Cibercultura
A etiqueta remota: sendo síndico nas redes sociais e aplicativos
Muita gente ainda não sabe, mas existe uma convenção para a comunicação educada na era da virtualidade
![envolvidos nas teias da cibercultura que a cada dia nos apresenta uma nova perspectiva comunicacional. Aderimos aos aplicativos e redes sociais,](https://bahiapravoce.com.br/wp-content/uploads/2021/04/opposites-3808487_1920.jpeg)
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Professor Leonardo Campos
Estamos cotidianamente envolvidos nas teias da cibercultura que a cada dia nos apresenta uma nova perspectiva comunicacional. Aderimos aos aplicativos e redes sociais, utilizamos os e-mails como suporte para troca de mensagens pessoais e profissionais, mas em linhas gerais, ainda não compreendemos como lidar com as diferenças entre o espaço virtual e o contato presencial, dinâmica que para muitos é dividida entre a realidade e a virtualidade, isto é, um ambiente de “interações de verdade” e outro de “simulações”. Assim, neste processo de conceituações equivocadas, afinal, o virtual também é real, nossa comunicação entra em colapso quando observamos o quão podemos ser indelicados durante uma live, reunião on-line ou na troca de mensagens com nossos parceiros profissionais e pessoais. Muita gente ainda não sabe, mas existe uma convenção para a comunicação educada na era da virtualidade. Chama-se netiqueta.
Com as transformações exigidas em nossas relações comunicacionais contemporâneas, num mundo cada vez mais em home-office e interligado por redes sociais e aplicativos, cabe ao ser humano que deseja evoluir junto aos novos processos, ler e aceitar os compromissos exigidos pela troca de mensagens num espaço que será ainda mais dominante quando estivermos no esperado momento pós-pandêmico. É um caminho sem retorno para a educação e o trabalho, perspectivas planejadas para mais adiante, antecipadas por causa das adequações que tivemos que adotar para enfrentar a atual pandemia da covid-19. Antes de passarmos para o próximo tópico, caro leitor, devo dizer que as regras de etiqueta virtual, conhecidas por netiqueta, não surgiram como elementos de diferenciação para oprimir pessoas com menor grau de escolaridade ou pertencimento aos grupos sociais menos favorecidos economicamente.
Digo isso porque todas as vezes que utilizo a expressão “etiqueta” em sala de aula, palestras ou até conversas menos formais, tornou-se comum as pessoas associarem o termo ao que podemos vislumbrar no clássico moderno Uma Linda Mulher, lembram? Julia Roberts é uma garota de programa, conhece o rico e sofisticado personagem de Richard Gere, adentra aos circuitos de jantares e eventos de luxo e lá, precisa aprender as regras para pertencer ao mundo em questão. Isso inclui a humorada cena num restaurante, com o nervosismo diante da escolha do talher certo para cada tipo de refeição. Aqui, cabe ressaltar, não estamos lidando com esse tipo de etiqueta. Na era das redes sociais e aplicativos, a netiqueta trata da educação básica, necessária para qualquer ser humano que deseja viver plenamente em sociedade, exercendo a sua cidadania de maneira respeitosa e tendo o mínimo de conflitos possíveis ao lidar com o “outro”.
Senhoras e senhores, com vocês, a netiqueta!
Com o advento dos aplicativos, redes sociais e a crescente democratização do acesso à internet que tomou o mundo dos negócios e dos estudos desde os anos finais da década de 1990, a humanidade atravessa uma contínua transformação que nos pede adequação cotidianamente. Precisamos traduzir alguns hábitos da interação presencial e leva-los para o contexto virtual. Isso significa ser mais educado e diminuir alguns hábitos irritantes, tais como utilizar caixa alta para se comunicar, mandar mensagens deselegantes, estabelecer comunicação em horários impróprios, dentre outras situações que podem gerar conflitos entre indivíduos que estão, cada um, diante de suas luminosas telas de smartphones, tablets e outros suportes da cibercultura.
O que é considerado de bom tom? O que devemos evitar? O artigo em questão pretende estabelecer, por meio de uma abordagem panorâmica, algumas dicas para evitar que a sua comunicação no espaço virtual seja sabotada por hábitos inadequados, violadores do bom-senso. O virtual, diferente do que muitos pensam, não é um duplo fraco do real. São esquemas diferentes, mas que se conectam. Fazemos praticamente as mesmas coisas, mas adequado dentro do que o suporte nos oferta. Numa assembleia entre síndicos e condôminos, por exemplo, quando queremos opor, colaborar ou tratar de qualquer outro assunto, levantamos a mão para pedir, educadamente, o turno da fala. No virtual, numa sala do Zoom ou Google Meet, temos um mecanismo que precisa ser clicado para significar o levantar da mão presencial, mesmo que alguns descuidados abram o áudio da plataforma bruscamente para falar algo e criem desconforto no encontro virtual.
