Bahia Pra Você

Caique Pituba, o ilustrador, professor e líder do Bando de Cabeças

Conheci uma figura hilária. Na cidade onde mora ele é facilmente identificado como Caique de Cleciane, ali da loja de festa, neto de Netinho (“uma doce ironia do destino”). Na real mesmo, ele pode ser, de longe, reconhecido pelo seu “visual exótico”. Uma figura “diferentaça” em meio a uma pequena cidade, como Nova Soure no sertão baiano. Você possivelmente vai lembrar quando alguém disser: “Aquele menino doido de Cleciane. Aquele neto de Netinho, aquele doido”.

Com essa inusitada introdução, que ele mesmo conta, entre diversos substantivos e adjetivos, eu apresento o multifacetado Caique Pituba. Ilustrador, professor e líder do Bando de Cabeças. Mas além disso, conquistador e colecionador de boas risadas com seu jeito inovador de ensinar, de desenhar e de dar entrevistas, em meio às gírias, boas risadas e figurinhas de WhatsApp. Confira o resultado desse bate-papo!

Carla Melo – Quando vemos o seu trabalho nas redes sociais imaginamos um cabra que está ali na tela do celular, mas não sabemos de fato quem está por trás dele, do cara que brinca, que tem um jeito inovador de falar e criar. Qual é a sua história, Caique Pituba?

Caique Pituba – Eu nasci em Salvador, fiquei até uns seis anos e tal, e aí eu vim para Nova Soure, que é uma cidadezinha no sertão da Bahia. Uma cidade pequenininha, aqui não tem nenhuma cachoeira e nada assim demais. Assim, tem um ‘cristozinho’ aqui na estrada, meio esquisito (risos). Enfim, não é uma cidade que tem um grande charme, a não ser o charme das pessoas, de crescer aqui. Para mim tem um apego muito grande, uma nostalgia de ter crescido nesta cidade, do lance do sertão, da cultura, do jeito das pessoas, enfim, isso me conecta de um jeito muito especial. Sempre desenhei, desde pequenininho. Nas minhas primeiras lembranças eu tinha cinco, seis anos e não parei mais. Cresci neste contexto e, eventualmente, voltei para Salvador no ensino médio, sempre fui uma criança que teve acesso à informação, à educação, mas sempre conectado com a arte. Eu cheguei a fazer faculdade de contabilidade – olha aí que miséria – de Ciências Contábeis, na Universidade Federal da Bahia (Ufba) por seis anos e esse tempo na contabilidade me ajudou a enxergar o que eu queria fazer da vida mesmo.

Um detalhe importante:

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Trabalhei em algumas escolas, mas recentemente, no ano passado, com a pandemia, eu me desvinculei do trabalho que eu tinha, comecei os meus projetos de curso por conta própria mesmo e agora eu estou há uns seis meses de volta para a minha terra, e está sendo muito massa. Era uma coisa que eu queria fazer, que era o resgate da minha infância na temática que eu trabalho: do sertão, do cangaço e etc. E apesar da corona, da pandemia, eu estar me mantendo em casa, acho que a vibe, só de estar aqui já me inspira.

CM – Você me falou que em seus cinco, seis anos de idade, você já desenhava, mas eu quero saber se sempre foi o seu sonho ser ilustrador. Quando e como começou a surgir essas faíscas para se jogar na Ilustra?  

CP – Então, é até meio sem glamour (risos) porque eu comecei a desenhar e pá, só que teve realmente esse momento: nossa, é possível trabalhar com isso, hein? Que legal! Eu queria ter uma resposta mais emocionante assim, de um querubim, que desceu do céu e me iluminou e falou no meu ouvido. De eu ver uma árvore pegando fogo em um tabuleiro aqui na roça, mas não. Eu tava jogando um jogo, que era o God of War (risos), que inclusive era o meu hábitat natural na infância, na adolescência. Então quando você termina o jogo, aparece um making off e eu tinha uns 12 ou 13 anos, e nesses vídeos de making off você via a galera, a equipe do jogo trabalhando e criando o visual dos personagens e dando vida àquele universo. Esse momento explodiu a minha cabeça. E eu acho que esse foi o estalo.

