
Marcus Borgón – Escritor
O poste projeta na diagonal um fiapo de sombra. As pessoas se abrigam miseravelmente em fila. O sol azeda o espírito. Desde muito novo isso me afetava. E daí me surgiu a infame ideia de uma alma europeia por natureza. O gene em menor quantidade bancava o corsário invasor, escravizando a maioria africana do meu sangue. Não gostava de praia mas achava indispensável olhar o mar como meio de mera abstração, ou como recurso poético (seja lá o que isso quer dizer).
No tempo em que morei em Campinas, sentia uma falta absurda do mar. Um frio de rachar os beiços. E olhava atônito para aquela mancha escura no céu pros lados da capital. O que havia de mais parecido com praia era o observatório da Unicamp. Durante o dia, a malucada botava fogo na Babilônia. À noite, virava motel com teto estrelado. Mas a Babilônia continuava em chamas. As pessoas de lá tinham mania de perguntar seu sobrenome. “É de que região?” Um orgulho parasita e vira-lata das raízes velhomundistas. Justamente nessa hora Zumbi organizou o levante. E Palmares avançou sobre a decrepitude ibérica. Uma pequena tribo indígena apareceu e canibalizou os usurpadores branquelos. Me reconciliei com o sol, areia e água salgada.
No caminho de volta, durante a viagem de 36 horas espremido numa lata velha da Itapemirim, meu vizinho de poltrona me contou que um cantor de reggae foi a um ensaio do Muzenza. O regente da bateria colocou a marcação para fazer a levada do baixo, e o repique pra simular a guitarra minimalista do ritmo jamaicano. Meio sem querer, acabaram criando um novo estilo. Enquanto isso, uma banda de roupas coloridas e crooner de voz esganiçada ocupava quase todo o dial com a história de um flerte mal sucedido. O império contra-atacava. É macuxi, muita onda.