Quando dividimos a casa com outras pessoas: batemos na porta ao perceber que o banheiro se encontra fechado. No elevador ou nas escadas, ao encontrar com outros moradores, trocamos breves olhares e saudamos com um bom dia, ao menos no mundo ideal. Na aula, quando precisamos sanar uma dúvida com o nosso mediador do conhecimento, levantamos a mão ou anotamos a questão para esclarecimentos, tendo em vista trazê-la mais adiante para não atrapalhar o andamento da aula. Assim, se fazemos isso no presencial, por qual motivo seria diferente no virtual? É isso que as pessoas precisam compreender. Muito desagradável se comunicar com alguém que nos faz uma pergunta com mais de uma interrogação. É deselegante e significa “você não vai me responder não, é?” ou designa que você quer uma resposta imediata. É óbvio que precisamos avaliar contextos. Se eu contar que me vou mudar de país para um novo projeto, por exemplo, e o contato for no WhatsApp pessoal ou num grupo de pessoas que já possuem certa intimidade, o uso de interrogações múltiplas será compreendido de outra maneira.
Diante do exposto, tudo é contexto, no entanto, precisamos nos cuidar para evitar deslizes comunicacionais que coloquem a nossa imagem e o nosso bem-estar em risco. Colocar os seus áudios no viva-voz num ambiente de interação com outras pessoas? É o mesmo que não usar fone no metrô ou no ônibus, situação que obriga quem está perto de você a compartilhar de um assunto que pode nem ser de interesse do mais curioso. E mais: já pensou se a pessoa solta um palavrão ou faz menção a algo intimo no meio da narração? Muito desagradável. Mais de uma exclamação na sentença pode causar incômodo no receptor da mensagem, pois o uso deliberado do sinal de pontuação nem sempre é para representar surpresa, mas indagar insatisfação ou expressar ironia na composição do que é dito. Ainda na rota das coisas desagradáveis e distantes da netiqueta, temos o compartilhamento de fotos banais, o excesso de saudações “bom dia” sem nada para acrescentar, o envio de mensagens comerciais fora do horário de trabalho, sem um pedido de licença quando for algo emergencial. Outro hábito incorreto: a inserção de alguém num grupo sem antes consultar a pessoa. É algo corriqueiro, mas muito inadequado.
E o que dizer da pessoa que liga e tira o reconhecimento do seu número telefônico? Você não pode tirar o direito do outro escolher se pode ou não lhe atender naquele momento. É tão inadequado quanto compartilhar fotos e vídeos de violência, sinistro de trânsito, pessoas com deficiência ou qualquer outro conteúdo que algumas pessoas insistem em achar engraçado, curioso ou digno de envio na era do repórter-cidadão. Para quem adora postar comida, estudos recentes indicam que as pessoas que fotografam a sua refeição para enviar imagens por aplicativos e redes sociais, sofrem de algum distúrbio alimentar. Caso seja num restaurante, pode deixar os demais desconfortáveis, pois um almoço ou jantar para muitos ainda é um momento de relaxamento, intimidade e calmaria, algo para ser vivido longe dos flashes de câmeras vertiginosas. Falar mal de seu gestor, reclamar de salário e largar indiretas que serão devidamente interpretadas por todos é também falta de educação e até mesmo desrespeito com os participantes de um grupo.
Diante do exposto, torna-se necessário elencar algumas regras de netiqueta, específicas para a dinâmica do síndico profissional, no tópico seguinte. Preparados?
Netiqueta em 10 passos básicos
1 – Evite as mensagens múltiplas: você conhece pessoas que enviam 10 mensagens de uma só vez? E, cada uma, com conteúdos diferentes. Além de ser falta de educação do emissor, o conteúdo pode gerar ansiedade em ambas as partes, tanto para aquele que recebe e precisa responder quanto para quem envia e fica na expectativa de receber respostas para tudo.
Situação hipotética: você deseja falar com um cliente ou funcionário, mas não conseguiu contato por ligação. Assim, muitas vezes, você recorre ao envio de texto por SMS, por WhatsApp, chat do Facebook, direct do Instagram, e-mail e outras redes, quando há inscrição do usuário. Há contextos muitos específicos, mas em linhas gerais, é extremamente desconfortável não apenas para seu emissor, mas tal como os exemplos do tópico, para você mesmo. Falha grave de netiqueta: evite.
2 – Compartilhe com cuidado: repassar áudios e imagens de terceiros não é educado. E pior: a pessoa pode acionar judicialmente o emissor do conteúdo não autorizado.
Situação hipotética: você é síndico e recebe por WhatsApp, a reclamação de um condômino sobre outro morador. No áudio, o reclamante alega que o vizinho consome cigarros e despeja as cinzas aleatoriamente em sua varanda, pois ele é morador do andar inferior. Sem intenção de expor ninguém, você deseja compartilhar a reclamação em áudio com um dos funcionários da administradora, mas sem querer, clica incorretamente e envia o arquivo novamente para o condômino, acompanhado de seus comentários. Além de se sentir exposta, a pessoa pode perder a confiança em você enquanto síndico ético. Ademais, mesmo que não seja descoberto, agir assim é incorreto e fere diversos princípios de sua atuação profissional, por isso, muito cuidado.