CM – E você ainda é professor..

CP – Véi, então. Agora você tocou no ponto, parceira. Nesse lance de estudar, e eu penso muito nisso, não sei se seria bom para mim, ter feito uma faculdade de artes porque assim, eu fui estudar pela internet mesmo. Vídeo aula para caramba, coisas no YouTube, os gringos lá ensinando e isso é muito massa porque, ao invés de dizer: eu sou autodidata, na verdade o que acontece é o contrário. Pela internet hoje você encontra os melhores professores do mundo. Foram horas e horas de conteúdo. Aí eu comecei a viajar muito em alguns professores e eu adorava muito a maneira como os caras ensinavam, como organizavam os pensamentos. Eu comecei a curtir muito isso. Eu pensava: pôxa, que legal como esse cara consegue pegar um tema complexo e simplificar.

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CM – E suas inspirações? ou ensinar foi algo que você viu que poderia dar certo, tentou, e deu certo?

CP – Tipo, uma coisa que aparentemente não tem nada a ver, mas cada vez mais eu acho essa conexão, que é o lance do RPG, aquele jogo lá de nerd, que eu sou para car**** (risos). Então, nesse jogo tem um cara que a função é o mestre, que conduz o jogo, a história que está acontecendo e eu sempre gostei de ser esse cara no jogo, entretendo os jogadores. Então esse lance da comunicação eu desenvolvi muito no RPG e aí eu comecei a me interessar muito no lance de dar aula, muito por causa disso, dessa coisa de estar guiando uma experiência e de consumir as videoaulas e outras coisas foram culminando na vontade de dar aula. E aí, em 2017 eu fiz a minha primeira turma, totalmente independente. E aí, de uma turma, vai levando a outra e de repente fui parar em uma escola bem bacana de Salvador e hoje estou totalmente focado mesmo no lance de dar aula, que é o que eu curto mais. Acho que eu me vejo no fim da vida mesmo é dando aula. E penso em fazer talvez uma faculdade, ou na área de artes para poder dar aula em uma universidade ou até em pedagogia porque eu realmente criei uma paixão pela sala de aula, sacou?

CM – Em suas ilustrações você faz questão de representar o Nordeste e o sertanejo, trazendo suas características fortes e regionais, mas também os apresenta com elementos que o tornam ainda mais fascinantes, dando um certo tipo de super poder. De onde surgiu essa ideia?

CP – Esse lance é um subgênero da ficção científica, meio conhecido, não muito conhecido, talvez que é o SteamPunk. O Steam vem de vapor e punk vem de punk mesmo, sei lá (risos) mas que é um subgênero que parte de um princípio que eles chamam de retrofuturista. É tipo assim: e se o passado… Perae que eu perdi a linha de pensamento. Ah, e se no passado a tecnologia a vapor tivesse superdesenvolvido e virado uma supertecnologia que fosse capaz de criar maravilhas e tal. Aí você tem aquele cara, o pai da ficção científica, o Júlio Verne, que trabalha muito com essa ideia, da tecnologia a vapor. E aí, eu também segui, ao mesmo tempo com a mesma coisa do vapor e da tecnologia e as vezes trazendo um elemento meio rústico. Comecei a ver em 2015 o primeiro personagem que eu fiz, misturava o cangaço com o steampunk – e desde então, eu viajo muito nessa coisa, sempre tento brincar com isso, explorando essa ideia da tecnologia. Além de buscar essa coisa cultural do Nordeste não ficar também muito preso nisso.

CM – Em que você se inspira para criar os personagens?

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CP – Eu tento buscar como referência qualquer coisa. Não tento me restringir a algum artista em específico, gosto de muitos artistas, que admiro e vejo pela internet. Tudo isso vai nessa sopa de referências, mas eu acho que o que mais toca é o que eu busco no dia a dia, principalmente aqui em Nova Soure. Sair na rua, rabiscar uma pessoa, aí no rabisco sai uma forma interessante e essa forma eu falo: puts! Vai dar um personagem ‘daora’ e aí meio que começa a dar uma viajada em cima disso, sacou?  Tenho até, por exemplo, alguns desenhos de um personagem que eu criei, que foi o Boião, um cangaceiro fortão, com uma arma tipo um canhão e ele é daqui da cidade, uma personalidade que a gente conhece. Sempre tento buscar nos nomes. Eu sempre tento lembrar muito dessas coisas de nome, das figuras, do visual.

