Entrevista Exclusiva
Caique Pituba, o ilustrador, professor e líder do Bando de Cabeças
O sertanejo de Nova Soure conta sua história, seus projetos e seu jeito inovador de ensinar e de desenhar

Conheci uma figura hilária. Na cidade onde mora ele é facilmente identificado como Caique de Cleciane, ali da loja de festa, neto de Netinho (“uma doce ironia do destino”). Na real mesmo, ele pode ser, de longe, reconhecido pelo seu “visual exótico”. Uma figura “diferentaça” em meio a uma pequena cidade, como Nova Soure no sertão baiano. Você possivelmente vai lembrar quando alguém disser: “Aquele menino doido de Cleciane. Aquele neto de Netinho, aquele doido”.
Com essa inusitada introdução, que ele mesmo conta, entre diversos substantivos e adjetivos, eu apresento o multifacetado Caique Pituba. Ilustrador, professor e líder do Bando de Cabeças. Mas além disso, conquistador e colecionador de boas risadas com seu jeito inovador de ensinar, de desenhar e de dar entrevistas, em meio às gírias, boas risadas e figurinhas de WhatsApp. Confira o resultado desse bate-papo!
Carla Melo – Quando vemos o seu trabalho nas redes sociais imaginamos um cabra que está ali na tela do celular, mas não sabemos de fato quem está por trás dele, do cara que brinca, que tem um jeito inovador de falar e criar. Qual é a sua história, Caique Pituba?
Caique Pituba – Eu nasci em Salvador, fiquei até uns seis anos e tal, e aí eu vim para Nova Soure, que é uma cidadezinha no sertão da Bahia. Uma cidade pequenininha, aqui não tem nenhuma cachoeira e nada assim demais. Assim, tem um ‘cristozinho’ aqui na estrada, meio esquisito (risos). Enfim, não é uma cidade que tem um grande charme, a não ser o charme das pessoas, de crescer aqui. Para mim tem um apego muito grande, uma nostalgia de ter crescido nesta cidade, do lance do sertão, da cultura, do jeito das pessoas, enfim, isso me conecta de um jeito muito especial. Sempre desenhei, desde pequenininho. Nas minhas primeiras lembranças eu tinha cinco, seis anos e não parei mais. Cresci neste contexto e, eventualmente, voltei para Salvador no ensino médio, sempre fui uma criança que teve acesso à informação, à educação, mas sempre conectado com a arte. Eu cheguei a fazer faculdade de contabilidade – olha aí que miséria – de Ciências Contábeis, na Universidade Federal da Bahia (Ufba) por seis anos e esse tempo na contabilidade me ajudou a enxergar o que eu queria fazer da vida mesmo.
Um detalhe importante:
Trabalhei em algumas escolas, mas recentemente, no ano passado, com a pandemia, eu me desvinculei do trabalho que eu tinha, comecei os meus projetos de curso por conta própria mesmo e agora eu estou há uns seis meses de volta para a minha terra, e está sendo muito massa. Era uma coisa que eu queria fazer, que era o resgate da minha infância na temática que eu trabalho: do sertão, do cangaço e etc. E apesar da corona, da pandemia, eu estar me mantendo em casa, acho que a vibe, só de estar aqui já me inspira.
CM – Você me falou que em seus cinco, seis anos de idade, você já desenhava, mas eu quero saber se sempre foi o seu sonho ser ilustrador. Quando e como começou a surgir essas faíscas para se jogar na Ilustra?
CP – Então, é até meio sem glamour (risos) porque eu comecei a desenhar e pá, só que teve realmente esse momento: nossa, é possível trabalhar com isso, hein? Que legal! Eu queria ter uma resposta mais emocionante assim, de um querubim, que desceu do céu e me iluminou e falou no meu ouvido. De eu ver uma árvore pegando fogo em um tabuleiro aqui na roça, mas não. Eu tava jogando um jogo, que era o God of War (risos), que inclusive era o meu hábitat natural na infância, na adolescência. Então quando você termina o jogo, aparece um making off e eu tinha uns 12 ou 13 anos, e nesses vídeos de making off você via a galera, a equipe do jogo trabalhando e criando o visual dos personagens e dando vida àquele universo. Esse momento explodiu a minha cabeça. E eu acho que esse foi o estalo.
CM – E você ainda é professor..
CP – Véi, então. Agora você tocou no ponto, parceira. Nesse lance de estudar, e eu penso muito nisso, não sei se seria bom para mim, ter feito uma faculdade de artes porque assim, eu fui estudar pela internet mesmo. Vídeo aula para caramba, coisas no YouTube, os gringos lá ensinando e isso é muito massa porque, ao invés de dizer: eu sou autodidata, na verdade o que acontece é o contrário. Pela internet hoje você encontra os melhores professores do mundo. Foram horas e horas de conteúdo. Aí eu comecei a viajar muito em alguns professores e eu adorava muito a maneira como os caras ensinavam, como organizavam os pensamentos. Eu comecei a curtir muito isso. Eu pensava: pôxa, que legal como esse cara consegue pegar um tema complexo e simplificar.
CM – E suas inspirações? ou ensinar foi algo que você viu que poderia dar certo, tentou, e deu certo?
CP – Tipo, uma coisa que aparentemente não tem nada a ver, mas cada vez mais eu acho essa conexão, que é o lance do RPG, aquele jogo lá de nerd, que eu sou para car**** (risos). Então, nesse jogo tem um cara que a função é o mestre, que conduz o jogo, a história que está acontecendo e eu sempre gostei de ser esse cara no jogo, entretendo os jogadores. Então esse lance da comunicação eu desenvolvi muito no RPG e aí eu comecei a me interessar muito no lance de dar aula, muito por causa disso, dessa coisa de estar guiando uma experiência e de consumir as videoaulas e outras coisas foram culminando na vontade de dar aula. E aí, em 2017 eu fiz a minha primeira turma, totalmente independente. E aí, de uma turma, vai levando a outra e de repente fui parar em uma escola bem bacana de Salvador e hoje estou totalmente focado mesmo no lance de dar aula, que é o que eu curto mais. Acho que eu me vejo no fim da vida mesmo é dando aula. E penso em fazer talvez uma faculdade, ou na área de artes para poder dar aula em uma universidade ou até em pedagogia porque eu realmente criei uma paixão pela sala de aula, sacou?
CM – Em suas ilustrações você faz questão de representar o Nordeste e o sertanejo, trazendo suas características fortes e regionais, mas também os apresenta com elementos que o tornam ainda mais fascinantes, dando um certo tipo de super poder. De onde surgiu essa ideia?
