressaltar, há dois movimentos. O primeiro é a colisão em si, sempre desfavorável, sendo o segundo a colisão dos ocupantes do automóvel, indivíduos que podem ser jogados para fora, a depender do impacto.
Segundo o jornalista Ricardo Caiafa, num elucidativo artigo breve para o Blog da Saúde, do Portal UOL, não importa o trajeto, o cinto de segurança deve ser posto antes mesmo da pessoa condutora ligar o veículo. A parte de baixo “deve ficar sempre em cima da coxa, nunca no abdômen”, reforça, sem deixar de destacar, com base em dados do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT), a gravidade que é um carro colidir com um objeto qualquer a 60 km/h, algo que seria o equivalente a despencar do quarto andar de um prédio, altura em torno dos 14 metros. O uso do cinto reduz em média até 40% das consequências fatais num sinistro de trânsito. Traumatismos e perda da visão, por exemplo, sequelas possíveis, podem ser reduzidas em até 60%. O cinto é um equipamento que dá firmeza, pois permite que a pessoa condutora se ajuste na posição correta de dirigir e diminuía, inclusive, a sensação de cansaço na direção.
A probabilidade de sobrevivência com o uso do equipamento é cinco vezes maior, então, nos surge o questionamento: por qual motivo muita gente não usa? A resposta também é simples. Nós, seres humanos, temos tendências no que diz respeito ao interesse em burlar as leis e desafiar a lógica. Acreditamos, muitas vezes, que o caos acontecerá sempre com o outro, nunca conosco. A pandemia da covid-19, por exemplo, veio para nos mostrar que precisamos evoluir bastante. Num atual momento de caos no sistema de saúde, com o país transformado no epicentro mundial da pandemia, sem leitos e atendimento suficiente, há pessoas que são presas em festas e aglomerações. Como lidar? O condutor que não usa o cinto é o equivalente ao que consome álcool antes e durante a direção.
É aquele que não respeita o ciclista e os pedestres transeuntes. São pessoas assim, não tocadas pela sensibilidade da causa constantemente debatida pela Educação para o Trânsito, as mesmas que xingam ao volante, ultrapassam sinais, geram confusões no cotidiano da mobilidade urbana, desrespeitam placas e outras sinalizações, etc. Para compreender a importância do cinto de segurança, observe o simples cálculo: se um automóvel colide com outro em 20 km/h, sem o uso do cinto, a pessoa condutora e os passageiros sentirão o impacto de seu próprio peso 15 vezes a mais do que o normal. Já pensou? Se a colisão for de frente, o resultado é ainda pior. Um choque entre dois automóveis faz o impacto ser sentido em 50 km/h. Imagina alguém que pilota no auge dos 100 km/h? O estrago, caro leitor, é garantido. E a sobrevivência, questionável.
Para Mirian Bastos, os bons hábitos devem começar desde a infância. Investimento em cadeirinhas, assentos de elevação, cinto de segurança para animais, a obrigatoriedade dos passageiros do banco de trás, geralmente desinteressados no uso do equipamento, dentre outras ações importantes. O esquema do “faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço” não funciona mais em nossa sociedade questionadora. Se os pais ou responsáveis não aderem ao cinto de segurança, estão automaticamente incitando o comportamento reprovável por parte de seus filhos no futuro. É preciso conscientização.
Os desdobramentos da iniciativa reflexiva
Focado em pensar o cinema e as narrativas ficcionais televisivas como meio de ilustração e debate para situações concretas nas dinâmicas do trânsito em nosso cotidiano, o breve artigo que você acabou de ler tem como propósito, refletir sobre a importância do uso do cinto de segurança e mostrar como as produções de entretenimento que consumimos diariamente podem nos ensinar muitas lições sobre como proceder diante de situações inadequadas no âmbito da mobilidade urbana. E assim, evitar que sinistros de trânsito continuem a ceifar dolorosamente vidas, bem como superlotar o nosso sistema de saúde e ceifar as chances de muitos acidentados, ainda jovens, de exercer as suas funções cidadãs em idade plena.
O leitor pode encontrar uma seleção de 100 vídeos sobre o assunto, trechos de cenas de filmes com personagens sem cinto ou a utilizar o equipamento de maneira inadequada, nos perfis @leodeletrasecinema e @trilhaseducativas, redes sociais dos empreendedores desta iniciativa educacional inovadora no Brasil, focada na observação mais filosófica da educação para o trânsito, galgada em exemplos concretos extraídos daquilo que nós tanto amamos e aderimos em nosso cotidiano: a ficção seriada e cinematográfica, materiais que preenchem o tempo diletante de muitos de vocês, leitores, espectadores e internautas. Caso se lembre de alguma cena com um personagem sem cinto de segurança ou com qualquer outra atitude indevida na condução, registre aqui em nossa sessão de comentários, combinado?