Ícone do site Bahia Pra Você

Um táxi para Tóquio

Marcus Borgón – Escritor

Diploma já significou algo – falei ao japonês que dirige táxi há quarenta anos em Salvador. Atualmente – e creio já há bastante tempo – ele faz ponto no Iguatemi. Assim como eu, ele também se recusa a chamar pelo novo nome. Eu, por achar que ficou sem graça. Ele, porque não está mais “na idade de aprender nada”.

O selo “universitário” virou sinônimo de má qualidade. O chofer nipônico concordou, mas só citou o caso da música. Eu ia lembrar dos estudantes, mas ele falou de uma neta, “muito esforçada”, que passou recentemente em Direito. Resolvi calar. O cioso vovô fez questão de alertá-la para a insuficiência atual do diploma de graduação. “Hoje exigem mestlado, dotolado, o calalho aquático”. Quando questionei quem exigia tudo isso, ele respondeu com ar professoral: o mercado. Eu, pra falar a verdade, tô por fora das exigências desse senhor de escravos chamado “mercado”. Vejo muita gente se entupindo de titulações para usar como credencial. Pat Morita fez cara de estranheza ao saber que o conhecimento, há tempos, se desapegou de todos os diplomas. Com um pouquinho de verniz, disciplina e adulação é possível adquirir esses adornos que os palestrantes utilizam à frente dos nomes em eventos sacais. Exceções existem, seu Myagui, claro.

Uma professora da Federal, ao ser pressionada pelos alunos num final de semestre, levou sua tese para a sala e a usou como escudo. Eles alegavam não terem aprendido nada. E tampouco aprenderiam algo naquele calhamaço empoeirado. Não alcancei esse tempo (e a tal professora também não), mas os trabalhos acadêmicos já foram fruto de conhecimento e ilustração. Hoje, servem para camuflar a ausência destes. Não tenha dúvida, caro Ozu. O japa ameaçou contar a parábola da raposa e as uvas (dizendo ser da milenar sabedoria oriental) mas o interrompi. Desconfiei , inclusive que ele fosse um Jaspion made in China. Me sobra tédio e me falta vaidade, seu Fujimori.

Paguei a corrida e ele me olhou com uma cara de Mishima pós-harakiri. Disse que se chamava Kyoto, e que era puro preconceito pensar que todos os japoneses são idênticos. Senti o golpe da adaga. Há quem prefira urtigas*, velho samurai. É o meu caso. Sayonara!

*Há quem prefira urtigas é o título de um livro do autor Junichiro Tanizaki.

Marcus Borgón colaborou com a revista de cultura
e literatura Verbo21. Publicou textos em jornais,
sites especializados em literatura, e coletâneas de contos.
É autor da novela ‘O Pênalti Perdido’ (P55 edições, 2016).
ANÚNCIO
Anúncios
Sair da versão mobile