CP – Esse lance é um subgênero da ficção científica, meio conhecido, não muito conhecido, talvez que é o SteamPunk. O Steam vem de vapor e punk vem de punk mesmo, sei lá (risos) mas que é um subgênero que parte de um princípio que eles chamam de retrofuturista. É tipo assim: e se o passado… Perae que eu perdi a linha de pensamento. Ah, e se no passado a tecnologia a vapor tivesse superdesenvolvido e virado uma supertecnologia que fosse capaz de criar maravilhas e tal. Aí você tem aquele cara, o pai da ficção científica, o Júlio Verne, que trabalha muito com essa ideia, da tecnologia a vapor. E aí, eu também segui, ao mesmo tempo com a mesma coisa do vapor e da tecnologia e as vezes trazendo um elemento meio rústico. Comecei a ver em 2015 o primeiro personagem que eu fiz, misturava o cangaço com o steampunk – e desde então, eu viajo muito nessa coisa, sempre tento brincar com isso, explorando essa ideia da tecnologia. Além de buscar essa coisa cultural do Nordeste não ficar também muito preso nisso.
CM – Em que você se inspira para criar os personagens?
CP – Eu tento buscar como referência qualquer coisa. Não tento me restringir a algum artista em específico, gosto de muitos artistas, que admiro e vejo pela internet. Tudo isso vai nessa sopa de referências, mas eu acho que o que mais toca é o que eu busco no dia a dia, principalmente aqui em Nova Soure. Sair na rua, rabiscar uma pessoa, aí no rabisco sai uma forma interessante e essa forma eu falo: puts! Vai dar um personagem ‘daora’ e aí meio que começa a dar uma viajada em cima disso, sacou? Tenho até, por exemplo, alguns desenhos de um personagem que eu criei, que foi o Boião, um cangaceiro fortão, com uma arma tipo um canhão e ele é daqui da cidade, uma personalidade que a gente conhece. Sempre tento buscar nos nomes. Eu sempre tento lembrar muito dessas coisas de nome, das figuras, do visual.
CM – Sim… o mais incrível é que parece que você está inserido em suas ilustrações. Você se identifica com seus personagens ou estou “viajando” demais?
CP – É isso mesmo. Tem vezes que eu quero, sei lá, botar uma coisa mais autobiográfica, porque essa coisa do estilo e do próprio prazer em desenhar. Quando a gente é criança, você desenhar é tão gostoso. Você senta, esquece do mundo. Vai ficando adulto, começa a ficar julgando mais e achando tudo meio ruim, enfim, e esquece dessa vibe, desse prazer e eu acho que prazer tem muito a ver com a coisa da sinceridade do que você está fazendo. Se colocar no trabalho de alguma maneira, seja através dessa referência ou diretamente. Então, eu mesmo ali, no dia a dia com coisas do meu dia a dia, reflexões ou as vezes eu mesmo. Eu uso muito eu também, para de alguma forma me conectar com o que eu estou fazendo, e é divertido, né vei? Engraçado. Eu gosto de mim assim, em geral (risos).
CM – E o amor próprio é tudo, né Caique? (risos). É fato que você utiliza elementos usados pelos cangaceiros, tipo o chapéu de couro, o olhar característico, mas você também carrega junto a isso uma intenção social, histórica por trás das ilustrações, não é?
CP – Ah, com certeza. Eu acho que tem total a ver, no sentido da colonização cultural mesmo que a gente sofre, né? De só consumir o que vem de fora. Eu cresci consumindo o que vem de fora, claro, mas só consumir o que vem de fora e ter uma cultura de negar nossa própria cultura, acho isso meio bizarro. O cara conhece todos os filmes de faroeste, mas não sabe quem foi Lampião. Não conhece a história, pelo menos e nem é no sentido necessariamente de exaltar o cangaço, e sim, exaltar o momento histórico, que culturalmente é muito rico e pode gerar tantas histórias, né?
Então, com certeza tem esse sentido sim, muito mesmo de uma descolonização cultural, de voltar os nossos olhos para coisas que são interessantes à nossa volta. Eu acho que o papel do artista, que é um equilíbrio bacana é tentar fazer esse processo inverso de pegar coisas que são interessantes que a gente tem do lado de fora e trazer para o nosso contexto e meio que criar uma coisa nova e que tenha esse lado original. E é total o meu grande ponto e também, eu como artista, acho ‘importantezão’ que o meu trabalho tenha destaque, eu preciso trazer essa experiência pessoal, que eu conheço e sei de fato.
CM – Você também entra nesse mundo nordestino, né? Já se intitulou até de Líder do Bando de Cabeças. Afinal como nasceu o Bando de Cabeças?
CP – Ah, menina. O Bando de Cabeças foi um projeto que eu fiz que eram várias cabecinhas de cangaceiros e eu pensei neste nome, Bando de Cabeças e aí foi um momento que eu meio que consegui consolidar meu estilo, o visual das coisas que eu fazia. E aí, com essa parada do Bando de Cabeças, começou, entre outras coisas, tocar em algumas engrenagens na minha cabeça, fazer algumas conexões e comecei a trabalhar em um projeto que eu sempre quis fazer que é uma história em quadrinhos, que estou lentamente tentando produzir, de pouquinho em pouquinho e que também se chama Bando de Cabeças. Era uma ideia mais de experimentar, de testar estilos, testar possibilidades dentro desenho de uma forma rápida para eu conseguir postar com frequência nas redes sociais e foi crescendo e foi virando uma história que eu estou tentando fazer acontecer. Foi por isso que eu dei o nome de Líder do Bando de Cabeças. Em breve pretendo lançar gratuitamente e totalmente pela internet.
CM – E você ainda tem um jeito de se comunicar com a galera que é único e que a galera se amarra, né?
CP – Então, não sei, é tão natural né, véi? Acontece naturalmente. O que é legal é que, com um tempo eu comecei a curtir muito a minha aula, tá ligado? Eu comecei a ver que a galera curtia muito minha aula e eu comecei a ter a sensação de que, isso é uma coisa de todo o artista, ele olha para o seu próprio trabalho e sempre desvaloriza, né? Então eu comecei a ter essa noia de: pô, véi, eu gosto do meu trabalho, minhas ilustrações, mas eu gosto mais da aula, de dar a aula propriamente dita, tanto o resultado da aula, o feedback é muito positivo, a galera curte, esse jeitão do Pituba Show, do Tutorial do Mal, que também é outro quadro que eu fico xingando o povo e tem essa vibe mais divertida e isso a galera curte unanimemente. Então a ideia ali foi meio trazer um pouco dessa personalidade, trazer para as redes sociais e não só mostrar aquela superfície do desenho, mas mostrar um pouco essa minha personalidade, esse meio jeito de falar, de dar aula.
CM – Você incentiva a galera que está começando na ilustração em seus vídeos, de forma inovadora, hilária. Você recebe muito feedback positivo?
