Bahia Pra Você

A etiqueta remota: sendo síndico nas redes sociais e aplicativos

Professor Leonardo Campos

Estamos cotidianamente envolvidos nas teias da cibercultura que a cada dia nos apresenta uma nova perspectiva comunicacional. Aderimos aos aplicativos e redes sociais, utilizamos os e-mails como suporte para troca de mensagens pessoais e profissionais, mas em linhas gerais, ainda não compreendemos como lidar com as diferenças entre o espaço virtual e o contato presencial, dinâmica que para muitos é dividida entre a realidade e a virtualidade, isto é, um ambiente de “interações de verdade” e outro de “simulações”. Assim, neste processo de conceituações equivocadas, afinal, o virtual também é real, nossa comunicação entra em colapso quando observamos o quão podemos ser indelicados durante uma live, reunião on-line ou na troca de mensagens com nossos parceiros profissionais e pessoais. Muita gente ainda não sabe, mas existe uma convenção para a comunicação educada na era da virtualidade. Chama-se netiqueta.

Com as transformações exigidas em nossas relações comunicacionais contemporâneas, num mundo cada vez mais em home-office e interligado por redes sociais e aplicativos, cabe ao ser humano que deseja evoluir junto aos novos processos, ler e aceitar os compromissos exigidos pela troca de mensagens num espaço que será ainda mais dominante quando estivermos no esperado momento pós-pandêmico. É um caminho sem retorno para a educação e o trabalho, perspectivas planejadas para mais adiante, antecipadas por causa das adequações que tivemos que adotar para enfrentar a atual pandemia da covid-19. Antes de passarmos para o próximo tópico, caro leitor, devo dizer que as regras de etiqueta virtual, conhecidas por netiqueta, não surgiram como elementos de diferenciação para oprimir pessoas com menor grau de escolaridade ou pertencimento aos grupos sociais menos favorecidos economicamente.

Digo isso porque todas as vezes que utilizo a expressão “etiqueta” em sala de aula, palestras ou até conversas menos formais, tornou-se comum as pessoas associarem o termo ao que podemos vislumbrar no clássico moderno Uma Linda Mulher, lembram? Julia Roberts é uma garota de programa, conhece o rico e sofisticado personagem de Richard Gere, adentra aos circuitos de jantares e eventos de luxo e lá, precisa aprender as regras para pertencer ao mundo em questão. Isso inclui a humorada cena num restaurante, com o nervosismo diante da escolha do talher certo para cada tipo de refeição. Aqui, cabe ressaltar, não estamos lidando com esse tipo de etiqueta. Na era das redes sociais e aplicativos, a netiqueta trata da educação básica, necessária para qualquer ser humano que deseja viver plenamente em sociedade, exercendo a sua cidadania de maneira respeitosa e tendo o mínimo de conflitos possíveis ao lidar com o “outro”.

Senhoras e senhores, com vocês, a netiqueta!

Com o advento dos aplicativos, redes sociais e a crescente democratização do acesso à internet que tomou o mundo dos negócios e dos estudos desde os anos finais da década de 1990, a humanidade atravessa uma contínua transformação que nos pede adequação cotidianamente. Precisamos traduzir alguns hábitos da interação presencial e leva-los para o contexto virtual. Isso significa ser mais educado e diminuir alguns hábitos irritantes, tais como utilizar caixa alta para se comunicar, mandar mensagens deselegantes, estabelecer comunicação em horários impróprios, dentre outras situações que podem gerar conflitos entre indivíduos que estão, cada um, diante de suas luminosas telas de smartphones, tablets e outros suportes da cibercultura.

O que é considerado de bom tom? O que devemos evitar? O artigo em questão pretende estabelecer, por meio de uma abordagem panorâmica, algumas dicas para evitar que a sua comunicação no espaço virtual seja sabotada por hábitos inadequados, violadores do bom-senso. O virtual, diferente do que muitos pensam, não é um duplo fraco do real. São esquemas diferentes, mas que se conectam. Fazemos praticamente as mesmas coisas, mas adequado dentro do que o suporte nos oferta. Numa assembleia entre síndicos e condôminos, por exemplo, quando queremos opor, colaborar ou tratar de qualquer outro assunto, levantamos a mão para pedir, educadamente, o turno da fala. No virtual, numa sala do Zoom ou Google Meet, temos um mecanismo que precisa ser clicado para significar o levantar da mão presencial, mesmo que alguns descuidados abram o áudio da plataforma bruscamente para falar algo e criem desconforto no encontro virtual.

