Bahia Pra Você

Sinistro ou acidente de trânsito?

Professor Leonardo Campos

O campo de debates sobre trânsito e mobilidade passou por reformulações recentemente e um novo termo, sinistro, foi cunhado para designar aquilo que antes chamávamos de acidente de trânsito. Sim, em relatórios, pesquisas, eventos oficiais e demais meios de reflexão sobre o tema, a terminologia correta é sinistro, não mais acidente, apesar do termo mais conhecido ainda ser largamente utilizado pela mídia, mesmo com os ajustes da ABNT divulgados ao longo dos últimos meses. Uma pergunta, no entanto, se faz necessária responder: o que muda com o termo e por qual motivo a adoção desta nomenclatura? Simples. Acidentes são coisas do acaso, diferente do sinistro, algo evitável, não acidental, passível de prevenção se as pessoas condutoras fossem mais responsáveis e adotassem para si as regras estabelecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro, discutidas desde a autoescola, mas infelizmente não respeitada na dinâmica cotidiana de mobilidade, espaço onde incidentes fatais poderiam deixar de acontecer com maior frequência se cada um fizesse a sua parte ao dividir o território em suas travessias diárias.

Bandeira levantada pela ABRAMET (Associação Brasileira de Medicina do Tráfego) e dos grupos que atuam na preservação da vida no trânsito, a mudança na terminologia foi recebida como uma vitória após um longo de tempo de investidas na correção de “acidente” por “sinistro”, algo que em países como Estados Unidos e Espanha, por exemplo, já fazem parte da legislação. Para Fábio Adura, representante da associação mencionada anteriormente, 90% das situações que agora chamamos de sinistro são ocasionadas pelo fator humano, sendo o Brasil um dos países com maior índice de violência no trânsito. Acidente, na concepção do especialista, traz algo de imprevisível e incontrolável, sem nenhum nexo com elementos da causalidade, coisas fortuitas e aleatórias, o que não acontece na maioria dos casos envolvendo colisões, atropelamentos, abalroamentos, dentre outros conflitos no trânsito que são considerados evitáveis.

Em linhas gerais, o sinistro é todo evento que resulte em danificação ao veículo ou à sua carga, bem como lesões a pessoas e/ou animais e que passa a trazer dano material ou prejuízos ao trânsito, à via ou ao meio ambiente, em que ao menos uma das partes está em movimento nas vias terrestres ou nas áreas abertas ao deslocamento público. Com a adoção do termo, exclui-se a antiga qualificação destes eventos como não premeditados, o que torna a lei mais rígida e os cuidados, cada vez mais necessários para os condutores, figuras da mobilidade que precisam refletir sobre as suas respectivas posturas para tornar o trânsito no Brasil menos caótico e inseguro. A abordagem reconhece a segurança viária como um elemento de integração entre múltiplas variáveis, tais como a infraestrutura, as leis e os usuários da via, isto é, a responsabilidade é compartilhada por quem utiliza, projeta, implementa e fiscaliza.

Elaborada pela Comissão de Estudos de Pesquisa de Transportes e Tráfego (CB016), setor integrante do Comitê Brasileiro de Transportes e Tráfego, a publicação da norma em novembro de 2020 modificou a NBR 10697, documento disponível on-line e que pode render uma discussão interessante nos meandros da educação para o trânsito, caso o mediador de um debate sobre o tema integre o material oficial com dados, notícias, trechos de vídeos e materiais de campanha para permitir que as pessoas que não fazem parte dos segmentos de fiscalização, engenharia e educação para o trânsito também possam ter conhecimento mais amplo sobre essa questão tão necessária para a sociedade de maneira geral. Com apenas 20 páginas, a NBR expõe o escopo, termos e definições gerais, tipos de sinistros de trânsito, classificação de fatores geradores de sinistros, fatores contribuintes para ocorrências de sinistros, tipos de veículos e indicadores estatísticos de trânsito, com bibliografia e linguagem acessível e dinâmica.

Confira aqui o documento mencionado.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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