3 – Conciso, mas não muito: em nossa dinâmica acelerada, torna-se importante ir direto ao assunto, sem rodeios. Frases simples, diretas e polidas são bem interessantes. Temos, no entanto, que ter cuidado com a impessoalidade ao responder. Um emoji puro ou um básico “sim” permitem que a sua mensagem soe como desinteresse, oriundo do tom vago da resposta. Quando o assunto for mais complexo, sugira uma videoconferência. Se for mandar um áudio, seja direto e evite os barulhos externos. Aqui, contexto e adequação precisam ser levados em consideração.
Situação hipotética: em sua agenda para um determinado dia, você não foi para o escritório e decidiu ficar em casa, exercendo tarefas em home-office. Um dos trabalhos é enviar avisos para condôminos nos grupos específicos, comunicando detalhes sobre a próxima assembleia. O problema é que no meio da gravação do áudio, alguém que jogava videogame na sala soltou um palavrão e na cozinha, outro morador acionou o liquidificador para bater uma vitamina. É óbvio que além de ser desagradável para o ouvinte, as falhas de netiqueta nesta situação comprometem a maneira como o seu perfil profissional é vislumbrado pelos seus pares. Seja cauteloso.
4 – Falência Múltipla da Comunicação nos Grupos: há quem tenha pavor de grupos no WhatsApp e noutras redes, sentimento legítimo quando observamos tanta confusão gerada em agrupamentos virtuais, principalmente a presença de indivíduos que enchem o espaço de mensagens banais ou não sossegam por um instante até mesmo em horários impróprios, como as nossas madrugadas reconfortantes. Dito isso, evite mensagens inconvenientes, debates entre você e outra pessoa que não podem ser ampliados para os demais. Para isso, existe o “privado”. Ao chegar num grupo, seja educado, observe como a comunicação funciona, perceba o estilo, etc. As cataratas de gifs animados não são bem-vindas, as mensagens de despedida precisam ser educadas e se não tiver coragem de sair bruscamente, tendo em vista evitar ser indelicado, silencie e deixe para se afastar posteriormente, combinado?
5 – Não deixe as pessoas sem respostas: cada um responde dentro do tempo que pode. Isso, no entanto, não significa que você tenha o direito de deixar o seu interlocutor no chamado “vácuo”. Se acontecer sem intenção, peça desculpas. Se você mandar uma mensagem e não houver resposta em 24 horas, o tempo em questão lhe permite trazer de novo o questionamento para resolução. Se for emergencial, ligue. Caso a pessoa não atenda, estamos diante de um contexto específico, a se resolver conforme a sua relação com o interlocutor. Mandar mensagem com interrogações e exclamações demonstrando irritabilidade pode criar uma situação chata para a sua comunicação. Se você é quem recebeu a mensagem e não pode responder, deixe para depois se perceber que o conteúdo não tem urgência. Se você é o emissor e ligou, mandou mensagem e não obteve respostas em nenhuma condição, desistir e tomar outras providências pode ser o destino.
6 – Evite ser um “ghosting”: essa é uma expressão em inglês para fantasma, adaptada para nosso contexto. Muito comum quando o interlocutor não pode atender aos seus anseios e por esse motivo, você desaparece e não retorna sequer para um “muito obrigado pela atenção”. Isso é muito deselegante e acontece com mais frequência que o imaginado.
Situação hipotética: você é consultor de redes sociais e deseja propor uma nova roupagem para as plataformas de comunicação do condomínio que atende. Para isso, entra em contato com o síndico profissional da unidade e deixa uma proposta. Após a avaliação, o seu projeto é negado inicialmente, tendo em vista aprovações orçamentárias. Reativo, você sequer responde ao retorno que recebeu, levando para o lado pessoal algo que deveria ser tratado com profissionalismo. De acordo com a netiqueta mais básica, a sua postura está incorreta. Isso ocorre muito em aplicativos de relacionamento, quando um dos indivíduos envolvidos não se interessa mais pelo possível par e bloqueia o contato sem sequer se despedir. É deselegante e desagradável. Evite.
7 – Não seja o “Tiozão do Pavê”, tampouco o Casca Grossa do condomínio: as assembleias virtuais têm se tornado uma prática frequente após as adequações que tivemos de inserir em nosso cotidiano, face ao cenário pandêmico da covid-19. Comportar-se como se estivesse num encontro presencial é o primeiro passo necessário. Isso envolve não se alimentar durante a sessão, evitar sair sem avisar, dentre tantas outras regras básicas que evitam constrangimentos para todos os envolvidos. Assim, dentre os princípios básicos, temos a seguinte lista:
- antes de começar a reunião, verifique a conexão e chegue um pouco antes do horário de abertura, para evitar a falta de tempo para a resolução de problemas técnicos;
- não participe na cama, com roupas íntimas ou de camiseta e outros trajes informais, tampouco com animais de estimação;
- faça a direção de fotografia do evento, isto é, cuide dos enquadramentos, da iluminação, harmonize os ambientes para que você apareça adequadamente “em cena”;
- quando não estiver falando, desative o microfone. Se for compartilhar a sua tela, tenha cuidado com o que aparecerá de seus acessos pessoais;
- ambiente acolhedor é aquele que apresenta todos os participantes, por isso, sendo mediador, articule os presentes na assembleia, reunião, palestra, etc.