Quando dividimos a casa com outras pessoas: batemos na porta ao perceber que o banheiro se encontra fechado. No elevador ou nas escadas, ao encontrar com outros moradores, trocamos breves olhares e saudamos com um bom dia, ao menos no mundo ideal. Na aula, quando precisamos sanar uma dúvida com o nosso mediador do conhecimento, levantamos a mão ou anotamos a questão para esclarecimentos, tendo em vista trazê-la mais adiante para não atrapalhar o andamento da aula. Assim, se fazemos isso no presencial, por qual motivo seria diferente no virtual? É isso que as pessoas precisam compreender. Muito desagradável se comunicar com alguém que nos faz uma pergunta com mais de uma interrogação. É deselegante e significa “você não vai me responder não, é?” ou designa que você quer uma resposta imediata. É óbvio que precisamos avaliar contextos. Se eu contar que me vou mudar de país para um novo projeto, por exemplo, e o contato for no WhatsApp pessoal ou num grupo de pessoas que já possuem certa intimidade, o uso de interrogações múltiplas será compreendido de outra maneira.

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Diante do exposto, tudo é contexto, no entanto, precisamos nos cuidar para evitar deslizes comunicacionais que coloquem a nossa imagem e o nosso bem-estar em risco. Colocar os seus áudios no viva-voz num ambiente de interação com outras pessoas? É o mesmo que não usar fone no metrô ou no ônibus, situação que obriga quem está perto de você a compartilhar de um assunto que pode nem ser de interesse do mais curioso. E mais: já pensou se a pessoa solta um palavrão ou faz menção a algo intimo no meio da narração? Muito desagradável. Mais de uma exclamação na sentença pode causar incômodo no receptor da mensagem, pois o uso deliberado do sinal de pontuação nem sempre é para representar surpresa, mas indagar insatisfação ou expressar ironia na composição do que é dito. Ainda na rota das coisas desagradáveis e distantes da netiqueta, temos o compartilhamento de fotos banais, o excesso de saudações “bom dia” sem nada para acrescentar, o envio de mensagens comerciais fora do horário de trabalho, sem um pedido de licença quando for algo emergencial. Outro hábito incorreto: a inserção de alguém num grupo sem antes consultar a pessoa. É algo corriqueiro, mas muito inadequado.

E o que dizer da pessoa que liga e tira o reconhecimento do seu número telefônico? Você não pode tirar o direito do outro escolher se pode ou não lhe atender naquele momento. É tão inadequado quanto compartilhar fotos e vídeos de violência, sinistro de trânsito, pessoas com deficiência ou qualquer outro conteúdo que algumas pessoas insistem em achar engraçado, curioso ou digno de envio na era do repórter-cidadão. Para quem adora postar comida, estudos recentes indicam que as pessoas que fotografam a sua refeição para enviar imagens por aplicativos e redes sociais, sofrem de algum distúrbio alimentar. Caso seja num restaurante, pode deixar os demais desconfortáveis, pois um almoço ou jantar para muitos ainda é um momento de relaxamento, intimidade e calmaria, algo para ser vivido longe dos flashes de câmeras vertiginosas. Falar mal de seu gestor, reclamar de salário e largar indiretas que serão devidamente interpretadas por todos é também falta de educação e até mesmo desrespeito com os participantes de um grupo.

Diante do exposto, torna-se necessário elencar algumas regras de netiqueta, específicas para a dinâmica do síndico profissional, no tópico seguinte. Preparados?

Netiqueta em 10 passos básicos

1 – Evite as mensagens múltiplas: você conhece pessoas que enviam 10 mensagens de uma só vez? E, cada uma, com conteúdos diferentes. Além de ser falta de educação do emissor, o conteúdo pode gerar ansiedade em ambas as partes, tanto para aquele que recebe e precisa responder quanto para quem envia e fica na expectativa de receber respostas para tudo.

Situação hipotética: você deseja falar com um cliente ou funcionário, mas não conseguiu contato por ligação. Assim, muitas vezes, você recorre ao envio de texto por SMS, por WhatsApp, chat do Facebook, direct do Instagram, e-mail e outras redes, quando há inscrição do usuário. Há contextos muitos específicos, mas em linhas gerais, é extremamente desconfortável não apenas para seu emissor, mas tal como os exemplos do tópico, para você mesmo. Falha grave de netiqueta: evite.

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2 – Compartilhe com cuidado: repassar áudios e imagens de terceiros não é educado. E pior: a pessoa pode acionar judicialmente o emissor do conteúdo não autorizado.

Situação hipotética: você é síndico e recebe por WhatsApp, a reclamação de um condômino sobre outro morador. No áudio, o reclamante alega que o vizinho consome cigarros e despeja as cinzas aleatoriamente em sua varanda, pois ele é morador do andar inferior. Sem intenção de expor ninguém, você deseja compartilhar a reclamação em áudio com um dos funcionários da administradora, mas sem querer, clica incorretamente e envia o arquivo novamente para o condômino, acompanhado de seus comentários. Além de se sentir exposta, a pessoa pode perder a confiança em você enquanto síndico ético. Ademais, mesmo que não seja descoberto, agir assim é incorreto e fere diversos princípios de sua atuação profissional, por isso, muito cuidado.