CP – Eu viajo muito nisso. Acho que dando aula você percebe muito como as pessoas, não só dando aula, mas em minha experiência também, tem muito medo de errar, de não conseguir. É um bloqueio mental muito grande de produzir, de ir atrás de fazer uma atividade criativa. E eu sempre tento trazer essa ideia de que você é um ser humano como todos os outros e tem plena capacidade de criar, de se divertir, de criar coisas grandiosas com essa consciência que você tem. Eu gosto de incentivar a galera sim, porque faz bem para todo mundo, não faz mal nenhum (risos). Eu sempre recebo mensagem da galera dizendo que se sentiu motivado por eu estar dando esse gás, por causa dos vídeos, das coisas que eu falo. É o feedback que eu mais recebo e o que eu mais curto receber.
CM – Quando você começou a ver que a galera estava amarrada em suas ilustrações, qual foi a sua reação?
CP – Foi muito massa ver isso acontecer. Quando eu estava estudando e começando também, sempre tiveram artistas que eu admirava, que eu gostava muito do trabalho, que eu via como ídolos e aí rolou o momento que eu recebi essas mensagens né? Esse foi o momento que eu comecei a sacar que a galera estava curtindo. Teve também um evento de artes, de uma escola que eu fui, em Curitiba, que ali eu fiquei impressionado mesmo, com as pessoas me reconhecendo: Ah, é Caíque Pituba! Pedindo para tirar fotos. Galera de fora do Nordeste inclusive, do Sul e de outras regiões. Então foi engraçado ver essa materialização desse retorno do meu trabalho. Muito massa. Isso foi há dois anos.
CM – Bom, você me falou de um personagem que gosta bastante, mas gostaria de saber qual seu personagem preferido?
CP – Boa, acho que o personagem que eu mais curto é o Zé-de-Deus. Dentro desse contexto da história do Bando de Cabeças, ele é o vilão da história. É um personagem meio fanático religioso, que em nome de uma mudança espiritual, ele acaba traindo seus companheiros. Enfim, não vou dar spoilers, mas o Zé-de-Deus, eu acho irado porque o visual dele, porque como o objetivo final dele é ir para o céu, o rosto dele é meio uma seta para cima. O Zé-de-Deus é massa demais.
CM – O Caique Pituba tem outros projetos em mente?
CP – Então, eu estou organizando agora um movimento chamado Revolução do Proletár… Oh, isso aqui é outra coisa (risos). Boa pergunta, eu agora estou só indo com o fluxo, tentando fazer o que já inventei para fazer, que eu não tô conseguindo (risos). Os próximos projetos são mais envolvendo aulas, inclusive estou indo trabalhar lá nessa escola de Curitiba, organizar esse evento, que está sendo para mim um prestígio inenarrável, do lado de vários ídolos e é isso. Estou ‘felizão’ com essa conquista e o meu foco agora são os cursos, as aulas e paralelamente a isso, trabalhando nos projetos Pituba Show, Tutorial do Mal, nas lives e principalmente nos quadrinhos. E manter a minha sanidade mental também está sendo prioridade, essa pandemia veio lascando, ‘mas eu acredito é na rapaziada…’ (risos).
Entrevista Exclusiva
Leonardo Campos reflete sobre Cinema e Educação
O professor e crítico de cinema versa sobre a ficção audiovisual na sala de aula


Leonardo Campos
O cinema é uma arte essencialmente educativa. Pode ser usada em diversas modalidades de ensino e ainda permitir mescla de entretenimento com aprendizagem. Focados nisso, o professor e crítico de cinema Leonardo Campos versa sobre a ficção audiovisual na sala de aula, dando aos leitores alguns direcionamentos em seu mapeamento neste segmento, em prática desde as primeiras incursões docentes, em 2008. O papo cheio de reflexões pertinentes com o jornalista Emerson Miranda foi realizado num dos encontros do projeto Descomplicando Conteúdo da UNIFTC, realizado em 2021. Confira e logo após a leitura, compartilhe, combinado?
Bahia pra você: O cinema na sala de aula é uma proposta defendida com muita garra em sua fala e nas ações designadas para este evento. Na era das redes sociais e séries no streaming, há vez para o cinema enquanto suporte educacional?
Leonardo Campos: O cinema vai mudar e com a pandemia da covid-19, passou por transformações de produção, distribuição e exibição, mas sua possibilidade enquanto conteúdo educacional vai se manter intacta para quem estiver interessado em utilizar as suas narrativas como material para aprender sobre culturas diversas, refletir comportamentos, debater temas específicos, analisar momentos históricos ao longo da evolução da humanidade, etc. Em nossa sociedade multimídia, o cinema é uma das fontes de simulação da realidade. Sempre digo em minhas aulas e formações de professores que podemos usar o cinema para trabalhar qualquer temática/área. Depende muito do interesse do docente em estabelecer as devidas conexões.
BPV: Videoclipes e séries também?
Leonardo Campos: Há, porque quando menciono o cinema, deixo também abranger séries, videoclipes e afins. Se você pegar, por exemplo, o videoclipe American Life, da Madonna, a sua aula de Língua, Literatura, Geografia, História, Língua Estrangeira, Atualidades, dentre tantas outras, ganhará ampla possibilidade de debates. Na produção, enquanto a letra fala sobre imperialismo, imagens de um desfile demonstra as chagas dos conflitos bélicos entre Oriente e Ocidente. A letra, o comportamento, as imagens de arquivo… são muitas as oportunidades de debate, mas tudo dependerá da organização do professor. Numa determinada ocasião, utilizei um episódio da série The Resident, drama médico lançado em 2017, para refletir relacionamentos humanos, numa conexão com o conto O Enfermeiro, de Machado de Assis. Teve exibição, leitura do conto em sala de aula, questões de interpretação, mapa mental e debate. Há muita coisa boa disponível para se trabalhar de maneira engajada, mas para isso, precisamos de professores mais dispostos, de gestores que compreendam e abracem mais ideias como estas, aparentemente “diferenciadas”, mas simples e que deveriam ser o básico na dinâmica da escola.
BPV: Então o professor é o grande responsável por fazer deste recurso um efetivo mecanismo de movimentação de ideias?
Leonardo Campos: Muito. Sabemos que existe a desmotivação, a carga horária baixa diante das exigências altas, mas se não tentarmos a mínima mudança, prejudicamos a nossa prática cotidiana. É aquela aula monótona e que nos causa dor de estômago e irritabilidade ao ter que levar até o fim, sabe? Sempre digo que precisamos nos motivar não apenas pelos estudantes, mas por todo o conjunto. No caso do cinema, não temos investimento para ficar em casa analisando filmes, produzindo questões, elaborando tópicos temáticos. É uma realidade cruel, pois cada vez mais se pensa na presença de sala de aula, sem levar em consideração o nosso planejamento. Há, no entanto, a formação pessoal, o conhecimento ampliado diante deste investimento, bem como a grande chance de estabelecimento de uma sequência de aulas empolgantes, mais significativas. Todo mundo sai ganhando.
BPV: Em suas formações, você sempre elenca uma série de estratégias que podem fazer o cinema na sala de sua ser uma proposta errônea.