- utilize os recursos da plataforma: botão para levantar a mão e pedir o turno da fala, digitar apenas o necessário, sem trazer para o conteúdo, pautas que não fazem parte do evento em si.
- se for digitar, em qualquer hipótese, cuidado com a caixa alta;
- ademais, tenha cuidado com os ecos, isto é, barulhos internos em casa, tampouco mexa no celular ou atenda ligações com a câmera aberta, pois isso passa para os demais a sensação de descaso com o encontro virtual.
Depois do panorama, uma pergunta: você, síndico profissional, agia com alguma das práticas mencionadas neste artigo, mesmo sem intencionalidade?
Responda para si mesmo e independente de qualquer resultado, continua a sua trajetória em busca do melhor no âmbito da comunicação virtual, um espaço que tal como podemos perceber, pede as mesmas cautelas e cuidados presenciais, combinado?
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Cibercultura
Reflexões pertinentes em O Dilema das Redes
O filme é o equivalente didático documental do que Black Mirror é para o campo da ficção
![A mensagem veiculada em O Dilema das Redes pode ser apontada por alguns como apocalíptica e exagerada, mas ao passo que o documentário](https://bahiapravoce.com.br/wp-content/uploads/2022/02/O_Dilema_das_Redes.webp)
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Leonardo Campos
A mensagem veiculada em O Dilema das Redes pode ser apontada por alguns como apocalíptica e exagerada, mas ao passo que o documentário da Netflix avança cada um de seus 89 minutos, ficamos gradativamente estarrecidos com a proximidade dos fatos em relação ao nosso cotidiano de cidadão comum, atingido pela relação entre algoritmos, redes sociais, invasão de privacidade e até projetos de derrocada do que conhecemos por democracia. É assustador contemplar uma produção que aprofunda alguns pontos sobre a relação da humanidade atual com o lado “negativo” da cibercultura, afinal, qualquer pessoa minimamente atenta ao mundo que gravita ao seu redor sabe que os smartphones e seus desdobramentos, isto é, os aplicativos e os serviços oferecidos tem deixado pessoas viciadas, doentes, depressivas e até mesmo impulsionada ao suicídio. Diria com segurança que, salvaguardadas as devidas proporções, O Dilema das Redes é o equivalente didático documental do que Black Mirror é para o campo da ficção.
Vamos aos fatos. Logo na abertura, uma citação de Sófocles. “Nada grandioso entra na vida dos mortais sem uma maldição”. É o estabelecimento de atmosfera ideal para entendermos o que vem mais adiante. Louvamos a internet e seus processos evolutivos. Para alguns, ficou mais fácil paquerar e quebrar o gelo dos encontros presenciais, tendo neste espaço o compartilhamento de material de apresentação introdutório que ajudou muito tímido e se relacionar com menores palpitações cardiovasculares. Para outros, a comunicação com amigos, colegas e familiares que antigamente penavam com as ligações interurbanas caras e de baixa qualidade, ainda sem a possibilidade de acompanhamento da imagem, em simbiose com a voz em nossa atual era de redes sociais e aplicativos. Eis alguns dos presentes, cobrados com tamanha agressividade e violência para os usuários que nos colocamos diante do “dilema” das redes do título: tais bençãos compensam tantas celeumas? É vantagem adentrar neste terreno pantanoso?
Dirigido por Jeff Orlowski, os depoimentos do documentário com roteiro assinado por Davis Coombe e Vickie Curtis convergem para um sonoro “não”. Interessante que todos os participantes são pessoas com larga experiência na área, cidadãos que assumem as vantagens mencionadas anteriormente e até confessam que ainda estão em processo de desmame de vícios oriundos das redes sociais criticadas. Tem gente que já foi do Google, do Facebook, Pinterest, Instagram, Twitter, etc. São opiniões sempre bem fundamentadas e embasadas em muitas teorias comprovadas cientificamente. Entre um depoimento e outro, temos a inserção de dramatizações, lado menor da produção, mas que também não atrapalha. São atores que encenam uma família em crise, pois a filha adolescente prefere ficar no smartphone ao se alimentar ou ter qualquer interação com seus pais e irmãos. É uma representação didática, importante para que O Dilema das Redes atinja ao máximo de pessoas com um conteúdo acessível e muito urgente, bastante atual por sinal, com comentários sobre fake news, eleições, covid-19 e a pior teoria da contemporaneidade: o terraplanismo, conteúdos disseminados com maior impulso dentro do contexto e das ferramentas criticadas pela produção.
Para quem conhece o livro Dez Argumentos Para Você Deletar Agora as Suas Redes Sociais, de Jaron Lanier, também entrevistado pelo documentário, a sensação que temos é a de conexão entre ambos os conteúdos. Pioneiro na área dos estudos e desenvolvimento de produtos tecnológicos virtuais, Lanier hoje é contrário aos “monstros” que ele próprio participou da criação e em diversos momentos de O Dilema das Redes, ele comenta que há muita ingenuidade das pessoas usuárias de redes sociais, indivíduos que sequer reconhecem os efeitos colaterais dos produtos que consomem. A escrita “manifesto” e mais uma vez, a urgência do assunto, faz parecer que é muito radicalismo, mas não é. Quem vos escreve tem duas experiências que parecem bobas, mas na verdade são bastante abusivas. A primeira foi uma conversa boba em casa próximo dos smartphones aparentemente “desconectados”. Falava-se sobre a necessidade de compra de uma nova geladeira e ao abrir o e-mail horas depois, olha lá a quantidade de refrigeradores ofertados sem ninguém sequer ter digitado nada no computador.
