O Ministério da Saúde tentou importar três lotes da vacina indiana Covaxin com prazo de validade perto do fim, para serem usadas no programa de vacinação. O contrato de R$ 1,6 bilhão firmado em fevereiro, ainda sob a direção de Eduardo Pazuello previa a compra de 20 milhões de doses. As informações foram obtidas através de documentos sobre a importação do imunizante pelo O Globo.
O contrato firmado entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos, que é representante no país do laboratório indiano Bharat Biotech, é alvo de uma investigação do Ministério Público Federal (MPF) e apura detalhes do contrato e se a empresa terá condições de fornecer o prometido. As negociações sobre a aquisição de vacinas também será um dos principais alvos da CPI da Pandemia.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) negou o pedido de importação da vacina indiana Covaxin feito pelo Ministério da Saúde, que está paralisado desde 31 de março. O contrato feito entre a pasta e a Precisa previa o envio de cinco lotes de 4 milhões de vacinas que seriam entregues em março e terminariam em meados de junho. O Ministério da Saúde seria o responsável pelo processo de importação junto às autoridades alfandegárias e sanitárias brasileiras.
Antes da negativa da Anvisa, o Ministério da Saúde iniciou o processo de importação da vacina e enviou informações detalhadas à agência sobre os lotes que seriam importados. Mas ao analisar a documentação, a Anvisa constatou que as vacinas iriam vencer entre abril e maio, o que levantou suspeitas quanto à capacidade do governo de distribuir as doses e dos estados e municípios de aplicá-las antes do prazo de validade expirar.
Anvisa questionou uso
Ao identificar o risco a Anvisa enviou um ofício ao Ministério da Saúde no mesmo dia pedindo esclarecimentos. “O prazo de validade aprovado pela autoridade indiana para a vacina Covaxin é de 6 meses, se conservada entre 2ºC e 8°C. De acordo com as datas de fabricação dos lotes a serem importados, observa-se que o prazo de validade irá expirar nos meses de abril e maio/2021. Solicita-se esclarecer se é possível a utilização de todo o quantitativo previamente à data de expiração dos lotes”, diz o ofício.
Dois dias depois a Precisa respondeu confirmando que, segundo as autoridades indianas, a validade da vacina era de seis meses, se mantida entre temperaturas de 2º a 8º C e que novos estudos teriam indicado que o produto poderia ser armazenado por mais tempo, mas não especificou que estudos seriam esses.
Informações diferentes
Outro problema detectado pelos técnicos da Anvisa é que o Ministério da Saúde repassou informações diferente para o Sistema de Comércio Exterior (Siscomex), vinculado à Receita Federal e à Anvisa. Para que a vacina seja importada, a pasta precisa obter uma licença e uma autorização dos órgãos, consecutivamente.
Para obter a licença junto ao Siscomex, a pasta informou que o número do lote a ser trazido ao Brasil era o nº 37F21004A, correspondente a 3 milhões de doses avaliadas em R$ 243 milhões. Para a Anvisa, porém, o ministério informou que iria importar três lotes diferentes do que foi informado ao Siscomex: 37620001A, 37620002A e 37620003A.
Os documentos também mostram que o Ministério da Saúde teria repassado informações erradas sobre o prazo de validade do lote nº 37F21004A ao solicitar a licença de importação junto ao Siscomex. A pasta informou que o prazo de validade do lote seria até janeiro de 2023. Técnicos da Anvisa, no entanto, alertaram o Ministério da Saúde sobre a irregularidade.
“Ademais, no LI (licenciamento de importação) consta a data de validade do lote 37F21004A como sendo 01/2023. No entanto, o prazo de validade aprovado pela Autoridade Indiana para a vacina Covaxin é de 6 meses, se conservada de 2ºC-8ºC. Portanto, a data de validade do referido lote não corresponde ao prazo de validade aprovado pela autoridade da Índia”, diz um ofício enviado pela Anvisa ao Ministério da Saúde no dia 24 de março.
Divergências sobre a validade dos lotes, falta de dados, e incertezas sobre a técnica usada para produzir a imunidade prometida pela vacina Covaxin foram alguns dos motivos que levaram a Anvisa negar o pedido de importação do imunizante indiano no dia 31 de março.
A Precisa Medicamentos disse em nota que os lotes informados durante a licença de importação se referiam aos que estavam disponíveis para envio ao Brasil em março. Segundo a empresa, esses lotes já teriam sido utilizados e não virão ao Brasil. A empresa ainda disse que não há risco de enviar vacinas perto do prazo de validade para o Brasil, por conta de previsões contratuais.
O Ministério da Saúde enviou nota dizendo nunca ter adotado a “estratégia” de importar produtos “com prazo exíguo” e de que sobre a validade dos lotes, o Ministério da Saúde diz que o assunto já foi tratado junto à Anvisa. “Nunca foi estratégia a importação de produtos com prazo exíguo, inclusive o que seria vedado em virtude do próprio contrato”, afirma a pasta.