SIGA NOSSAS REDES SOCIAIS
Anúncios

Ficção, Educação e Trânsito

Assumindo a direção e a inteligência emocional no trânsito

Publicado

em

Foto: Divulgação

Professor Leonardo Campos

No trânsito, dê sentido a vida. Respeito e responsabilidade. Pratique no trânsito. Essas são apenas algumas breves amostras dos slogans de campanhas importantes para a prevenção e redução de situações trágicas de trânsito que infelizmente, ainda acometem muitos cidadãos em seus deslocamentos pelas diversas vias das cidades de todo o planeta, seja na condição de condutor de automóvel, ciclista, motociclista ou pedestre. Por isso, a Inteligência Emocional, termo cunhado anteriormente, mas trabalhado por Daniel Goleman em seu livro homônimo, de 1995, é uma excelente opção para as pessoas que em algum momento de suas vidas, precisará assumir o volante para uma situação de mobilidade. Conforme as ideias do autor que na época, causaram bastante polêmica, precisamos lidar com cinco emoções básicas para a devida aplicação dessa modalidade de “inteligência” em nossas práticas cotidianas.

Primeiro, o autoconhecimento, isto é, a capacidade de reconhecer os próprios sentimentos e emoções. Adequar os sentimentos dentro de determinadas situações é o que se encaixa no segundo tópico, controle emocional, importante para caminharmos em direção ao terceiro, a automotivação, definida como a capacidade de direcionar as emoções em torno de uma realização pessoal. O reconhecimento interpessoal, quarta etapa, é a capacidade de entender o que o outro está sentido e conseguir manifestar empatia. Ademais, ter habilidade em relações interpessoais, ou seja, ser capaz de ter interações de qualidade com outros indivíduos por meio de competências pessoais é o que amarra essas cinco concepções que são uteis não apenas nas situações de trânsito, mas em qualquer circunstância da vida de uma pessoa em sociedade, desinteressada em experienciar situações de conflito.

Os tópicos são diversos para o debate sobre a Inteligência Emocional no trânsito, mas aqui faremos um recorte com ilustrações da comédia dramática Assumindo a Direção, um filme escrito, dirigido, produzido e protagonizado por mulheres. Faremos uma panorâmica interpretação da narrativa e mais adiante, retornaremos aos conceitos e concepções da Inteligência Emocional, tendo em vista observar a sua importância na dinâmica da mobilidade urbana cotidiana, bem como a sua aplicação no desenvolvimento da cativante história ficcional que é uma metáfora para as palavras-chave dos slogans que demarcam a abertura desse texto: respeito, responsabilidade, sentido a vida. Será que Wendy, personagem da veterana Patrícia Clarkson, reconhece os próprios sentimentos e emoções para a adequação dentro de determinadas situações? Ela é uma mulher com automotivação suficiente para aplicar essa energia diante da necessidade de uma realização pessoal? Ademais, Wendy tem habilidades para relações interpessoais?

Assumindo a Direção: Uma Filosófica Abordagem do Trânsito no Cinema

Mulher no trânsito? Ainda um tabu. É o que veremos como parte das discussões do esquema narrativa de Assumindo a Direção. A visão da mulher como condutora foi, durante bastante tempo, alvo de piadas machistas voltadas ao desempenho abaixo da média, associado, segundo as brincadeiras, ao comportamento supostamente atrapalhado e letárgico das motoristas femininas no volante de seus automóveis. O avanço das ideias em nossa sociedade ainda em processo de constante transformação comprova, por meio de pesquisas legitimadas, que estas falácias não passam de estereótipos já ultrapassados. Estudos realizados por instituições paulistas conectadas ao âmbito do trânsito e da mobilidade urbana apontaram quase 94% dos acidentes graves envolviam homens na condução, em contraponto aos 6,4% das mulheres nos registros.

