Desde que foi anunciado que clínicas particulares pretendem realizar uma vacinação paga no Brasil e buscam um acordo para a compra de cinco milhões de doses de um imunizante indiano contra o novo coronavírus, o assunto vem dividindo opiniões de especialistas em saúde.
Há quem veja a medida como benéfica ao Sistema Único de Saúde (SUS) e os que consideram uma “imoralidade” dentro deste contexto de pandemia que já matou quase 200 mil pessoas e do fato do Brasil ainda não ter uma data correta para iniciar a imunização da população.
O oftalmologista Claudio Lottenberg, 60, presidente do conselho deliberativo da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde, afirma que o setor privado de saúde poderia estimular o processo de vacinação contra a Covid-19 no país e, com isso, trazer mais benefício econômico e agilidade ao SUS.
Segundo ele, o governo deveria entender que o setor privado é de grande valia e, com ele, tentar uma organização para dar conta da vacinação paga de uma parte da população, a que tem planos de saúde, de forma rápida e eficiente.
No entanto, Lottenberg considera que é possível que, num determinado momento, esse arranjo resulte em algum tipo de injustiça, como pessoas que não são dos grupos prioritários, mas que têm recursos, serem vacinadas antes da população mais vulnerável. “Eu preferiria correr o risco de cometer alguma injustiça pontual do que correr o risco de cometer a maior das injustiças, que é não vacinar ninguém.”
Já o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, 67, professor de saúde pública da USP, afirma que, numa sociedade tão desigual quanto à brasileira, é uma “imoralidade” que pessoas com dinheiro possam ter acesso à vacina contra a Covid-19 nas clínicas privadas, antes dos usuários do SUS.
Para ele, uma parceria ética seria que o setor privado atuasse dentro das mesmas regras organizadas por uma política pública, priorizando os mesmos grupos mais vulneráveis.
“Mas não é essa a proposta que está aí. A proposta é pegar gente que, do meu ponto de vista, estaria na posição número 30 [no grupo de prioridades para a vacina] e colocar na posição número 1. Isso não é parceria. Isso é inominável”.