No ‘Gente da Gente’ desta semana, o Bahia Pra Você conversa com o poeta, produtor cultural e idealizador do Sarau da Onça, Sandro Sussuarana. Se você é baiano, e vive pelas bandas de Salvador, provavelmente vai lembrar desse sobrenome. Não é à toa. Sandro nasceu e se criou no bairro de Sussuarana e desde então, 15 anos no total, faz uma longa trajetória a frente de projetos e movimentos sociais tanto na capital como no interior.
Confira o bate-papo:
Bahia Pra Você: Conta um pouco sobre o seu projeto Sarau da Onça. Como surgiu, onde acontece, qual público atingir e quais as principais atividades realizadas?
Sandro Sussuarana – O Sarau Da Onça surgiu em 2011, depois de muitas provocações do professor e poeta Nelson Maca, que iniciou o Sarau Bem Black em 2009, que foi onde eu conheci o que era um Sarau, me tornei um dos apresentadores do Sarau Bem Black depois de me tornar um dos frequentadores assíduos do Sarau.
Foi aí que Maca mostrou como era importante que se criasse um Sarau na periferia, que tinha um peso maior, um diferencial. E então, depois de um tempo, e de conhecer outros poetas como Evanilson Alves, Maiara Guedes e Omael Vieira, e levá-los em algumas edições do Sarau Bem Black, nos reunimos e apresentamos a proposta aos Padres do Cenpah (Centro de Pastoral Afro Pe Heitor Frisotti, onde acontece o Sarau Da Onça até os dias atuais), que na época era coordenado pelos Padres Franco (in Memorian) e Padre Arturo, que nos acolheram e permitiram a realização do Sarau da Onça.
Desde o Início do Sarau, Um dos nosso objetivos era de desistigmatizar o bairro, principalmente para os moradores do bairro que por muitas vezes eram os que disseminavam notícias deturpadas sobre o local ao mesmo tempo em que não se davam ao trabalho de conhecer as coisas positivas que haviam no bairro. E foi ai que começamos as nossas intervenções, mostrando através da poesia e os encontros Poéticos do Sarau, os grupos culturais e coletivos presentes no bairro, que atuavam na comunidade e não eram reconhecidos e muito menos valorizados.
Hoje, além de continuarmos mostrando o lado diferenciado do bairro, seguimos com as propostas de atuação dentro das escolas públicas e particulares do bairro, falando sobre temas diversos, ministrando oficinas de poesia, criando saraus e despertando, tanto nos alunos quanto no corpo docente e os pais destes alunos o senso crítico acerca, não só da realidade a sua volta, mas também de que forma podemos contribuir para a sua melhora e mudança!

Foto: Reprodução/Instagram
BPV: Você trabalha com produção cultural voltada a questões sociais, essencialmente com jovens em periferias da cidade de Salvador. Quais temas você trabalha em suas atividades?
Sandro – Principalmente o racismo, que muitas vezes, de forma silenciosa atinge esses jovens e acaba por lhe trazer muitas dores e vivências dolorosas. Com a minha poesia eu posso mostrar-lhes muitas dessas formas de racismo que temos em nossa sociedade e também mostrar o quanto ser morador de periferia pode ser totalmente o contrário do que a mídia vende em seus canais.
BPV: Você tem uma grande lista de atividades, quais os projetos que você já realizou e considera mais importantes?
Sandro – Todos os projetos que já realizei e ou ajudei a criar/realizar eu julgo de suma importância, cada um em seus devidos momentos e/ou situações, tais como Hip Hop Na Onça, Baile Black, Festival de Arte e Cultura do Sarau Da Onça, lançamentos de livros, caminhada da Consciência Negra e Contra o Extermínio da Juventude Negra, Slam Da Onça, entre outros.
BPV: Todos nós sofremos com a pandemia que levou, só no Brasil, mais de 660 mil vidas e afetou quase todas as atividades, principalmente o setor cultural. Como foi enfrentar esse período?
Sandro – Catastrófico. Porque para mim e tantos outros artistas que vivem de sua arte, ter suas atividades e contratos cancelados, foi desesperador, por não termos outras alternativas para em muitos casos se alimentar, pagar contas.
Para mim, por exemplo, quando a pandemia estourou, tinha um contrato até dezembro com viagens para mais de 9 estados do Brasil e uma agenda cercada de muitas palestras, oficinas e recitais, foi muito “louco” ver tudo isso indo por água abaixo em questão de dias/horas.
Todo um trabalho de anos para termos um pouco de reconhecimento e valorização do nosso trabalho sendo dizimado sem podermos fazer nada para evitar, foi muito triste sentir essa sensação de impotência. Ao mesmo tempo que nos preocupávamos com estas questões, tínhamos a preocupação com as nossas vidas e de nossos familiares, amigos e todos que poderiam ser afetados pela Covid-19.