Sabemos que existe a possibilidade do público masculino ser ainda uma possível maioria na posse de automóveis, mas a questão aqui vai além, num processo que descontrói a inabilidade feminina que há tempos foi apontada como biológica. O que se revela é a abordagem cultural dessa questão, afinal, há convenções estabelecidas em nossos costumes que pregam ao homem a necessidade de ser agressivo e intransigente em sua demonstração de poder e virilidade nas dinâmicas interativas em sociedade, algo que passa pelas reflexões do adorável Assumindo a Direção, um drama bastante humorado, embasado na discussão da condução de um automóvel pelas ruas da cidade como metáfora para a liberdade de uma mulher que se encontrava aprisionada dentro de uma relação degradada que alcançou o fim e a deixou despreparada para continuar a viver de maneira mais independente.

ANÚNCIO
Anúncios

A protagonista da narrativa é dirigida por Isabel Coixet, cineasta guiada pelo roteiro de Sarah Kernochan, texto dramático que por sua vez, é inspirado no artigo feminista de Katha Pollit. Lançado em 2014, o drama apresenta, ao longo de seus 90 minutos, a trajetória da carismática e inicialmente insegura Wendy (Patricia Clarkson), uma mulher acima dos 50 que acreditava ter o seu casamento a tranquilidade para o seu cotidiano. Ao se tornar mais uma divorciada no cenário das relações contemporâneas, ela carrega consigo luto por se sentir trocada por uma mulher mais jovem, supostamente uma aluna de seu ex-marido Ted (Jake Weber), um homem que tal como várias narrativas da vida real, consegue escapar ileso da situação e se estabelecer logo numa relação nova e cheia de vida. Para Wendy resta a transformação, algo que vem na forma de desafio com o seu desejo em conquistar a carteira de habilitação.

A sua filha Tasha (Grace Gummer), também envolvida numa relação conflituosa com o companheiro, é uma das pessoas que lhe dá todo apoio, juntamente com a irreverente Debbie (Samantha Bee), amiga com quem Wendy compartilha poucas cenas, mas momentos suficientes para preencher o filme de graça. Elas riem, se divertem, comentam as falhas de Ted e dividem o status de mulheres solteiras depois de enraizadas em casamentos que aparentavam superar qualquer dificuldade e viver para a “eternidade”. Será nessa empreitada que a decidida divorciada conhecerá o seu instrutor Darwan (Ben Kingsley), um home pacato e competente, instrutor de condução para automóveis, pessoa que inicialmente lhe causa estranhamento pelos costumes, mas que depois lhe reservará os melhores momentos da sua atual condição enquanto ser social que precisa de novos caminhos para guiar a sua existência.

Acompanhados pela condução musical de Paul Hicks e Dhani Harrison, os personagens trafegam pelas ruas novaiorquinas, captadas pela direção de fotografia assinada por Manel Ruiz, sempre bem iluminada, excesso de luz que dialoga com as necessidades dramáticas dos personagens em transformação. A movimentação também é eficaz, sem grandes planos que tornem a estética de Assumindo a Direção algo muito além das regras dos manuais de cinema, convenções da imagem que, no entanto, fazem o filme ser ainda mais simpático e atraente. No design de produção, Dania Saragovia trabalha de maneira elegante e discreta o feixe de cores que em alguns momentos, dialogam com a duas cores do semáforo, isto é, o vermelho e o verde, carregados de significados que seriam óbvios demais caso não tivessem uma equipe técnica mais voltada ao eixo das sutilezas narrativas.

Enquanto ela segue novos caminhos, em busca de experimentações, o seu mentor precisa arregimentar as tradições de sua base, o que culmina na chega de sua esposa prometida, Jasleen (Sarita Choudhury), mulher que sequer domina o idioma de sua nova morada, tampouco os costumes culinários e outras regras sociais estabelecidas. Inicialmente submissa, ela transforma a vida do marido, mostrando-lhe que no contexto mais atual, o posicionamento feminino não precisa ser tão regido pela fixidez que ele, apesar de reconhecer isso na existência alheia ao domicilio, não pregava dentro de sua própria casa. É a tal da hipocrisia que nós todos precisamos combater ao nosso redor e, concomitantemente, em nosso interior que ainda guarda reflexos de manias e padrões estabelecidos desde as nossas bases.