Leonardo Campos: Tive um professor de Literatura na época do Pré-Vestibular que me fez germinar esta ideia antes de adentrar na faculdade. Em algumas de suas aulas terríveis e esquemáticas, o profissional entrava na aula, colocava um filme baseado num romance da literatura brasileira e no final da exibição, desligava tudo e ia embora. Não tinha um texto motivador, um debate, questões para resolução, nada. Simplesmente o filme puro e aleatório. Muitas pessoas gostavam, pois era uma oportunidade de conhecer o conteúdo solicitado na prova do vestibular, sem necessariamente realizar a leitura do livro. Mas era enganoso, pois na tradução do suporte literário para o cinematográfico, chamado de Tradução Intersemiótica no meio acadêmico, sabemos que aquilo lá é fruto de um olhar, uma adaptação realizada dentro doo ponto de vista de determinados realizadores. Dom, de Moacyr Góes, não pode ser uma substituição da leitura de Dom Casmurro, de Machado de Assis. O ideal é uma articulação. Então, o professor que entra, exibe uma narrativa ficcional ou educacional sem a mínima conexão está cometendo um erro terrível e isso pode minar a confiança do estudante, dos coordenadores e até dos pais no cinema como proposta educacional efetiva, além do entretenimento.
BPV: Percebo um grifo constante nesta questão do entretenimento em sua fala.
Leonardo Campos: Sim, porque muitos ainda acham que filme ou série são conteúdos somente para diversão, quando de fato funcionam muito bem quando devidamente articulados. As condições do espaço de exibição, ainda sobre a pergunta anterior, também devem ser as melhores. Projetor funciona bem? Se não, a experiência será tediosa. Há muita claridade? Você, enquanto professor, pode chegar mais cedo na sala de aula para organizar o espaço de maneira mais planejada? Já no ato da exibição, disponibilize um texto motivador para que o estudante já saiba que o conteúdo será parte de uma célula do planejamento da unidade. Assista ao filme antes, para elaborar os pontos de articulação no debate. Tenha convicção do material e saiba responder exatamente como ela irá funcionar em sua sala de aula. No Ensino Médio, por exemplo, uso sempre um filme com tubarões aparentemente banal, intitulado Do Fundo do Mar, de 1999. Visto pelo viés do entretenimento, é apenas uma aventura tensa e divertida. Mas olhado com afinco, discute manipulação de animais para pesquisas científicas, a ética na pesquisa, comportamento humano, além da relação entre seres humanos e natureza, em especial, a busca pela sobrevivência em histórias clássicas da literatura, tais como a Odisseia, de Homero, Moby Dick, de Herman Melville, dentre outros.
BPV: Com o advento da BNCC, o cinema ganha uma movimentação orgânica nas práticas desejáveis para o que está postulado como direcionamento de ensino?
Leonardo Campos: Tudo depende da articulação do docente. A SOCINE (Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual) se manifestou lá em 2016, numa carta aberta ao Ministério da Educação e Ministério da Cultura. No documento, refletiu-se sobre a inserção de um eixo macro envolvendo artes, tais como teatro, música, pintura, sem o cinema como destaque. Os autores comentam a lei 13.006/14, voltada à obrigatoriedade do uso de cinema brasileiro por ao menos duas horas na escola. Assim, temos o que é o nosso direcionamento por lei, mas dentro das temáticas, o docente pode se articular e utilizar o cinema dentro das propostas que convenhamos, são bem interessantes na BNCC, mas pedem o mínimo de conhecimento do professor acerca do documento, algo que muitas vezes não acontece, pois recorremos, por falta de tempo ou interesse, aos resumos, lives, dentre outros substitutos. Assim, como subverter, mantendo-se dentro da legalidade, quando não conhecemos os direcionamentos que nos baseiam? Complicado. Falamos muito sobre leitura dos jovens, mas nós professores também precisamos investir mais tempo em atualizações.
BPV: Em determinado momento de sua fala, ficou evidente que é possível trabalhar ficção cinematográfica e literária até mesmo nas aulas de Matemática. Confesso que achei a proposta desafiadora.
Leonardo Campos: Foi uma descoberta incrível, pois sempre tive dificuldades com a área. Levei a formação para Brumado e Boquira, pela UNEB, proposta que funcionou muito bem com os professores participantes. Sabemos que na área temos os cálculos, fórmulas inevitáveis, mas também podemos pensar no lado filosófico da matemática e sua aplicabilidade no cotidiano. É demonstrar aos estudantes a funcionalidade daquilo tudo aprendido na “vida real”. Gênio Indomável, Uma Mente Brilhante, A Sala Fermat, 3×3, Cubo, O Preço do Desafio. É uma oportunidade para se refletir os estereótipos sobre a o professor de matemática sisudo, complexo, difícil, impossível de ser compreendido. Monteiro Lobato tem um livro chamado Aritmética da Emília, numa conexão com a literatura que também se faz importante. No cinema, os planos da direção de fotografia, os objetos e suas formas em cena, a arquitetura dos espaços, tudo isso pode ser conectado com a aula de matemática.
BPV: Matemática seria o limite? E nas aulas de Química e Física, por exemplo?
Leonardo Campos: Prefiro não estabelecer limites, mas confesso que a articulação de narrativas ficcionais com as áreas em questão é uma dinâmica mais complexa. Isto, no entanto, não impede que a pessoa na posição docente possa articular arte com o seu segmento. Numa aula sobre educação para o trânsito, por exemplo, podemos debater uma situação hipotética que envolva cálculo e um sinistro envolvendo carros, ônibus ou bicicletas. Cálculos de distância, movimento, força gravitacional, etc. Sem falar nos documentários, fontes de grande potência educacional, efetivas quando bem direcionadas pelo professor enquanto mediador. Numa aula recente, trabalhei situações indevidas de trânsito num episódio da série Modern Family. A trama girava em torno de um sinistro que quase ceifa a vida dos personagens, dispersos com a barulheira dentro de um carro a se deslocar pela cidade. Como eles se salvam, cada um começa a refletir sobre a sua vida e as coisas que poderiam mudar após a nova “chance” concedida pelo universo. Enquanto se debate comportamento, interpretação de texto e tópicos correlatos, o docente da área pode criar as suas questões e promover uma aprendizagem mais contextualizada e envolvente. Tudo depende da vontade, sabe? Do querer criar algo mais interessante, indo além do que já está estabelecido nos materiais basilares do programa de ensino da unidade que resolver amplias suas propostas.
BPV: Conforme as suas últimas publicações, a metodologia da pesquisa analisada por um viés cinematográfica tem sido o seu foco de trabalho. Quais são os propósitos?