3 – Conciso, mas não muito: em nossa dinâmica acelerada, torna-se importante ir direto ao assunto, sem rodeios. Frases simples, diretas e polidas são bem interessantes. Temos, no entanto, que ter cuidado com a impessoalidade ao responder. Um emoji puro ou um básico “sim” permitem que a sua mensagem soe como desinteresse, oriundo do tom vago da resposta. Quando o assunto for mais complexo, sugira uma videoconferência. Se for mandar um áudio, seja direto e evite os barulhos externos. Aqui, contexto e adequação precisam ser levados em consideração.

Situação hipotética: em sua agenda para um determinado dia, você não foi para o escritório e decidiu ficar em casa, exercendo tarefas em home-office. Um dos trabalhos é enviar avisos para condôminos nos grupos específicos, comunicando detalhes sobre a próxima assembleia. O problema é que no meio da gravação do áudio, alguém que jogava videogame na sala soltou um palavrão e na cozinha, outro morador acionou o liquidificador para bater uma vitamina. É óbvio que além de ser desagradável para o ouvinte, as falhas de netiqueta nesta situação comprometem a maneira como o seu perfil profissional é vislumbrado pelos seus pares. Seja cauteloso.

4 – Falência Múltipla da Comunicação nos Grupos: há quem tenha pavor de grupos no WhatsApp e noutras redes, sentimento legítimo quando observamos tanta confusão gerada em agrupamentos virtuais, principalmente a presença de indivíduos que enchem o espaço de mensagens banais ou não sossegam por um instante até mesmo em horários impróprios, como as nossas madrugadas reconfortantes. Dito isso, evite mensagens inconvenientes, debates entre você e outra pessoa que não podem ser ampliados para os demais. Para isso, existe o “privado”. Ao chegar num grupo, seja educado, observe como a comunicação funciona, perceba o estilo, etc. As cataratas de gifs animados não são bem-vindas, as mensagens de despedida precisam ser educadas e se não tiver coragem de sair bruscamente, tendo em vista evitar ser indelicado, silencie e deixe para se afastar posteriormente, combinado?

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5 – Não deixe as pessoas sem respostas: cada um responde dentro do tempo que pode. Isso, no entanto, não significa que você tenha o direito de deixar o seu interlocutor no chamado “vácuo”. Se acontecer sem intenção, peça desculpas. Se você mandar uma mensagem e não houver resposta em 24 horas, o tempo em questão lhe permite trazer de novo o questionamento para resolução. Se for emergencial, ligue. Caso a pessoa não atenda, estamos diante de um contexto específico, a se resolver conforme a sua relação com o interlocutor. Mandar mensagem com interrogações e exclamações demonstrando irritabilidade pode criar uma situação chata para a sua comunicação. Se você é quem recebeu a mensagem e não pode responder, deixe para depois se perceber que o conteúdo não tem urgência. Se você é o emissor e ligou, mandou mensagem e não obteve respostas em nenhuma condição, desistir e tomar outras providências pode ser o destino.

6 – Evite ser um “ghosting”: essa é uma expressão em inglês para fantasma, adaptada para nosso contexto. Muito comum quando o interlocutor não pode atender aos seus anseios e por esse motivo, você desaparece e não retorna sequer para um “muito obrigado pela atenção”. Isso é muito deselegante e acontece com mais frequência que o imaginado.

Situação hipotética: você é consultor de redes sociais e deseja propor uma nova roupagem para as plataformas de comunicação do condomínio que atende. Para isso, entra em contato com o síndico profissional da unidade e deixa uma proposta. Após a avaliação, o seu projeto é negado inicialmente, tendo em vista aprovações orçamentárias. Reativo, você sequer responde ao retorno que recebeu, levando para o lado pessoal algo que deveria ser tratado com profissionalismo. De acordo com a netiqueta mais básica, a sua postura está incorreta. Isso ocorre muito em aplicativos de relacionamento, quando um dos indivíduos envolvidos não se interessa mais pelo possível par e bloqueia o contato sem sequer se despedir. É deselegante e desagradável. Evite.

7 – Não seja o “Tiozão do Pavê”, tampouco o Casca Grossa do condomínio: as assembleias virtuais têm se tornado uma prática frequente após as adequações que tivemos de inserir em nosso cotidiano, face ao cenário pandêmico da covid-19. Comportar-se como se estivesse num encontro presencial é o primeiro passo necessário. Isso envolve não se alimentar durante a sessão, evitar sair sem avisar, dentre tantas outras regras básicas que evitam constrangimentos para todos os envolvidos. Assim, dentre os princípios básicos, temos a seguinte lista:

Depois do panorama, uma pergunta: você, síndico profissional, agia com alguma das práticas mencionadas neste artigo, mesmo sem intencionalidade?

Responda para si mesmo e independente de qualquer resultado, continua a sua trajetória em busca do melhor no âmbito da comunicação virtual, um espaço que tal como podemos perceber, pede as mesmas cautelas e cuidados presenciais, combinado?

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Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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