Infográfico da Revista Arco – Jornalismo Científico e Cultural da UFSM

Outro ponto interessante para o filme é a sua abordagem de choques culturais num cenário bastante diferente do que se tinha antes do 11/9, marco na geopolítica que se aproxima de duas décadas de ocorrido, mas que ainda lateja nas relações sociais na atual era política dos estadunidenses. O seu sobrinho que deseja viver sem a rigidez das regras culturais do país de origem, dentre outros conflitos. Ademais, as discussões sobre a habilitação ser um documento que passa a sensação de liberdade não é algo apenas dos debates femininos. Documentários e textos jornalísticos tem comprovado cada vez mais que a busca pela carteira de motorista funciona como uma espécie de ritual para a passagem da adolescência ao mundo dos adultos.

A sensação de liberdade, traz, junto a isso, os perigos do fascínio destes jovens pela condução veloz e furiosa, tão exaltada, inclusive, no cinema. Estamos tão certos disso que na cena de apresentação do personagem de Kingsley, há o treino de um adolescente feliz em ter sido aprovado na avaliação. Sabiamente, o mentor olha para o jovem e diz: “depois de tudo que eu lhe ensinei, você vai adquirir um carro veloz e esquecer todas as lições aprendidas aqui”. Cuidadoso, ele faz o mesmo com Wendy, numa costura inteligente de diálogos que expõem alegorias para o novo curso da vida da protagonista em busca de redenção, afinal, além do marido, ela traz em sua bagagem o abandono do pai no passado, algo que ajuda a amplificar as suas necessidades dramáticas. Sem pressa e ansiedade, Assumindo a Direção parte dos primeiros passos, ao experimentar do tempero na direção, seguido das orientações do mentor que a levam para o caminho da libertação metafórica e real, afinal, ela agora pode conduzir a si mesma em seu próprio carro, sem depender mais de ninguém para a condução da sua própria vida.

ANÚNCIO
Anúncios

Mas, afinal, Inteligência Emocional funciona no Trânsito?

Sim, funciona. E muito. Quem usa uma boa condução, por exemplo, pode administrar as ânsias de um inconsequente, você sabia? Uma das melhores cenas do filme nos mostra isso, no momento que o professor ensina para Wendy que é preciso tentar prever as ações de todos os agentes da mobilidade, desde os carros que trafegam na mesma pista aos pedestres imprevisíveis. A atenção e o cuidado redobrado, sem dispersões, definem os deslocamentos de condutores. Assim, caro leitor, saber lidar com pessoas e situações distintas no trânsito é uma maneira não apenas de evitar acidentes, mas também de manter a sua própria integridade física e emocional. A Inteligência Emocional é algo para ser aprendido, cultivado e praticado cotidianamente, afinal, quando dirigimos pelas ruas, não estamos fazendo isso sozinhos, mas com outros veículos e pedestres. O controle das emoções, então, ajuda na prevenção de conflitos que possam custar não apenas bens materiais, mas a vida dos envolvidos. Com o devido controle emocional, geramos registros com menores índices de multas por velocidade, acompanhado pela maior qualidade de vida, satisfatório para a diminuição de sinistros de trânsito e redução no estresse dos condutores que ganharão mais serenidade e paz em seus deslocamentos diários.

E, respondendo aos questionamentos que se encontram no desfecho do tópico de abertura, Wendy inicialmente não possui aderência aos princípios da Inteligência Emocional, algo que é adquirido parcialmente, devidamente conquistado ao passo que o filme avança para seu desfecho. Logo no começo, ela se demonstra incapaz de aceitar as emoções, algo conquistado posteriormente, quando alcança o controle emocional em diversas ocasiões, dentre elas, a primeira travessia de carro numa ponte, a observação das infrações alheias para que o erro do outro não prejudique a sua própria condução, algo que chamamos de direção defensiva. E tem mais: ao ter na carteira de habilitação uma alegoria para a sua liberdade, haja vista que antes, dependia do marido para deslocamentos como carona, Wendy põe em prática a automotivação, seguida das etapas subsequentes, envoltas numa mulher que utiliza o cinto antes mesmo de ligar o automóvel, põe em prática a análise dos pontos cegos e se desloca pela cidade com o cuidado não apenas consigo mesma, mas com os outros que dividem o espaço em sua dinâmica de mobilidade que fala também sobre liberdade feminina e desprendimento.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Continue Lendo
ANÚNCIO
Anúncios
Clique para comentar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Ficção, Educação e Trânsito

