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Toca o barco, Caronte!

Marcus Borgón – Escritor

Sempre assim, véspera de Olimpíadas, a tevê começa a apresentar os candidatos a herói da vez. E eu lembro que nunca ganhei uma mísera medalha. Menor jeito para nada. Problemas de coordenação motora fina, baixa resistência, perda gradativa da visão. Um pendor inequívoco para as filas de espera.

Assim é a rotina de quem não tem nenhuma habilidade ou vocação especial. Uma vida pendurada ao pé do telefone que não toca. Senha que não chama, porta que não abre, ônibus que não passa. Tudo gira ao seu redor, mas alheio a você.

A aventura de desperdiçar tardes inteiras, por anos a fio, entrevado no sofá, não é para qualquer um. Poucos suportam os enxovalhos e as humilhações perpetrados por família e vizinhos (num caso raro de conluio). A espera faz você criar uma corcunda. Alquebrado, nenhuma roupa lhe cai bem. Aniversariantes não te convidam (esquecem premeditadamente). Seu número desaparece das agendas.

No início, ele se chamava Convescote. Mas foi como Tempero do Canela que o “bar dos fracassados” conheceu seus dias de glória. Músicos, atores, poetas, artistas, agiotas, bancários, gigolôs, funcionários públicos, desocupados, ambulantes… Um ajuntamento estranho, mas que formava uma massa bem homogênea. Era impossível distinguir quem fazia o quê. Frustração e falta de talento dominavam o ambiente. Ali ninguém tinha medalha para ostentar. No máximo, um escapulário de Santo Expedito. Nunca fomos tão felizes*.

*Nunca Fomos Tão Felizes é o título de um filme dirigido por Murilo Salles, de 1984.

Marcus Borgón colaborou com a revista de cultura
e literatura Verbo21. Publicou textos em jornais,
sites especializados em literatura, e coletâneas de contos.
É autor da novela ‘O Pênalti Perdido’ (P55 edições, 2016).
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