De volta ao livro de Jaron Lanier, também participante do documentário, vamos entender um pouco mais essa conexão: para o autor, evitar as redes sociais é como evitar as drogas. Isso também faz lembrar um depoimento de uma jovem colega ainda na época do Ensino Médio, lá pelos anos 1990. Ela dizia que a tia trabalhava numa fábrica de biscoito recheado. Seu salário ajudava a família, dava suporte, mas uma coisa era certa: não significava que por trabalhar nessa fábrica, as pessoas que ela amava podiam consumir biscoitos do tipo em sua frente. Era “sentença de morte”. Por acompanhar os processos e entender como se davam os mecanismos de produção, a observadora queria poupar o máximo dos organismos humanos ao seu redor. O mesmo ocorre com as redes sociais e seus criadores. Todos os depoentes que possuem filhos dizem que uma das regras é a proibição ou o alto controle desses mecanismos dentro de suas casas, pois como eles eram idealizadores destes projetos, sabiam exatamente como as grandes corporações utilizavam estratégias psicológicas para fisgar os jovens ainda em formação.
A lógica de Jaron Lanier é essa: se antes as pessoas tinham um produto ofertado, a complexidade dos algoritmos da atualidade manipula até mesmo aqueles que acreditam ter a força suficiente para virar o jogo. E dá-lhe compra de seguidores, ansiedade para saber se determinada postagem vai alcançar as curtidas e o engajamento esperado, noites de insônia para pensar no conteúdo a ser postado no dia seguinte e ao longo da semana, dispersão de outras atividades, sedentarismo etc. Perda de livre-arbítrio, inflamação de bullying e rotulação de seres humanos como mercadorias, uso de bots com teorias absurdas, bastante utilizados, por exemplo, nas últimas eleições presidenciais de 2018 no Brasil, além da falta de empatia de indivíduos em bolhas, transformados em publicidade, mergulhados numa sensação constante de infelicidade e minados do conceito convencional de democracia que tanto se luta e se discute. Sitiados pelas redes que nos pressionam num invólucro sufocante, somos cada vez mais parte de uma civilização reprogramada constantemente, numa velocidade demasiadamente frenética.
Para você, caro leitor, pode não parecer assustador, mas noutra situação, enquanto mandava áudios para uma pessoa via whatsapp, comentávamos sobre fazer fotos no laboratório e focar bastante num microscópio, pois o diálogo era sobre a construção de um perfil no Instagram para uma especialista em Microbiologia. Não é que minutos depois, ao acessar um site de compras e as redes sociais, várias ofertas de microscópios protagonizam a página inicial de acesso? Para quem está acostumado com esse engolimento diante das redes, isso pode parecer bobagem, mas não é, pois a gravidade do caminho que já trilhamos dificilmente possui retorno. Cabe agora a nossa constante vigilância e a busca por amenizar ao máximo os danos provenientes deste processo cultural que também te alija de muitas coisas se você não se permite fazer parte nem que seja como um mero figurante, num processo de alienação dentro de alienação circular.
Aqueles que são fascinados por redes sociais e acham que conseguem driblar os algoritmos para ter seguidores e se consideram um sucesso das redes com certeza detestarão o documentário, pois a produção traça um panorama dos problemas que essas pessoas conhecem muito bem, mas precisam esconder por detrás de uma fachada que eclipsa ansiedade e outros processos de adoecimento. O que podemos observar com o avanço das teses explanadas é a impossibilidade de permitir que usuários driblem, de maneira mais sadia, os embates ardilosos com as inteligências artificiais que engendram tais mecanismos da atual era da virtualidade. São tantas estratégias sorrateiras estudadas por equipes e máquinas que analisam quando estamos doentes, tristes, ansiosos, alegres etc. Hashtags, curtidas e postagens que informam padrões identificados, codificados e transformados em material para promoção de uma cultura destrutiva onde o ser humano parece nunca alcançar satisfação diante de padrões, tipos, regras estabelecidas que não dialogam com o que chamamos de “realidade”.
Prova disso é a “disformia Snapchat”, causada por pessoas que buscam cirurgias plásticas e tratamentos invasivos para acompanhar os filtros e demais recursos ofertados pelas redes sociais. Sem o devido preparo e com tantas ânsias que coadunam com os seus respectivos contextos históricos, temos o surgimento cada vez maior de uma massa de pessoas enfraquecidas por um sistema que não se importa com saúde mental e atender aos princípios éticos quando o lance é monetizar em cima do usuário de rede social. Para engrossar mais o caldo crítico e tornar a tese mais aprofundada, a edição de Davis Coombe insere trechos de reportagens jornalísticas de veículos de comunicação dominantes da atual cultura da mídia televisiva. Somado a isso, temos gráficos e animações muito bem construídos, preocupados em explicar minuciosamente ao espectador que possivelmente é um usuário de rede social, sobre o porque dele ser “um produto” do chamado “capitalismo de vigilância”.