Trânsito, Educação e Xadrez

Uma publicação interessante sobre o uso desta modalidade lúdica para o âmbito do ensino e da aprendizagem

Publicado

em

O xadrez é um jogo de tabuleiro que pede um jogador muito atento, inteligente e com as adversidades de uma partida. O trânsito, da mesma
Foto: Divulgação

Leonardo Campos

O xadrez é um jogo de tabuleiro que pede um jogador muito atento, inteligente e sagaz para lidar com as adversidades de uma partida. O trânsito, da mesma maneira, transforma o condutor em jogador e o coloca numa situação de atenção necessário, cuidado constante diante dos possíveis obstáculos, bem como uma postura defensiva para saber lidar com o “outro” que divide o mesmo espaço neste tabuleiro da vida. Foi com esta ideia que Eurípedes Kuhl, experiente no Serviço Militar, bem como em Administração e Segurança do Trabalho, desenvolveu Trânsito, Educação e Xadrez, uma publicação interessante sobre o uso desta modalidade lúdica para o âmbito do ensino e da aprendizagem, conteúdo que parece muito complexo em seu preâmbulo, mas que vai delineando as suas intencionalidades ao passo que cada página de leitura é avançada. Se você, caro leitor, é alguém como eu, um leigo total das estratégias do xadrez, recomendo que assista ao máximo de tutoriais que puder, leia manuais, consulte o passo a passo deste jogo de tabuleiro para que a sua dinâmica no âmbito educacional seja a mais produtiva possível, combinado?

Em sua abertura, o autor comenta brevemente o estabelecimento do Código de Trânsito Brasileiro, dando destaque aos avanços que surgiram com os desdobramentos da aplicação desta legislação em 1997. Ele reflete, por sua vez, que as nossas ruas e rodovias estão longe de atingirem os ideais previstos pelo CTB, haja vista as suas respectivas estruturas problemáticas. Além disso, nos permite refletir que não apenas a questão geográfica da mobilidade, mas o fator humano, algo que mesmo diante das punições previstas nos artigos legais, ainda é um ideal que distante e precisa, constantemente, ser alcançando por meio de campanhas e demais ações educativas. É quando entra o xadrez. A sua apresentação da famosa partida de 1851, intitulada A Imortal, é demasiadamente vaga, não nos deixando entender o propósito de sua inserção no material. É uma passagem superficial, desnecessária e deslocada. Mas não atrapalha o andamento educativo do livro.

Logo mais, há uma explicação básica para os elementos que compõem o tabuleiro, bem como um breve percurso histórico dos significados destas posições. Considerado como uma ciência autêntica, envolto em olimpíadas com jogadores que levam as suas regras com seriedade, o xadrez possui um tabuleiro com espaços em preto e branco. São as vias de condução das peças. Neste jogo, temos o Rei, a Torre, o Bispo, a Dama, o Peão e o Cavalo, todos integrantes desta travessia que mescla atenção, sagacidade e inteligência, na busca de um dos jogadores em apanhar as peças do adversário e dar o xeque-mate. Cada movimentação do jogador envolvido, em associação com a dinâmica do trânsito, é preciso atuar com atitudes seguras, eficientes, tendo em vista evitar colisões, incorreções que não permitem erro, levando-o ao trágico, dentre outras iniciativas formidáveis quando associadas com nossa conduta na mobilidade.