CM – Sim… o mais incrível é que parece que você está inserido em suas ilustrações. Você se identifica com seus personagens ou estou “viajando” demais?

CP – É isso mesmo. Tem vezes que eu quero, sei lá, botar uma coisa mais autobiográfica, porque essa coisa do estilo e do próprio prazer em desenhar. Quando a gente é criança, você desenhar é tão gostoso. Você senta, esquece do mundo. Vai ficando adulto, começa a ficar julgando mais e achando tudo meio ruim, enfim, e esquece dessa vibe, desse prazer e eu acho que prazer tem muito a ver com a coisa da sinceridade do que você está fazendo. Se colocar no trabalho de alguma maneira, seja através dessa referência ou diretamente. Então, eu mesmo ali, no dia a dia com coisas do meu dia a dia, reflexões ou as vezes eu mesmo. Eu uso muito eu também, para de alguma forma me conectar com o que eu estou fazendo, e é divertido, né vei? Engraçado. Eu gosto de mim assim, em geral (risos).

CM – E o amor próprio é tudo, né Caique? (risos). É fato que você utiliza elementos usados pelos cangaceiros, tipo o chapéu de couro, o olhar característico, mas você também carrega junto a isso uma intenção social, histórica por trás das ilustrações, não é?

CP – Ah, com certeza. Eu acho que tem total a ver, no sentido da colonização cultural mesmo que a gente sofre, né? De só consumir o que vem de fora. Eu cresci consumindo o que vem de fora, claro, mas só consumir o que vem de fora e ter uma cultura de negar nossa própria cultura, acho isso meio bizarro. O cara conhece todos os filmes de faroeste, mas não sabe quem foi Lampião. Não conhece a história, pelo menos e nem é no sentido necessariamente de exaltar o cangaço, e sim, exaltar o momento histórico, que culturalmente é muito rico e pode gerar tantas histórias, né?

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Então, com certeza tem esse sentido sim, muito mesmo de uma descolonização cultural, de voltar os nossos olhos para coisas que são interessantes à nossa volta. Eu acho que o papel do artista, que é um equilíbrio bacana é tentar fazer esse processo inverso de pegar coisas que são interessantes que a gente tem do lado de fora e trazer para o nosso contexto e meio que criar uma coisa nova e que tenha esse lado original. E é total o meu grande ponto e também, eu como artista, acho ‘importantezão’ que o meu trabalho tenha destaque, eu preciso trazer essa experiência pessoal, que eu conheço e sei de fato.

CM – Você também entra nesse mundo nordestino, né? Já se intitulou até de Líder do Bando de Cabeças. Afinal como nasceu o Bando de Cabeças?

CP – Ah, menina. O Bando de Cabeças foi um projeto que eu fiz que eram várias cabecinhas de cangaceiros e eu pensei neste nome, Bando de Cabeças e aí foi um momento que eu meio que consegui consolidar meu estilo, o visual das coisas que eu fazia. E aí, com essa parada do Bando de Cabeças, começou, entre outras coisas, tocar em algumas engrenagens na minha cabeça, fazer algumas conexões e comecei a trabalhar em um projeto que eu sempre quis fazer que é uma história em quadrinhos, que estou lentamente tentando produzir, de pouquinho em pouquinho e que também se chama Bando de Cabeças. Era uma ideia mais de experimentar, de testar estilos, testar possibilidades dentro desenho de uma forma rápida para eu conseguir postar com frequência nas redes sociais e foi crescendo e foi virando uma história que eu estou tentando fazer acontecer. Foi por isso que eu dei o nome de Líder do Bando de Cabeças. Em breve pretendo lançar gratuitamente e totalmente pela internet.

CM – E você ainda tem um jeito de se comunicar com a galera que é único e que a galera se amarra, né? 