Leonardo Campos: Foi uma descoberta enquanto professor de Metodologia da Pesquisa Científica logo no primeiro ano de docência no Ensino Superior. Levei de imediato para o Ensino Médio e vejo possibilidade no Ensino Fundamental. Filmes como Guerra do Fogo, Fim dos Tempos, Do Fundo do Mar, Erin Brockovich, Histeria, O Nome da Rosa, dentre outros, trabalham com figuras ficcionais em situações de pesquisa ou em busca de expansão do conhecimento em prol de alguma resposta para resolução de um problema. É uma proposta que permite o estudante refletir sobre o que é e como se procede numa pesquisa, numa caminhada que ainda permite encontrar objetivos, hipóteses, justificativas, metodologia, etc. Sempre indico para estudantes em produção de TCC, bem como aqueles que desejam se articular melhor na escrita, pois são narrativas que expandem o raciocínio e permitem aguçar o senso crítico. Veja o caso de Erin Brockovich, com Julia Roberts. Ela é uma cidadã que ressignifica a sua vida durante uma pesquisa. Com o filme, debatemos os procedimentos de uma investigação, o que fazer, o que não fazer, como organizar o conteúdo que levantamos para análise, como lidar com os resultados. É um caminho que tal como as demais propostas envolvendo cinema e educação, pede ao docente um mínimo de empreendimento na sequência didática que pretende elaborar. Não apenas exibir o filme, mas ter um texto motivador como guia, elaborar questionamentos e promover debates.
BPV: Muito além de ser um recurso para os estudantes, o cinema também pode ser uma estratégia para motivação dos docentes, figuras em aprendizagem evolutiva constante, ao menos pelo que se espera de um profissional em busca do melhor. Conta para o nosso leitor sobre o seu projeto intitulado Cinema Espelho, direcionado aos professores?
Leonardo Campos: É um projeto em desenvolvimento desde a época da graduação. Filmes sobre professores em sala de aula permitem que nós, docentes, possamos nos articular com as abordagens e no processo, ficamos inspirados. O Substituto, O Sorriso de Monalisa, Sociedade dos Poetas Mortos, Mentes Perigosas, Preciosa, Entre os Muros da Escola, Tudo Que Aprendemos Juntos, dentre tantos outros, podem funcionar como “espelho” para práticas desejáveis, além de nos permitir a reflexão sobre as demandas cotidianas do sistema educacional em que nos inserimos. São narrativas que possibilitam espelhamento entre o espectador, neste caso, o professor. Assistimos e nos envolvemos enquanto entretenimento, mas em todas as produções selecionadas para este projeto, temos uma discussão sobre algum ponto da nossa prática. É uma proposta que já foi levada e recebida com sucesso em formações de professores nem várias cidades do interior da Bahia, tais como Conceição do Coité, Boquira, Brumado, Feira de Santana e aqui em Salvador.
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Entrevista Exclusiva
De comediante a radialista, conheça Rodrigo Villa
Além de ator, criador de conteúdo, radialista, ele ainda faz “malabares de coco verde”

Por Carla Melo ♦ Jornalista
Provavelmente você já deve ter se deparado com a excêntrica Bisteca no feed do seu Instagram. Quem sabe até visto Sandra Xamã, Dirce ou a Pandora. Mas atrás dessas diferentes personagens, cada uma com sua personalidade e vivacidade, está Rodrigo Villa, “ou somente Rô para os íntimos”, um dos humoristas mais queridos de Salvador e que faz qualquer um se acabar na gargalhada. É claro de que o seu espacinho estava garantido no quadro ‘Gente da Gente’, aqui do Bahia Pra Você. Confira abaixo esse bate-papo incrível.
Carla Melo: Ator, humorista, criador de conteúdo, radialista e sempre levando alegria com muito conteúdo para todos os baianos. Afinal, quem é que está por trás de um dos humoristas mais excêntricos de Salvador?
Rodrigo Villa: Sempre fui uma criança extrovertida, do tipo que adora “se amostrar”. Era só ter um aniversário de família que lá estava eu tentando roubar a atenção de todos, seja contando piadas ou imitando tios e tias. Chegando à fase adulta, a vontade de me tornar ator cresceu tanto que não consegui mais adiar esse processo e olha que eu tentei.
Trabalhei muitos anos com vendas, atendimento ao público, me formei no curso técnico de segurança do trabalho e tentei, sem sucesso, me formar duas vezes em administração. Eu acreditava que eu deveria ter uma profissão que me assegurasse uma garantia financeira e só depois tentaria o teatro como válvula de escape. Me enganei feio.
Em 2013 fui tragado de uma vez pelo mundo das artes cênicas. Me formei no vigésimo terceiro curso livre da escola de teatro da UFBA, depois fui convidado pelo diretor Márcio Meirelles para fazer parte da nova turma do curso livre de teatro do Vila Velha e a partir daí fiz diversos trabalhos no teatro, cinema e internet e hoje faço parte da Cia Baiana de Patifaria do canal de Youtube “Na Rédea Curta”.
“Posso afirmar que ser ator não é uma coisa fácil, mas me completa como ser humano hoje”
C.M: Como surgiu essa intuição para a comédia?
R.V: Quando a gente não se encaixa num perfil pré-moldado por uma sociedade extremamente preconceituosa, é necessário criar subterfúgios para se proteger. O humor nasce em mim como uma arma de proteção. Eu precisava ser aceito no grupo, eu precisava disfarçar a minha “viadagem”, eu precisava ser “descolado”. Eu não era o mais bonito, nem o mais inteligente da escola, mas sem dúvida eu era o mais engraçado de todos.
“E quem não quer estar do lado de alguém engraçado?”
Hoje, tendo noção exata de quem eu sou e do que quero para a minha vida, o humor ganha uma nova roupagem e passo a utiliza-lo como ferramenta de mudanças em mim e nos que me circundam. Amo a sensação de arrancar gargalhadas das pessoas, de fazer com que elas se sintam bem pelo menos por alguns momentos.
C.M: E você, se lembra do seu primeiro trabalho como humorista?
R.V: Meu primeiro trabalho como humorista foi em 2013. Eu e o ator Sulivan Bispo fomos convidados para fazer uma ação para uma operadora de celular na frente de uma plateia enorme, lá interpretamos duas senhoras loucas que estavam revoltadas com o sinal ruim das outras operadoras e acabavam arrumando confusão com a plateia toda. Morro de rir só de lembrar.

Atores Sullivan Bispo (à esquerda) e Rodrigo Villa (à direita)
C.M: Você sabe quantos personagens já passaram em sua vida?
R.V: Ao longo dos meus 8 anos de carreira já dei vida a mais de 15 personagens diferentes, com certeza.
C.M: Me conta a história de criação de um que tenha sido marcante em sua vida?
R.V: A Sandra Xamã tem uma história incrível por traz da sua criação porque ela nasceu em um momento muito bacana da minha vida e com a ajuda também de pessoas queridas como meu primo Sérgio Villa e um grande amigo Alexandre Reis. Eu queria tirar sarro dessa galera que se auto declaram sensitivos e mediúnicos e acabam falando tantas baboseiras em nome dos signos e colocam a culpa nos astros por suas desventuras em vida, mas respeitando os profissionais que se dedicam ao estudo dos astros e de todas as suas vertentes.