Diante do exposto, como já dito, no xadrez, o grande lance de jogador é a atenção. Se você se perde, adentra numa zona de perigo, como o trânsito. Pedestres, ciclistas, motociclistas e condutores precisam manter-se atentos, sem o uso indevido do celular, distantes dos efeitos do álcool e conscientes dos limites velocidades das vias que atravessam. No trânsito, temos que colocar em prática a humanidade que nos define e atuar de maneira educada, para que as coisas fluam adequadamente para todos. Adequado, aqui, designa segurança. Cada seção há uma frase de epígrafe, logo no começo da representação do quadro, como nos exemplos destacados nestas ilustrações. Didático, o autor relaciona posturas comuns do trânsito com a ação inconsequente ou devidamente cidadã de cada jogador diante do tabuleiro. Há o rude, o afobado, o confuso, o hábil, o atrevido, em linhas gerais, as cabíveis alegorias para o que encontramos cotidianamente no cenário da mobilidade, seja como pedestre a aguardar um ônibus, passageiro em deslocamento no interior do Uber, ciclista ou motociclista numa travessia pelas pistas que cortam as nossas cidades, em suma, qualquer situação de trânsito do nosso dia.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Continue Lendo

Ficção, Educação e Trânsito

Rota de Colisão

Ao longo de suas 93 páginas, Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você debate segurança e cidadania no trânsito

Publicado

em

Os impactos dos sinistros de trânsito, fatais ou com vítimas acometidas por sequelas, tragédias que antes eram chamadas de acidentes, são apresentados por meio de um texto coeso, coerente e dinâmico em Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você, publicação de 2007, assinada pelos especialistas Eduardo Biavati e Heloisa Martins. O termo acidente, como nós sabemos, expressa algo imprevisto, furtivo, diferente do que contemplamos com horror em nosso cenário de mobilidade cotidiano, espaço onde situações evitáveis poderiam não acontecer e ceifar tantas vidas ativas, numa celeuma que causa desordem não apenas diante dos familiares e amigos enlutados, mas também ocasiona graves crises econômicas para uma nação que deixa de realizar amplos investimentos em outras áreas para atender aos vitimados com sequelas, dependentes de aposentadorias, bem como as cifras que os sinistros custam para o SUS.  No livro, a cidade não deixa de ter a sua culpa. Zonas com infraestrutura inacabada, projetos problemáticos, assim como o comportamento humano no trânsito, carente de educação por parte de muitos condutores, pedestres e ciclistas. Focado na importância do exercício da cidadania, o conteúdo em questão é fluente, de poucas páginas e funciona como material para educar a população em geral, além de ser subsídio básico para projetos de educação para o trânsito.

Leonardo Campos

Os impactos dos sinistros de trânsito, fatais ou com vítimas acometidas por sequelas, tragédias que antes eram chamadas de acidentes, são apresentados por meio de um texto coeso, coerente e dinâmico em Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você, publicação de 2007, assinada pelos especialistas Eduardo Biavati e Heloisa Martins. O termo acidente, como nós sabemos, expressa algo imprevisto, furtivo, diferente do que contemplamos com horror em nosso cenário de mobilidade cotidiano, espaço onde situações evitáveis poderiam não acontecer e ceifar tantas vidas ativas, numa celeuma que causa desordem não apenas diante dos familiares e amigos enlutados, mas também ocasiona graves crises econômicas para uma nação que deixa de realizar amplos investimentos em outras áreas para atender aos vitimados com sequelas, dependentes de aposentadorias, bem como as cifras que os sinistros custam para o SUS.  No livro, a cidade não deixa de ter a sua culpa. Zonas com infraestrutura inacabada, projetos problemáticos, assim como o comportamento humano no trânsito, carente de educação por parte de muitos condutores, pedestres e ciclistas. Focado na importância do exercício da cidadania, o conteúdo em questão é fluente, de poucas páginas e funciona como material para educar a população em geral, além de ser subsídio básico para projetos de educação para o trânsito.