No que tange aos seus aspectos estéticos, a produção não apresenta novidades, mas nem por isso se isenta de ousar nos efeitos visuais da equipe de Matthew Poliquin, integrante do Ingenuity Studios. Nas partes onde não temos os tradicionais depoimentos captados por uma direção de fotografia em plano médio ou geral, os personagens da “encenação” são envolvidos por efeitos que flertam com a ficcionalização dos temas debatidos pelos especialistas. É como uma brincadeira de super-heróis, com o embate entre humanos e as forças do mal, neste caso, as redes sociais, passagens que podem soar como ingênuas para alguns, mas como mencionado, não deturpam o produto final. A condução musical de Mark A. Crawford é intensa, muito próxima aos acordes de um filme de terror, utilizada no documentário de maneira sensacionalista, mas algo que me permite a mea culpa por aqui, tendo em vista a importância do conteúdo debatido e a necessidade de atrair os espectadores por imagem e som. Para depoimentos que dizem sermos “zumbis”, não cobaias das redes, textura musical melhor não há!
Ademais, há propostas de intervenção, tal como qualquer outro documentário didático. Para alguns, não é preciso a dissociação total. Para outros mais radicais, o lance é limar de vez as redes e se permitir não ser manipulado. De todos os depoimentos, um dos mais interessantes foi o da usuária que diz seguir justamente as pessoas que não coadunam com seu ponto de vista e possuem ideias contraditórias e perigosas. Para ela, a estratégia visa conhecer melhor o outro e sair um pouco da fixidez de um discurso cristalizado por uma massa que pensa de maneira retilínea, em tom de ameaça quando qualquer discurso autocrítico se estabelece como possibilidade de traição. Grifo meu, na verdade, pois a fala da entrevistada vai até a parte sobre “conhecer melhor o outro”, no entanto, combinado aos demais depoimentos e numa observação de nossa própria realidade, a interpretação de oferta como algo coeso e coerente. Ah, dentre os participantes, destaco também Triston Harris, ex-funcionário do Google, responsável pelo setor de “persuasão”. Hoje ativista, ele é uma espécie de ponto nevrálgico da produção, muito seguro em sua fala e dono de ganchos rizomáticos que se conectam com os demais entrevistados.
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Cibercultura
Cibercultura e sociedade: era da conexão
A humanidade percorreu por caminhos, os quais destinaram-se ao rumo da informação
![Refletir sobre a contemporaneidade tem sua dimensão ampla e complexa nos mais distintos níveis possíveis.](https://bahiapravoce.com.br/wp-content/uploads/2021/12/1214cc64eac4adee9cd8116be1f626fd0b84abc1.jpg)
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Professor Mizael Macedo Moreira
Refletir sobre a contemporaneidade tem sua dimensão ampla e complexa nos mais distintos níveis possíveis. Desde o advento da cultura cibernética, homens e mulheres imergem-se num universo completamente vinculado aos mais diversos tipos de tecnologias, nítida é a dependência em que as pessoas se encontram acerca do uso dos mais variados aparatos tecnológicos.
No decorrer da história, a humanidade percorreu por caminhos, a qual destinou-se ao rumo da informação. Alvim Toffler frisa nuances entre 3 períodos civilizatórios importantes para a sociedade, ou seja, fala sobre a 1ª onda com as atividades do setor rural – a exploração do setor primário da economia, a 2ª onda com a atividade industrial tradicional – construção do setor secundário da economia e a 3ª onda com as atividades da informática – o setor terciário, por meio dos computadores, das telecomunicações, da robótica e dos microprocessadores).
Vivemos na era da informação e do conhecimento, adaptar-se a este contexto é uma questão de sobrevivência e a cibercultura está presente em nossas vidas como uma forma sociocultural, no sentimento de troca na relações entre sociedade, cultura e as novas tecnologias.
Os espaços eletrônicos virtuais estão sendo popularizados com a utilização da internet e outras tecnologias, o que possibilita uma aproximação entre as pessoas de todo o mundo graças a uma comunicação à distância através de uma rede: a telecomunicação, o que Pierre Lévi chama de conexão planetária, e é o que nos tornam seres globalizados.
Análogo a este pressuposto, analisemos a Série do roteirista Pedro Aguilera, “Onisciente” que se passa numa cidade vigiada constantemente por pequenos “drones”, com a qual registram, controlam e avaliam qualquer e toda ação de qualquer pessoa que esteja dentro da metrópole, por esta circunstância a cidade tem taxas de crimes baixíssimos, pois esta tecnologia identifica qualquer que seja (pequena ou grande) ação criminal, levando a população a viver com tranquilidade e sem medo da criminalização, fica válido perceber que existe tanto o lado bom e o lado ruim da evolução tecnológica em nossas vidas.
A produção brasileira nos mostra, na trama, uma suprema confiança dos homens/mulheres sobre a tecnologia nômade, revelando uma dependência, em outros termos, as pessoas cada vez mais rapidamente se adaptam de tal forma que não se enxergam distantes ou sem as novas tecnologias. Na história percebe um terror social tecnológico por estarem presos a esta onda cibernética, pois estão submetidos a uma vigilância absoluta tirando suas respectivas privacidades.