Sandra Xamã, personagem de Rodrigo Villa
C.M: E quais foram os lugares mais incríveis que o teatro já te levou?
R.V: Sempre quis conhecer mais o meu estado. Quando comecei a fazer parte do time da Cia Baiana de Patifaria experimentei a sensação de fazer uma turnê por diversas cidades no interior, e todas elas foram maravilhosas. Confesso que a minha cidade preferida é Vitória da Conquista. Amei a cidade, o público, o clima e engordei 11 quilos lá, uma vez que a comida é maravilhosa.

Foto: Arquivo pessoal
C.M: Além de ator, você também é radialista, não é isso Rodrigo?
R.V: Sim, me descobri radialista a pouco tempo, graças ao convite do querido Rafael Lomes da Rádio Digital (antiga rádio Globo). Ele queria um ator capaz de se comunicar de forma objetiva e leve, para ser comentarista de um novo programa chamado “No Ar”.
C.M: E como é levar informação para as pessoas, em tempos de fake news e inutilidade da informação?
R.V: Eu tenho muito cuidado com o que sai da minha boca. Costumo pesquisar informações em diversas fontes diferentes até ter uma certeza de que a informação procede. Em tempos de fake news a gente engole um boi, mas se engasga com uma mosca. O resultado da disseminação de uma informação equivocada pode ser catastrófico, vide o nosso atual despresidente.
C.M: Umas das coisas mais incríveis para mim, é me surpreender positivamente com alguém que admiramos muito. Você tem alguém como referência em sua vida?
R.V: Na minha vida, a minha maior referência é a minha mãe, que sem querer, é uma das pessoas mais engraçadas que conheço. A gente vive entre ‘tapas e beijos’, mas ela é o amor da minha vida e minha maior apoiadora.
C.M: E para a criação dos seus personagens, Rodrigo, alguém em especial?
R.V: No teatro a minha referência é o meu atual chefe e colega de cena Lelo Filho. Está para nascer uma pessoa que trabalhe tanto em prol da cultura do seu país e dos profissionais da arte. Além de ser um excelente ator, produtor, diretor, Lelo é um ser humano ímpar que se preocupa com o bem estar de toda a sua equipe dentro e fora do teatro.
C.M: Bisteca é sucesso! Qual é a história desta personagem?
R.V: Bisteca foi um presente dado a mim pelas mãos do meu irmão de alma Thiago Almasy (Junior do “Na Rédea Curta”).
Todo mundo conhece uma Bisteca. Aquele ser divertido e escrachado que conhece todo mundo do bairro e sempre tira boas gargalhadas de todo mundo. Bisteca carrega em si o peso de ser uma pessoa não binária, suburbana e que sobrevive do seu bar e de faxina. Lembrou de alguém? Pois é, eu disse que todo mundo conhece uma Bisteca.
De fato, Bisteca apronta todas, mas respeito é bom e ela gosta. Não pise no calo dela.

Bisteca, personagem sucesso de Rodrigo Villa. Foto: Arquivo Pessoal
C.M: Ouvi certa vez, e talvez quem está nos lendo exatamente agora já deve ter escutado a seguinte frase: Não basta não sermos racistas, sejamos antirracistas, e essa frase nunca sai de moda, porque ela fala de uma problemática que persiste e cada vez mais torna-se compatível. Para Rodrigo Villa, qual é o papel do artista quanto ao racismo? Basta ser somente artista nesse cenário?
R.V: A vantagem de ser artista de certa forma é a possibilidade da sua voz ser ouvida por mais pessoas. Não só no que diz respeito ao racismo como também tantas outras questões sociais, o artista tem a obrigação de intervir e fazer o povo pensar.
“Sou antirracista nos palcos e na vida, não dá mais para aceitar nenhum tipo de preconceito calado, é preciso agir e não somente reagir. Mudanças extremas exigem atitudes extremas às vezes.”
C.M: No mês passado tivemos o mês do Orgulho LGBTQIA+, mas sabemos o quão é necessário levantar essa bandeira todos os dias, porque diariamente somos impactados com notícias deploráveis de LGBTfobia, violência contra a comunidade e muito mais. Como artista, comunicólogo, como você tenta levar a importância disso?
R.V: Por onde passo eu deixo muito claro a minha sexualidade e a minha opinião contrária a tudo que nos coloca como seres menores ou de menor valor. Sou militante da causa da minha comunidade, de modo que todos os meus trabalhos estão regados desse discurso.
C.M: Já enfrentou algo desagradável em sua vida profissional?
R.V: Enquanto homossexual, convivo com o preconceito diariamente, mas agora já consigo de certa forma me blindar de situações desagradáveis que envolvam homofobia. Em geral sou muito político com quem pensa diferente, mas se me causar danos físicos ou a alguém que eu amo, parto para a porrada literalmente.
C.M: Quanto tempo durou até que seus personagens viralizassem na internet?
R.V: Minha carreira como humorista começou nos palcos de Salvador com a Cia. Baiana de Patifaria. Digamos que comecei a ficar conhecido por conta das minhas personagens no espetáculo “A Bofetada”, que já possui um público cativo de 31 anos de história.
A personagem que realmente fez sucesso no ambiente digital foi a Bisteca, que já nasceu dentro desse aspecto de vídeos para Youtube, visualizações e compartilhamentos. Hoje “Talita” a minha mais nova personagem está dando os primeiros passos nas redes sociais. Em verdade não me preocupo muito com a ideia de viralizar, apenas quero ser feliz com o que escolhi como profissão e poder também me sustentar financeiramente.
C.M: Você se lembra de algum momento marcante durante a sua vida artística e que leva no coração?
R.V: Um dos momentos mais marcantes da minha carreira aconteceu em Camaçari, no teatro Cidade do Saber. Estávamos em cartaz com “A Bofetada” e eu estava na cidade pela primeira vez. Entrei em cena e paralisei quando percebi que o teatro, que é gigantesco, estava lotado. A energia que troquei com o público e os aplausos que duraram mais de cinco minutos me marcaram até hoje.

Foto: Arquivo pessoal
C.M: Mas conta para mim, e o coração? Morrendo de saudades dos palcos?
R.V: Eu costumo dizer que a pandemia quebrou a minha alma. Quase perco meu pai por conta desse vírus maldito, me afastei de todos os que amo e fiquei longe dos palcos. Saudade é pouco para descrever o que estou sentindo não só dos palcos, mas da vida normal em geral.
Contudo, de certa forma, voltarei aos palcos com mais certeza de que amo o que faço e que é isso que quero para o resto da minha vida.