Ao longo de suas 93 páginas, Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você debate segurança e cidadania no trânsito em seus seis capítulos curtos, todos ilustrados e com desenvolvimento de ideias pedagogicamente dinâmicas para o entendimento de todos os públicos. Trânsito e Transitar, o primeiro capítulo, versa sobre como o movimento das ruas depende da atividade humana que acontece ao redor dos espaços de circulação, apresentando questões sobre o desenho das cidades e a solução de alargamento das pistas como uma opção que não resolve os problemas no cenário da mobilidade urbana contemporânea, algo que envolve demolição de prédios, casas, indenizações, dentre outras circunstâncias. Construir novas avenidas em zonas já estabelecidas não é algo tão tranquilo quanto se imagina. Os autores refletem a quantidade de carros na rua, a questão do meio ambiente degradado pelos combustíveis e o desinteresse da população pelos modais no deslocamento, não apenas por culpa dos usuários, mas pelas condições precárias de transporte em muitas zonas urbanas brasileiras.

No desenvolvimento de As Regras: De Quem é A Vez, o texto relaciona os espaços urbanos com regras de um jogo, onde precisamos seguis as orientações adequadamente para vencer as etapas e conquistar a linha de chegada. São alegorias importantes para transformação do que está previsto por lei em explicações pedagógicas para o grande público. Obedecer às regras é algo chato? Sim, mas estamos num espaço coletivo, por isso, temos que levar em consideração os nossos interesses, mas as vontades alheias, afinal, não somos donos da rua. Existem centenas de regras no Código de Trânsito Brasileiro, a maioria, desconhecida pela população, sendo uma delas o destaque do capítulo: a hierarquia de responsabilidades ao trafegar, espaço que tem o pedestre como elemento mais frágil diante de ciclistas, carros, caminhões e ônibus.

Em Os Acidentes: Onde Mora o Perigo, terceiro capítulo da jornada de Rota de Colisão: A Cidade, O Trânsito e Você, encontramos algumas pontuações sobre os chamados acidentes, agora sinistros de trânsito, conforme a atual legislação, eventos que não devem ser pensados como obras do destino, mas acontecimentos que podem ser evitados se todos que circulam pelas vias da cidade obedecessem ao que está disposto no CTB e também respeitasse o lugar de passagem de cada um. O grande índice de tragédias nas vias não para de crescer pelo fato de nós, agentes do processo de mobilidade cotidiana, não respeitamos adequadamente o outro, colocando-se muitas vezes como irresponsáveis. Uso de álcool, mesmo na quantidade mínima, não por o cinto de segurança e exceder a velocidade: três grandes problemas contemporâneos, somados ao mais recente de todos, o uso de celular na direção, situação que está, atualmente, entre as três mais perigosas e registradas nos casos de colisão e atropelamento no mundo.

No elucidativo Atropelamento e Lesão Cerebral, os autores falam sobre como a mídia menciona as tragédias, mas não dá o mesmo enfoque para as vítimas não fatais, figuras da tessitura cotidiana que custam muito para os cofres públicos, sejam por seus tratamentos ou processos de aposentadoria. No Brasil, a maioria dos sinistros ocorre entre sexta-feira (noite) e domingo (final da tarde). Por que será? No mundo de hoje, diríamos que é porque “sextou”. E é exatamente por isso, o que nos abre as portas para conteúdo de Álcool, óbvio e quase senso comum, mas parece que ainda não nos alertamos assertivamente para esta substância que é, ao lado do excesso de velocidade, um dos elementos responsáveis pelas tragédias no trânsito, algumas irreversíveis para os envolvidos. No desfecho, temos Colisões e Lesão Medular, uma exposição dos problemas causados em determinadas situações de sinistro. Os autores explicam o que ocorre com o nosso corpo por meio de exemplos que reforçam a pequenez dos humanos diante dos impactos da dinâmica física de uma colisão ou atropelamento. É tudo muito assustador, mas ainda assim, nos pegamos sem seguir as orientações para evitar tudo aquilo que é mostrado nos casos descritos pelo livro.  Ademais, em seu encerramento, os autores pedem reflexão e postura dos leitores, fornecendo ótimas sugestões de leitura complementar.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
ANÚNCIO
Anúncios
Continue Lendo

Ficção, Educação e Trânsito

Sem data, sem assinatura

O filme uma é história de luto considerada como uma das mais atordoantes do cinema contemporâneo

Publicado

em

colisões, capotamentos, bem como condutores alcoolizados ou sem cinto de segurança, para o estabelecimento da catarse. Sem Data,
Foto: Divulgação