Nesta senda, fica notório o quanto se assemelha com nossa realidade, este trabalho cinematográfico traz uma mensagem subliminar frente a realidade em que as pessoas estão vivendo, presos aos aparatos tecnológicos (celulares, notebooks, Televisão…), vigilância constante, dependência dos gêneros científicos…, toda esta evolução tecnocientífica vem para facilitar as nossas vidas e assim nos prender, cada vez mais, na relação homem, sociedade e tecnologia.
Na trama a protagonista mostra que mesmo sendo uma tecnologia de última geração, pode haver fragilidade no sistema, o que é algo comum para todos, os “hackers” são prova disso, com isso, se faz necessário uma desconfiança para não termos certeza absoluta daquilo que depositamos toda a nossa confiança.
Portanto, na atmosfera da sociedade cibernética todas as pessoas que não estão familiarizado com as tecnologias são consideradas desatualizadas, mas o que podemos indagar é se adquirimos um vício irreversível sem qualquer forma de cura? Desse modo, os ciberespaços em que ingressamos tem por si seu lado positivo e seu lado negativo em virtude da vida humana, socialmente importante para o homem/mulher contemporâneo.
Mizael Moreira, graduado em Pedagogia pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – AGES, pós-graduado, Lato Sensu em Direitos Humanos na Escola pela Faculdade Venda Nova do Imigrante – FAVENI. Voluntário no Centro de Referência em Desenvolvimento e Humanidades (CRDH/UNEB
Cibercultura
Jexi, Um Celular Sem Filtros
Até quem critica o uso alheio do celular são pegas em frenética alimentação desse utensílio, “o novo cigarro”
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Professor Leonardo Campos
Criticar é fácil, quero ver é a capacidade de autocontrole dos usuários das inevitáveis tecnologias da contemporaneidade. Sabemos que os smartphones e todo o pacote incluso de aplicativos e outras utilidades deveriam ser elementos para transformar as nossas atividades em missões mais simples e tranquilas, mas em matéria de seres humanos, as coisas geralmente acabam de maneira imprevisível e descontrolada. Até mesmo as pessoas que criticam o uso alheio do celular, reflexo do que incomoda nelas mesmas, são pegas em frenética alimentação desse utensílio que de acordo com publicações científicas recentes, é “o novo cigarro”. Cientes disso, a dupla Jon Lucas e Scott Moore decidiu investir numa trama que flertasse com a nossa relação diante da tecnologia, numa espécie de paródia do complexo Ela, de Spike Jonze. O resultado é favorável ao filme na primeira parte, mas do meio para o final, Jexi – Um Celular Sem Filtros não consegue se manter dentro da fórmula comédia + humor + diálogos inteligentes = humor reflexivo, numa aposta de início promissor e final mais do mesmo.
Tudo isso, no entanto, não anula algumas experiências diante da comédia. O seu grande problema é não dar conta do humor em paralelo ao potencial do argumento, desperdiçado diante do excesso de piadas e situações vexatórias, desnecessárias ao meu ver. Também responsáveis pelo roteiro, a dupla parece ter dividido o filme em duas grandes partes, de estrutura basicamente igual, sendo a primeira empolgante e a segunda mais óbvia. Tratado como paródia do melancólico filme de Spike Jonze, a trama troca o drama profundo do personagem de Joaquin Phoenix pelo histrionismo de Adam Devine no papel de Phil, protagonista da história, igualmente solitário, mas mergulhado num contexto diferente. Ele é mais um desses jovens de uma geração que não sabe sequer ir ao banheiro sem o celular nas mãos. Frustrado, mas sem fazer algum esforço para sair do marasmo que é a sua vida, ele passa os seus dias num ambiente de trabalho hostil, no exercício de um trabalho pouco útil, além de ficar diante da TV toda noite vendo séries e pedindo comida por aplicativos.
Nada contra o modo de vida, mas é uma existência que parece orbitar em torno da solidão e da falta de perspectiva. Com as facilidades dos instrumentos tecnológicos ao seu redor, Phil se afunda cada vez mais na melancolia e na sensação de não conhecer as coisas que o circunda. Tudo muda quando ele precisa adquirir um novo smartphone, pois o seu anterior teve perda total por conta de um pequeno acidente. É um momento de novas descobertas, inclusive de Jexi (voz de Rose Byrne), a “Siri” ou “Alexa”, como queira, inteligência artificial de seu aparelho. Ela vai adentrar de maneira arrebatadora em sua vida, cheia de dicas e sugestões comportamentais, mas depois se tornará humana e perigosa, uma nova preocupação constante na vida de Phil, indo do papel de consultora para namoradinha infernal, insatisfeita com as mudanças que o rapaz começa a exercer em sua vida: sair com colegas, pedalar, paquerar uma garota e outras atividades que vão além do uso de celular.