C.M: Rodrigo, como eu disse: você foi sucesso na caixinha de perguntas!! Muita gente te acompanha e ama o seu trabalho. Qual o recadinho você pode deixar para essas pessoas que tanto o admiram?
R.V: Fiquei muito feliz quando soube que fui citado tantas vezes na caixinha de perguntas de vocês. Isso é reflexo de um trabalho muito duro e muita dedicação.
Em primeiro lugar eu quero agradecer ao carinho e amor que recebo todos os dias por todos que admiram meu trabalho. Vocês não sabem o quão são importantes para mim. Para o ano que vem, prometo novos projetos, o retorno os palcos e outras novidades que ainda não posso contar. Desejo que tudo isso passe logo e que em breve a gente possa se abraçar e se encontrar nos teatros, nas praças, nas festas, nos carnavais. Vacina para todos, viva o SUS e fora Bolsonaro!
Entrevista Exclusiva
No limite? Quem tem limite é município
Conheça a história de Marco Araújo, o catuense que foi a pé de Catu (BA) até Macaé (RJ), em busca de um sonho

Por Carla Melo ♦ Jornalista
Você faria tudo por um sonho? Bom, essa pergunta não é nada simples, mas Marco Araújo, não só respondeu, como fez tudo pelo seu objetivo de vida. Essa pergunta levou esse cara diferentaço, a ultrapassar todos os limites. Apesar de sua coragem começar quando ainda era criança, foi no dia 25 de outubro de 2020, em plena pandemia, decidiu partir, a pé, de Catu (BA) rumo à Macaé (RJ). Conheça a jornada desse catuense, dos pés à cabeça, em um bate-papo descontraído.
Carla Melo – Antes de começar a falar sobre a sua história de superação e coragem eu quero te conhecer. Afinal, quem é Marco?
Marco Araújo – Eu sou natural de Catu, tenho 33 anos, filho de professores, tenho dois filhos: Valentina e Pedro. Tive uma infância com muita danação. Era um garoto muito levado, que sempre gostava de fazer o que vinha na cabeça, sempre busquei fazer o que queria e sou assim até hoje.
Sou técnico em Petróleo e Gás, profissional na área de perfuração de poços de petróleo. Joguei alguns cursos superiores para cima também, justamente por esse lado de gostar de testar, de estar me testando. Além disso, também trabalho com recuperação de área degradada com plantação da floresta do futuro. Costumo dizer que sou igual a um canivete suíço: tem ‘N’ ferramentas, diversas habilidades e estou pronto para viver essa vida maravilhosa.
CM – Tem gente que quando traça um plano, busca diversas formas de conquistá-lo, de inimagináveis jeitos. Um deles foi o seu, que conquistou cada pessoa que acompanhou sua intensa trajetória, mesmo que através da telinha do celular. Como surgiu a ideia de percorrer, a pé, até o Rio de Janeiro para realizar este sonho?
MA – A ideia de ir a Macaé andando surgiu por conta de uma demanda pessoal: eu estava há cinco anos fora do mercado de trabalho que eu atuava, que era perfuração de poços e estava sempre buscando alternativas para voltar, mas ficava cada vez mais difícil. E eu falei: eu vou ter que fazer algo diferente para poder conquistar o que estou querendo. Eu vou mexer com mais pessoas e vou conseguir desta forma. Os meus cursos estavam todos vencidos.
Eu tinha na cabeça que quando eu chegasse lá, ia conquistar os meus objetivos, que eu ganharia todos os cursos que eu precisaria para voltar para a área. Eu saí com o mínimo possível e acreditando que as pessoas me ajudariam. Depois de crises que eu passei, mental, espiritual, física. Fiquei desempregado, veio a separação, passei por um processo depressivo, me levantei e fui entender que eu precisava de mim para estar vivo e para fazer o que quiser.
CM – Eu já imagino o crescimento que você teve a partir da escolha que fez. Mas, por que Macaé? Existe algo por trás dessa escolha?
MA – Porque lá é o berço do petróleo nacional. Então minha área de atuação, as empresas estão lá. Eu já conhecia Macaé. Há uns cinco anos trabalhei lá, de maio de 2012 a agosto de 2015 e foi o objetivo de retornar mesmo e continuar um sonho.
CM – Um plano como este certamente gerou muitos comentários, muita gente curiosa para saber qual era o seu objetivo e até onde você queria chegar. Você recebeu muitos incentivos?
MA – Ah, recebi muito. Teve seguidores que me mandaram mensagem do primeiro até o último dia, sem faltar um dia. Recebia apoio nas redes, nas estradas, dos amigos, da família, em alimentação, em dinheiro. Amigos me ajudaram a encontrar estadia. Conheci oito famílias que me abrigaram durante essa jornada. Pessoas que abriram as portas para um desconhecido, num período de pandemia: isso para mim é algo surreal, divino.
Nas redes…
Saí de Catu tendo 1.180 seguidores, cheguei em Macaé com quase 10 mil. Então, era apoio por cima de apoio, muita gente mandando energia positiva. No princípio, muita gente me chamando de doido, de maluco e depois esses mesmos colocaram nas suas redes sociais me parabenizando, me mencionando. Então não fiz para agradar ninguém, era por mim mesmo, mas eu sabia que naquele momento eu conseguiria ajudar muitas pessoas também.
Influência…
Muita gente me agradecia pelo incentivo também, porque estavam passando por situações diversas. Pessoas depressivas, pessoas que tinham feito cirurgia, que tiveram diagnósticos de diversas doenças. As pessoas se alegravam em ver minha força de vontade, minha determinação, minha garra, minha fé. Então, isso para mim, foi a parte mais gratificante da jornada.
CM – E os desincentivos? E apesar de já imaginar sua resposta (risos), eu queria saber se por algum momento esses comentários negativos te afetaram.
MA – Ah, com certeza. Eles não me abalaram em momento nenhum (risos). Não chegava nem um pouquinho a me movimentar. Pelo contrário: eu revertia todos eles em incentivo para mim e ir em busca dos meus objetivos, porque nada disso me afetava. Era Marco com ele mesmo, porque era ele que iria caminhar. E um abraço (risos).
CM – Bom, eu como uma boa seguidora de Marco Araújo (risos), também acompanhava diariamente a sua caminhada. Queria saber a história por trás dos seus bordões, como ‘Quem tem limite é município’ pelo qual você ficou tão conhecido.
MA – O ‘Quem tem limite é município’ surgiu quando eu estava atravessando os limites dos municípios de Muritiba e Cruz das Almas, quando eu vi uma placa com as palavras limite e município e aquele momento que eu estava vivendo. Eu estava quebrando todos os limites, de tudo. Do preconceito, os limites físicos, mentais, espirituais. Eu estava passando por cima de tudo isso. O ‘Gratidão total, universo’, é que eu gosto muito da palavra gratidão, sou extremamente grato a Deus e ao universo pela minha vida e pela vida dos demais. Era o momento de energia que eu sentia que muita gratidão que eu sentia. É logo gratidão ao universo todo (risos).
