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Uma Noite de Crime

Excepcional em sua tese, mas com alguns problemas de execução, o universo de Uma Noite de Crime é pontual em sua análise social. A base é a vi

Professor Leonardo Campos

O ser humano é colérico por natureza. Diante da exposição desta afirmação que delineio como categórica, o cineasta James DeMonaco, também roteirista e produtor, desenvolveu um argumento sobre esse mal-estar que ronda a humanidade, acossada pelos códigos civilizatórios que nos regem. A ideia inicial deu gás para um filme eficiente sobre invasão domiciliar, ponto de partida para uma franquia longeva, ampliada com duas temporadas de uma série. Excepcional em sua tese, mas com alguns problemas de execução, o universo de Uma Noite de Crime é pontual em sua análise social. A base é a violência inerente aos seres humanos, pois de acordo com o experimento da purificação anual que ocorre na diegese fílmica, todos nós guardamos uma besta interna, silenciada pelas regras que nos definem. Alguns colocam o “monstro” para fora, respondendo (ou não) por seus atos considerados criminosos. Outros permanecem contidos, a aliviar suas tensões com o cinema, a literatura e outros produtos de consumo que permitem o expurgo por uma via idealizada.

Dirigido e escrito por DeMonaco, Uma Noite de Crime traz personagens que se diferenciam destes casos de contenção, figuras ficcionais que se entregam ao processo de “carnavalização” da sociedade, oportunistas que aproveitam as 12 horas de expurgo para destruir tudo aquilo que nos dias normais, trazem desconforto, inveja, ódio, dentre outros sentimentos perigosamente represados em nosso interior. Antes de continuar, no entanto, vamos ao conceito. Na trama, o partido NFFA (Novos Pais Fundadores da América) domina as instâncias governamentais dos Estados Unidos, uma nação amena, com taxas de desemprego de 1% e violência urbana praticamente anulada. Os dados em questão são resultados do experimento que define todos os filmes da franquia. Anualmente, por um período de 12 horas, os crimes estão liberados para o expurgo da população tensa. Matar, roubar e destruir é permitido, contanto que uma das regras básicas não seja desrespeitada: o uso de armas com calibre maior que 4.

Para os participantes, no momento do despertar da sirene que indica o desfecho da purificação, os facões, machados, armas de fogo e outros utensílios mortais devem ser contidos para o próximo período, no ano seguinte. Assim, quem tem como transformar a sua casa numa fortaleza, consegue sair ileso do processo, diferente das pessoas que não possuem atributos financeiros para tentar garantir a sobrevivência. Será esse o debate das narrativas subsequentes da franquia. No primeiro momento, Uma Noite de Crime foca na crise estabelecida dentro da luxuosa casa da família Sandin, composta por James (Ethan Hawke) e Mary (Lena Headey), o casal tradicional, pais de Charlie (Max Burkholder) e Zoey (Adelaide Kane). Habitantes de uma sofisticada moradia, contemplada assertivamente pela direção de fotografia de Jacques Jouffiet, espaço visualmente concebido pelo design de produção de Melanie Jones, os personagens transmitem ansiedade com o evento anual, mas parecem tranquilizados pela segurança da suntuosa mansão.

O patriarca, em especial, deixa a entender que não há com o que se preocupar, pois eles estão protegidos, diferente de Dwayne (Edwin Hodge), um homem negro que vive distante da realidade da família e por uma ironia dramática, torna-se parte dos conflitos que empreendem as angústias de todos depois que a casa demonstra não ser tão segura como o imaginado, ou talvez, até seja, mas infelizmente, recebeu visitas de convidados indesejáveis, tortuosos em suas observações e com intenções nada agradáveis. Assim, em seus breves, mas intensos 85 minutos, Uma Noite de Crime debate questões importantes sobre violência urbana, criminalidade, comportamento humano, dentre outros tópicos temáticos sobre a nossa existência conflituosa no contemporâneo. Como filme de terror social, funciona dentro do esperado, com carga de tensão exaltada pela condução musical de Nathan Whitehead, trilha que permite a narratividade carregada de fortes emoções, numa trama que entretém e, concomitantemente, permite a reflexão.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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