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Tempo de coçar

O aproveitamento do tempo é um dos temas mais debatidos atualmente. A falta de tempo na vida do indivíduo moderno. E é uma questão inerente

Marcus Borgón – Escritor

O aproveitamento do tempo é um dos temas mais debatidos atualmente. A falta de tempo na vida do indivíduo moderno. E é uma questão inerente ao mundo adulto. Na infância, me recordo bem. Os dias rendiam muito. Dava para fazer os deveres de casa, tomar café, brincar com os cachorros, assistir desenho animado, jogar bola, empinar pipa, tomar banho, almoçar, ir pra escola, assistir aula, brincar no intervalo, jogar bola, brigar na saída, fazer as pazes, lanchar, esconder-se, achar-se, paquerar as meninas, caçar rãs, assistir novela, ler gibis, etc. Hoje precisamos de agenda com aviso; aplicativo que nos lembre de beber água; comprimidos que nos estimulem a concentração. Depois que absorvemos a máxima “tempo é dinheiro”, nos sentimos culpados se dormimos um pouco além da conta, ou se desperdiçamos preciosos minutos em frente à tevê. Ou, ainda, se nos estendemos com algum amigo ao celular, numa chamada. O ideal é uma mensagem de voz (escrever demora muito), ouvida em modo acelerado.

Todo o tempo que não é dedicado ao acúmulo de bens, nos pesa bastante. Horas de descanso não significam tempo para si, apenas pausa para a recuperação do corpo. Os intervalos de folga são preenchidos com outras obrigações. O fracasso é frequentemente atribuído a quem não sabe administrar seu tempo.

Não é de agora que filósofos, antropólogos, psicólogos, e demais pensadores nos alertam para os riscos de associar a felicidade ao consumo. Mas, o instinto de sobrevivência nos joga no mercado e automaticamente vamos incorporando e reproduzindo seus valores. Quando nos damos conta, estamos há décadas empurrando essa pedra morro acima. Charles Pépin, autor de “As virtudes do fracasso”, alega que experimentar o fracasso é fundamental para entender a origem dos nossos desejos. E reconhecer quais são genuínos e quais nos foram empurrados. Na Grécia antiga, os filósofos não exerciam uma atividade laboral. O resultado de seu trabalho advinha justamente da experiência de uma vida contemplativa. Acabamos trocando essa tendência natural para o repouso e para a abstração pelo remorso. Ficar parado tornou-se algo execrável.

O filósofo Byung-Chul Han afirma que a escalada de doenças psíquicas como depressão, hiperatividade, síndrome de burnout é consequência da sociedade que prioriza o desempenho, e abomina a ociosidade. Ele lembra que Nietzsche já dizia que a civilização caminhará de volta à barbárie se não souber introduzir em sua rotina momentos de contemplação. A vida não é mesmo fácil. Hoje precisamos nos esforçar para ter um pouco de ócio. Ou como diz meu amigo Paulo Bono, “um tempo pra coçar o ovo”.

Houve uma época em que o ócio e a contemplação dominavam a minha vida. Eu poderia ter argumentado que estava apenas exercendo um comportamento de vanguarda, lá em casa, quando isso era reduzido a preguiça e vagabundagem.

Marcus Borgón é escritor, colaborou com a revista de cultura
e literatura Verbo21. Publicou textos em jornais,
sites especializados em literatura, e coletâneas de contos.
É autor da novela ‘O Pênalti Perdido’ (P55 edições, 2016).
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