Leonardo Campos
O que é uma teoria? Basicamente, é a ideia nascida de uma determinada hipótese, especulação ou suposição, mesmo que seja abstrata e considerada excêntrica, da realidade. Noutra conceituação pertinente, podemos dizer que a teoria é o conhecimento puramente racional ou a maneira de pensar e entender algum fenômeno por meio da observação. Será assim que as figuras ficcionais de Fim dos Tempos, dirigido e escrito pelo cineasta M. Night Shyamalan, conduzirão as suas existências depois de uma série de acontecimentos inesperados varrem qualquer esperança de uma vida tranquila para os habitantes dos Estados Unidos. Mesmo que nos desdobramentos da narrativa, tenhamos o desenvolvimento de uma teoria incompleta, a proposta desta realização lançada em 2008 é bem amarrada e nos deixa um painel de questionamentos próprios da condição de um tipo de cinema não interessado em entregar tudo, mas deixar pontos para que os espectadores continuem a tecer comentários reflexivos após o término da sessão. O problema começa dos grandes centros urbanos e vai ganhando proporções interioranas. As pessoas, de maneira brusca, começam a cometer atos suicidas aleatórios, para deixar as suas testemunhas boquiabertas. Do nada, enquanto desenvolvem as suas atividades, começam a andar para trás e promover um espetáculo de morte e autodestruição.
Tudo isso ocorre em áreas arborizadas, próximas aos espaços com parques. A hipótese levantada? Atentado terrorista: um vírus ou bactéria se torna o agente responsável por causar desorientação psicológica nas pessoas, tornando-as suscetíveis ao suicídio, um atentado contra a própria vida causado pela perda do instinto de defesa que é próprio de nossa condição humana. Em Fim dos Tempos, podemos observar o quão curioso temos o método científico como algo a ser desenvolvido pelos personagens, caso queiram sobreviver. Tudo começa, como propõe a teoria, com a observação, seguida da obtenção dos fatos científicos. Cíclico, tal método permite que se estabeleça uma teoria, união do conjunto de todos os fatos e hipóteses testáveis e testadas para a concepção de uma reflexão. Os fatos, como pedem os bons manuais de metodologia, precisam ser verificáveis e as hipóteses, como mencionado, sempre testáveis. No filme, Elliot Moore (Mark Walbergh), professor de Ciências do Ensino Médio, é um dos que irão colocar as hipóteses em perspectiva, para criar a teoria que permitirá a salvação (ou não).
Ele é um jovem homem, casado com Alma (Zooey Deschanel). Juntos, eles atravessam uma tortuosa crise conjugal. Será com Julian (John Leguizamo) que eles batalharão pela sobrevivência depois que descobrem o possível motivo para a derrocada gradual da humanidade, num mundo onde multidões perdem os seus sentidos e se entregam para a morte. Entre uma análise e outra, percebem que as plantas estão reagindo aos abusos ecológicos estabelecidos pela humanidade, a liberar toxinas que afetam o sistema neurológico das pessoas, temática associada, em partes, ao que se configurou o subgênero horror ecológico, linha de filmes com ameaças da natureza, muitas delas, em busca de retaliação por causa de ações desenvolvidas pelos seres humanos, responsáveis por torna as relações de consumo e exploração insustentáveis. Um dos envolvidos compara os efeitos ao fenômeno das marés vermelhas, processo que envolve a descoloração da superfície do mar, numa prejudicial onda de proliferação de algas que tem como efeito, a mortalidade da vida marinha e perigo até mesmo aos humanos.
No caso de Fim dos Tempos, como os diversos meios de comunicação diegéticos da história nos apresenta, bem como o olhar legitimado de um cuidador de plantas, a vida vegetal parece ter desenvolvido um mecanismo de defesa contra os seres humanos, algo que consiste na emissão de uma neurotoxina transportada pelo vento. Assim, os personagens precisam evitar estradas e áreas muito povoadas, pois o processo envolve a morte de grandes grupos, sem ataques que sejam necessariamente individuais, movimentando as peças deste macabro jogo a se dividirem em pequenos amontoados de pessoas em busca da salvação. A estratégia, não delineada no filme, mas possível de reflexão para o espectador, é adentrar no campo da bacteriologia e compreender o potencial agressivo destas toxinas nos seres complexos, pois independente de sua concentração, podem causar lesões ao sistema nervoso e agir sobre outras partes do organismo, ocasionando o desastre que contemplamos ao longo da produção.
Para nos entregar Fim dos Tempos, o cineasta M. Night Shyamalan contou com a direção de fotografia sempre muito competente de Tak Fujimoto, setor responsável cenas muito funcionais, em especial, nas passagens com planos bem abertos, a contemplar paisagens que emitem o medo como sensação primordial. Na trilha sonora, James Newton Howard compôs uma textura percussiva densa, mas não muito pesada e cheia de metais conflitantes com instrumentos de sopro e corda intensos, escolha que estabelece uma boa atmosfera, mas não cria um ritmo sonoro demasiadamente pesado, como já é de se esperar em filmes do tipo. Outra particularidade interessante da narrativa é o design de produção, assinado por Jeannine Opewall, também funcional ao criar espaços aconchegantes nos momentos certos e deixar os personagens trafegarem por lugares que transmite uma noção ameaçadora, onde a segurança é um requisito que passa bem longe de todos os envolvidos nesta jornada misteriosa, erguida com temas já comuns na cinematografia do diretor indiano radicado no sistema hollywoodiano.
Ademais, as críticas ao desenvolvimento de Fim dos Tempos, com destaque para o seu tom muito didático, delineiam como o campo de produções reflexivas sobre arte parece viver num eterno efeito manada por gerações, com opiniões e posicionamentos muito massificados, tendo poucos profissionais realmente preocupados em observar os detalhes e se ater aos pormenores dispostos pelo realizador ao longo dos 91 minutos de produção, algo que não é missão para poucos, em especial, aos amantes das fórmulas intocáveis da indústria. Aqui, temos uma narrativa imperfeita sim, com alguns deslizes dramáticos e falta do aproveitamento de alguns pontos levantados pelo roteiro, bem como a presença de personagens que acrescentam menos do que poderiam, mas o resultado geral é interessante, uma abordagem curiosa sobre as celeumas envolvendo o embate entre ciência e religião, a sina da humanidade há eras.
A ameaça, nos desdobramentos da história, não encontra fronteiras, dissipada pelo vento. É algo óbvio e, concomitantemente, alegórico. Olhado pelo viés das relações humanas, Fim dos Tempos também é uma narrativa sobre o quão perigoso se torna o mundo quando estamos diante do desconhecido. O medo, sensação genuína e poderosa, promove a hostilidade que, por sua vez, põe em risco a capacidade do homem de ser solidário e afetivo, transformando a existência em sociedade quase insuportável, guiada por níveis de desconfiança e incerteza. E, mais uma vez, mencionando o clássico Os Pássaros, concebido cinematograficamente por Alfred Hitchcock, a produção reflete a impossibilidade da ciência, isto é, da necessária racionalidade, no que tange ao encontro de resposta para todas as coisas, algo que torna tudo ainda mais inquietante e desconfortável. Alegoria para o mundo pós 11/9, o suspense em questão funciona para quem se permite sair da superfície e adentrar um pouco mais na proposta do que é contado. Caso consiga, perceberá o quão interessante é saber que estamos, cotidianamente, investigando cientificamente, mesmo que em nossas dinâmicas vertiginosas, não consigamos nos dar conta.