Com toda certeza evitar a disseminação deste vírus depende de nós artistas, isso teria sido feito, como tentamos em diversas vezes e de todas as maneiras que a nos cabia, mas infelizmente a parte principal para isto foi e até hoje ainda negligencia esta situação caótica!
Foto: Reprodução/Instagram
BPV: Em um período em que casos de racismo e intolerância se escancaram em instituições e são reproduzidos por autoridades, celebridades, famosos, há um papel essencial de pessoas ativistas e projetos revolucionários, como o seu, para viabilizar a importância de combater isso. Como você vê a importância de projetos como os que você produz neste enfrentamento?
Sandro – Uma coisa que se é muito falado em nossa Sarau é que “A mudança que você quer ver no mundo, precisa partir de você” e, é isso, sabe?
Projetos como o Sarau da Onça são importantes porque são capazes de despertar o senso crítico para visualizar coisas em nossa sociedade que muitas vezes, por conta da rotina diária e da correria que somos submetidos, acabamos por deixar passar “batido” ou em muitos casos, por falta do acesso à cultura e educação de qualidade, não percebemos.
Daí, nossas poesias, palestras, encontros de formação, oficinas tem um papel fundamental na construção de nossas narrativas e de viabilizar através da literatura esses conhecimentos que nos foram (e ainda hoje é) negado.
BPV: Quais foram os maiores sonhos que você realizou ao longo da sua trajetória? Falta algum em especial?
Sandro – O de lançar um livro, dentro da periferia, em um sábado a noite, com um anfiteatro lotado (em 2014 o primeiro livro do Sarau Da Onça) foi para mim uma das maiores realizações que pude vivenciar/idealizar/possibilitar, além do fato de ter neste livro, autores (todos e todas) moradores de bairros periféricos.
Além disso, acredito que poder conhecer outros estados, levando um pouco de como nós conseguimos e continuamos até nos dias de hoje levar uma visão completamente positiva acerca de nosso bairro e de outros também.
Acho que ainda faltam alguns a serem realizados, conhecer outros países, principalmente países africanos.
Foto: Reprodução/Instagram
BPV: E você também é poeta, não é? Quais as obras que você produziu, e como você enxerga o cenário da literatura em Salvador?
Sandro – Então, ao todo em minha carreira eu tenho mais de 8 livros publicados, sendo 3 pelo Sarau Da Onça (“O Diferencial Da Favela: Poesias Quebradas de Quebrada (2014) “O Diferencial Da Favela: Poesias e Contos de Quebrada (2017) e “O Diferencial Da Favela: Dos Contos as Poesias de Quebrada (2019), 1 com o Grupo Recital Ágape (A Poesia Cria Asas (2014), 2 de autoria própria “Verso (s) Sob (re) Min” (2017) e “Traficando Informação” (2022) e outras antologias que participei.
Vejo a literatura (periférica) hoje muito mais inserida nas mais diversas atividades, sejam elas culturais ou não e acho que isso é muito bom, porque mostra o quanto que somos dotados de conhecimento e que a nossa arte deve e merece todo respeito que há tempos buscamos que seja reconhecida!
BPV: Em março deste ano você lançou um novo livro, o Traficando Informação. Do que se trata a obra e de onde veio a inspiração para produzi-la?
Sandro – Assim como outros, é um livro de poesia e de minhas vivências…
Como nos ensinou Conceição Evaristo, se trata de minhas escrevivências, é nela que eu tiro toda a minha inspiração para escrever e publicar os meus livros, este em especial por também se tratar de dar uma outra conotação para a palavra “Traficar” que ao ser dita/escutada é sempre associada ao termo pejorativo, daí a provocação, uma vez que eu sou um homem negro e morador de periferia, usar o termo Traficar o associando a questão da Informação, para mim é muito simbólico, pois, já que ser “Traficante” é o que se espera de um homem negro de periferia, irei Traficar, mas informação/conhecimento, ir na contramão das estatísticas!
BPV: Durante sua trajetória no serviço social e na cultura artística, houve alguma coisa que te surpreendeu e que você guarda reflexões sobre isso?
Sandro – Muitas coisas me surpreenderam de formas diversas, mas o que eu guardo comigo como uma boa lembrança e injeção de ânimo para continuar seguindo é ver os jovens de minha comunidade que assim como eu, eram e são (infelizmente até hoje) subjugados ingressar nas universidades, criar seus próprios projetos e ações, sempre mostrando com orgulho de onde eles são. Pra mim isso é muito gratificante!
BPV: Tem algum projeto seu em produção?
Sandro – Tem sempre um projeto em produção (risos), mas atualmente estamos em processo de organização de Um Slam Interescolar e logo em breve vocês poderão ver/ouvir mais noticias sobre esta nova ação que estamos produzindo!
Foto: Reprodução/Instagram