Leonardo Campos

Pode ser diferente em cada região do planeta, mas a constante taxa de sinistros de trânsito envolvendo vítimas fatais é uma realidade contemporânea que infelizmente devasta não apenas países economicamente desfavorecidos, mas também os lugares considerados de “primeiro mundo”. O cinema, sabiamente, já trabalhou diversas vezes com atropelamentos, colisões, capotamentos, bem como condutores alcoolizados ou sem cinto de segurança, para o estabelecimento da catarse. Sem Data, Sem Assinatura, um apurado exemplar do cinema iraniano recente, é uma destas narrativas arrebatadoras sobre os desdobramentos de uma situação evitável na vida daqueles que perderam alguém e na trajetória daqueles sufocados pela angústia e culpa, isto é, indivíduos que precisam lidar com as consequências de seus erros, numa punição que pode ser até ser mais severa que a aplicação de algo previsto na legislação, afinal, ser preso ou responder processo pode ser tão doloroso quanto acordar e dormir todos os dias pensando na vida do outro que você destruiu após agir de maneira indevida no trânsito.

Lançado em 2017, a produção dirigida por Vahid Jalilvand, também responsável pelo roteiro, escrito ao lado de Ali Zarnegar, é uma lição de drama assertivo. Em seus 104 minutos, acompanhamos a saga de um homem devidamente equilibrado em sociedade, aquele tipo de personagem que goza dos privilégios de sua profissão, numa existência confortável e tranquila, tendo os habituais altos e baixos que qualquer ser humano enfrenta cotidianamente, mas que não precisa lidar com dificuldades mais extremas para garantir a sua sobrevivência. Ele é o catalisador das reflexões sobre ética em Sem Data, Sem Assinatura, uma história de luto considerada como uma das mais atordoantes do cinema contemporâneo. Na trama, seguimos os passos de Kaveh (Amir Aghave), um médico que colide com uma moto numa situação inesperada durante uma de duas travessias diárias. Ele não comete aquilo que geralmente contemplamos horrorizados nos telejornais e em muitos filmes: a omissão de socorro.

O médico percebe que o filho do condutor, machucado no pescoço, sofreu as consequências da forte colisão, mas não teve a vida ceifada. Tranquilo, ele propõe ajuda e o encaminha para o atendimento hospitalar. O susto, no entanto, surge no dia seguinte, quando chega ao ponto de trabalho para mais um plantão. Descobre que o menino morto é a vítima do acidente. Na autopsia, a pessoa responsável pelo perito identificou um problema de intoxicação alimentar, mas Kaveh acredita que o motivo real tenha sido a pancada durante o sinistro de trânsito. E agora? Como lidar com essa dúvida corrosiva, acompanhada de um sentimento de culpa devastador? É assim que ele não fica quieto e resolve investigar as causas da morte do garoto. Será mesmo que ele deve se sentir responsável pelo falecimento? Aqui, o espectador é colocado diante de uma trama instigante sobre atos irrisórios que mudam para sempre as nossas vidas, escolhas do presente que determinam tacitamente o nosso futuro.

Nada é tão fácil quanto o esperado, talvez mais mastigado e melodramático se fosse uma narrativa de estrutura estadunidense. Sem Data, Sem Assinatura trabalha em torno de clichês, mas propõe uma abordagem mais complexa de sua proposta. Com muitas cenas no interior de carros, satisfatoriamente concebidas pela ótima direção de fotografia, o filme reflete a realidade iraniana da falta de liberdade de expressão, algo curiosamente destacado na divulgação da produção em sua época de lançamento, escolha narrativa que também dialoga com o que está designado como tema do filme, isto é, a travessia de personagens pela vida, os embates entre as pessoas, em colisões cotidianas repletas de tensões, a maioria psicológicas, mas também físicas, como a tragédia que envolve o médico Kaveh e Moosa (Navid Mohammadzadeh), pai do garoto que perde a vida, talvez pelo sinistro ou quem sabe, pela intoxicação alimentar.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Continue Lendo

Mais Lidas