CP – Então, não sei, é tão natural né, véi? Acontece naturalmente. O que é legal é que, com um tempo eu comecei a curtir muito a minha aula, tá ligado? Eu comecei a ver que a galera curtia muito minha aula e eu comecei a ter a sensação de que, isso é uma coisa de todo o artista, ele olha para o seu próprio trabalho e sempre desvaloriza, né? Então eu comecei a ter essa noia de: pô, véi, eu gosto do meu trabalho, minhas ilustrações, mas eu gosto mais da aula, de dar a aula propriamente dita, tanto o resultado da aula, o feedback é muito positivo, a galera curte, esse jeitão do Pituba Show, do Tutorial do Mal, que também é outro quadro que eu fico xingando o povo e tem essa vibe mais divertida e isso a galera curte unanimemente. Então a ideia ali foi meio trazer um pouco dessa personalidade, trazer para as redes sociais e não só mostrar aquela superfície do desenho, mas mostrar um pouco essa minha personalidade, esse meio jeito de falar, de dar aula.

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CM – Você incentiva a galera que está começando na ilustração em seus vídeos, de forma inovadora, hilária. Você recebe muito feedback positivo?

CP – Eu viajo muito nisso. Acho que dando aula você percebe muito como as pessoas, não só dando aula, mas em minha experiência também, tem muito medo de errar, de não conseguir. É um bloqueio mental muito grande de produzir, de ir atrás de fazer uma atividade criativa. E eu sempre tento trazer essa ideia de que você é um ser humano como todos os outros e tem plena capacidade de criar, de se divertir, de criar coisas grandiosas com essa consciência que você tem. Eu gosto de incentivar a galera sim, porque faz bem para todo mundo, não faz mal nenhum (risos). Eu sempre recebo mensagem da galera dizendo que se sentiu motivado por eu estar dando esse gás, por causa dos vídeos, das coisas que eu falo. É o feedback que eu mais recebo e o que eu mais curto receber.

CM – Quando você começou a ver que a galera estava amarrada em suas ilustrações, qual foi a sua reação? 

CP – Foi muito massa ver isso acontecer. Quando eu estava estudando e começando também, sempre tiveram artistas que eu admirava, que eu gostava muito do trabalho, que eu via como ídolos e aí rolou o momento que eu recebi essas mensagens né? Esse foi o momento que eu comecei a sacar que a galera estava curtindo. Teve também um evento de artes, de uma escola que eu fui, em Curitiba, que ali eu fiquei impressionado mesmo, com as pessoas me reconhecendo: Ah, é Caíque Pituba! Pedindo para tirar fotos. Galera de fora do Nordeste inclusive, do Sul e de outras regiões. Então foi engraçado ver essa materialização desse retorno do meu trabalho. Muito massa. Isso foi há dois anos.

CM – Bom, você me falou de um personagem que gosta bastante, mas gostaria de saber qual seu personagem preferido?

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CP – Boa, acho que o personagem que eu mais curto é o Zé-de-Deus. Dentro desse contexto da história do Bando de Cabeças, ele é o vilão da história. É um personagem meio fanático religioso, que em nome de uma mudança espiritual, ele acaba traindo seus companheiros. Enfim, não vou dar spoilers, mas o Zé-de-Deus, eu acho irado porque o visual dele, porque como o objetivo final dele é ir para o céu, o rosto dele é meio uma seta para cima. O Zé-de-Deus é massa demais.

CM – O Caique Pituba tem outros projetos em mente?

CP – Então, eu estou organizando agora um movimento chamado Revolução do Proletár… Oh, isso aqui é outra coisa (risos). Boa pergunta, eu agora estou só indo com o fluxo, tentando fazer o que já inventei para fazer, que eu não tô conseguindo (risos). Os próximos projetos são mais envolvendo aulas, inclusive estou indo trabalhar lá nessa escola de Curitiba, organizar esse evento, que está sendo para mim um prestígio inenarrável, do lado de vários ídolos e é isso. Estou ‘felizão’ com essa conquista e o meu foco agora são os cursos, as aulas e paralelamente a isso, trabalhando nos projetos Pituba Show, Tutorial do Mal, nas lives e principalmente nos quadrinhos. E manter a minha sanidade mental também está sendo prioridade, essa pandemia veio lascando, ‘mas eu acredito é na rapaziada…’ (risos).

 

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