O interesse amoroso de Phil é Cate (Amanda Shipp), aquela garota aparentemente boa demais para um bobalhão, clichê básico das comédias românticas que ainda funciona muito bem. Kai (Michael Peña) é o seu chefe, homem grosseiro, de comportamento oscilante e colocado como espécie de complemento cômico (algo como alívio cômico, mas neste caso não é possível, pois o personagem principal em si já ri da própria condição). Exagerado, é dono daquelas cenas que nos espreme na poltrona do cinema, numa busca por conforto diante do constrangimento alheio. Em suma, excesso puro, necessidade forçada dos produtores de provocar o riso por meio de cenas ridículas. Elaine (Charlyne Yi) e Craig (Ron Funches) são os colegas de trabalho que se aproximarão de Phil, pessoas que trabalham ao seu lado há quase três anos, mas que sequer sabem o nome um do outro. O motivo? Simples: estão ocupados demais diante de seus celulares. Denice (Wanda Sykes), numa dosagem nada bizarra como a do chefe, é a vendedora da loja que permite ao protagonista a ascensão de algumas falas explicativas. Os demais são apenas personagens passageiros, apenas responsáveis pelo avanço de algumas situações.
Sobre o nosso protagonista, basta dizer que vai passar por muitas situações constrangedoras, noutros momentos, de redenção. Adam Devine, mesmo que bobalhão demais em algumas passagens, acaba exalando o carisma ideal para permitir que a segunda parte não seja exatamente descartável. Ele é o que podemos chamar de “fofo” ou “carismático”. Guiado por seus diretores para fazer a plateia rir, não economiza caras e bocas tortas, falas escatológicas, situações sobre bunda, pênis, etc. Não estraga, como já dito, mas desequilibra a história que nos faz lembrar, em alguns momentos, das reflexões de Stephen Hawking sobre os perigos da tecnologia quando comandada por uma má gestão. Um dos idealizadores das maravilhas da contemporaneidade não pregava a tecnologia de maneira barata e vulgar, mas o seu uso de maneira funcional. Em Jexi – Um Celular Sem Filtros, o descontrole da inteligência artificial é alegoria da nossa falta de habilidade com as inovações de um campo que parece não encontrar limites e pretende evoluir para etapas sem precedentes ao longo de nossa história.
A direção de fotografia de Ben Kutchins é bastante eficiente na captura dos movimentos e enquadramentos que ressaltam o comportamento humano diante da suposta antagonista da história, a tecnologia, colocada em paralelo aos hábitos mais saudáveis de outros personagens, como contraponto da vida nada saudável do protagonista. Se observado, o seu interesse amoroso é uma ciclista, tanto na vida profissional quanto na dimensão pessoal. Não foi uma escolha aleatória, tenha certeza. Kutchins, juntamente com a sua equipe, passeia pelas rus íngremes de São Francisco e capta as aventuras do protagonista antes, durante e depois do estabelecimento da duvidosa relação com Jexi. Ainda na seara estética, o design de produção de Marcia Hinds trabalha de maneira eficiente na imersão do público nos espaços de circulação dos personagens, com os cenários bem adornados pela direção de arte, setores responsáveis pela nossa imersão nas dimensões sociais e psicológicas de Phil e seus coadjuvantes.
A trilha sonora assinada pela dupla formada por Philip White e Christopher Lennertz não escapa da leveza óbvia esperada, com simbiose durante a intrusão de canções da cultura pop, ilustradora de alguns momentos dos personagens em suas ações. Nos desdobramentos dos fatos, lá pela metade de seus 84 minutos, Jexi – Um Celular Sem Filtros não consegue ir além do superficial e comprovar que uma comédia não precisa ser apenas entretenimento para nossas necessárias descargas emocionais diárias. Ainda assim, o filme traz uma série de comportamentos que expõe tópicos para quem acredita que o cinema também pode ser uma arte transformadora e crítica. São ilações que nós, espectadores, precisamos fazer, cabe ressaltar. Os figurantes, mesmo que secundários, nos ajudam na compreensão de São Francisco como microcosmo de todas as sociedades que hoje estão conectadas pelas tecnologias mais recentes.
As pessoas caminham, se alimentam, conversam, dentre tantas outras coisas, com o celular praticamente no rosto, inebriadas pela necessidade de conexão, algo que ultrapassa todos os limites do que é “necessário” para se tornar uma “obsessão”, isto é, um caso clínico. São problemas que se agravam cada dia mais, pois em nosso atual cenário, a inteligência artificial é capaz de captar as nossas emoções e gestos, registrar o que dizemos em torno de aparelhos eletrônicos e enviar nossas informações para bancos de dados que coordenam tudo o que vai aparecer diante de nossa tela enquanto oferta, seja durante o acesso ao e-mail que queremos acreditar ser algo sigiloso e só nosso, seja no acesso das redes sociais ou numa compra eletrônica. Aqui, Jexi ocupa a função de representante deste cenário caótico. A sua perseguição ao protagonista é alegoria da nossa relação com a tecnologia, algo que tentamos fugir, mas que está sempre ao nosso redor, como num cerco sufocante e fechado. De volta ao filme, em suma, temos uma produção que nos provoca, mas tal como alguns covardes, não fica para o debate que ele mesmo empreendeu, preferindo manter-se na zona de conforto.
Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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