CM – E além da gente sentir firmeza em suas ações, a gente também sente em sua fala. De onde vem essa coragem, ‘homi’? Você já havia se arriscado em aventuras assim antes?
MA – A vida da gente por si só já é um desafio tremendo. Não tinha feito nenhum desafio desse porte, mas já fui desafiado diversas vezes, em diversas modalidades esportivas. Eu nado, eu pedalo. Já pedalei mais de 150 km em um dia, já corri de uma cidade a outra, de Catu a Alagoinhas. Então eu sou do movimento. Não sei de onde surgiu, mas sabia que tinha que ser dessa forma.
CM – Só para entender, como você se organizava? Você tem a dimensão de quantos quilômetros você percorria por dia, por exemplo? Tudo já estava planejado?
MA – A princípio eu tinha um planejamento de percorrer 60 quilômetros por dia e descansar e parar em alguns pontos específicos durante os finais de semana. Mas nos primeiros dias da jornada, todo esse planejamento foi por água abaixo. Não tinha uma distância certa. A princípio ia ser 60km, mas como eu vi que ia ser muito puxado, apesar de ter andado 73km no primeiro dia, eu percebi que não tinha condições de caminhar assim, então eu reduzi essa meta para 40 km, mas tudo era de acordo com a distância de uma cidade para outra.
CM – Onde dormia?
MA – A preocupação passou a ser o lugar que eu iria ficar, para dormir, descansar. Então, a cada chegada em uma estadia, era planejado o dia seguinte. Então eu chegava em um determinado lugar, procurava no google maps a próxima cidade e entrava em contato com a pousada do lugar. Nas primeiras semanas eu tomei pancada. Em Conceição do Almeida, quase não encontro um lugar para ficar. Tive que implorar, pedir, chorar. Dormia em pousadas, hotéis às margens da BR, fiz dois acampamentos e na casa de oito famílias.
CM – Onde e de que se alimentava diariamente?
Eu me alimentava nos postos, e de acordo com as oportunidades que iam aparecendo durante a jornada. Passei por perrengue de ter condição, dinheiro para me alimentar e aquele trecho não ter onde nenhum lugar para comprar. E aí o alimento vinha das estradas, das frutas, dos caminhões que jogavam alimento. Era muito fantástico, muito casado.
CA – Além do seu inseparável diário de bordo, que era seu celular e a sua força de vontade, o que mais carregava em sua mochila?
MA – O básico do básico: eram ferramentas que eram extremamente importantes para o processo como uma faca, corda, lona, as roupas, tênis (outro par). Eu não levava de forma nenhuma excessos, como alimentações, porque eu tinha na minha mente que eu as faria no trajeto. Também levava um cajado, uma bateria externa e só. Minha mochila também tem uma pack para reservatório de três litros de água. Basicão. O que precisava para sair vivo da jornada.
CA – Quais foram as maiores dificuldades que você encontrou no trajeto?
MA – Foram “N” dificuldades, “N” desafios, muitas barreiras. Como eu costumo dizer para a galera: uma jornada dessa é como se fosse uma jornada de vida de qualquer pessoa. Cheia de altos e baixos, cheia de obstáculos, cheia de desafios. Mas a parte mais difícil foram os dois acampamentos. Um deles, fiz na margem da BR, não teve nenhuma proteção em volta, só com uma lona cobrindo e o outro fiz dentro de um cafezal. Os acampamentos já estavam no plano, antes da jornada já tinha ideia de que iria fazer algum acampamento.
CA – E o que foi mais incrível que você encontrou?
MA – A parte mais incrível da jornada foi poder desconstruir todo esse pensamento que as pessoas têm de achar que o mundo está cheio de pessoas ruins. As pessoas têm muito medo, e eu acredito que pelo lance de você estar absorvendo só informações negativas. Conhecer pessoas, lugares, conhecer culturas novas também foi muito gratificante nesta jornada. É um aprendizado surreal.
CM – E o resultado dessa história. Conseguiu atingir seu objetivo? Conseguiu o emprego?
MA – Ah, com certeza consegui atingir o objetivo. Até porque era uma das metas: só retornar para a Bahia depois que eu atingisse o objetivo de retornar ao mercado. Estou há três meses a serviço desta empresa, atuando na minha área profissional, que é a perfuração de poços de petróleo. Já apareceram outras propostas também para atuar na área e conquistei todos os cursos. As três grandes empresas que fornecem os cursos, me ofertaram mais de seis, que demandariam entre R$ 5 mil e R$ 6 mil.
CM – Não somente a sua caminhada foi motivo de felicidade, mas também a sua chegada no destino. Qual foi a emoção dessa surpresa de reencontrar sua família no Rio de Janeiro?
MA – Rapaz, aquilo ali foi surreal porque não era esperado. Era aniversário do meu pai, dois dias antes da minha chegada. Eu tinha visto que eles sairiam para comemorar, mas não passava na minha cabeça que eles viriam para o Rio de Janeiro, para aguardar a minha chegada. Extremamente emocionante.
CM – Tem outros desafios pela frente?
MA – Tem horas que eu fico aqui em casa, no sítio, quando estou com a natureza. Já fico pensando em como eu vou fazer nos próximos desafios, qual é o objetivo, qual o alvo. Eu fico sempre me planejando porque eu gosto de me desafiar. Eu tenho outros grandes sonhos também. Um é subir o [Monte] Everest e o outro é fazer o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. E agora, também estou focado em estudar inglês justamente para realizar este próximo desafio.
Marco fez questão de deixar uma mensagem para você, leitor:
“Uma mensagem que eu gostaria de deixar para a galera é para que elas não desistam delas e sigam em busca dos seus sonhos. Busquem seus sonhos, busquem seus objetivos. Não deixem que os seus sonhos sejam apenas sonhos. Sigam em frente, batalhem e conquistem. Minha jornada me mostrou muito disso. Aquilo foi um dos momentos mais gratificantes que eu já vivi, não pelo fato de estar só ali, porque eu não me senti só em momento algum, mas porque você estar caminhando ali sozinho e naquele momento você se esvaziar de tudo o que é externo. Você se esvaziar de ego, de preconceito, de política de esquerda e direita, de igreja e buscar ser você mesmo. As coisas acontecem e a gente só vai conquistar aquilo que a gente quer quando nos tornamos nós mesmos.”
-
Serviçoshá 2 dias
Vagas de emprego para esta quinta-feira (20)
-
Serviçoshá 2 dias
Simm oferece 38 vagas para esta quinta-feira (20)
-
Serviçoshá 1 dia
SIMM oferece vagas de emprego para sexta-feira (21)
-
Políticahá 2 dias
Robinson Almeida rebate Bruno Reis e destaca investimentos do Governo do Estado na saúde de Salvador