Bahia Pra Você

Renata Matos fala sobre psicoterapia, luto e saúde mental

Professor Leonardo Campos

Psicoterapia não é luxo, mas uma necessidade, principalmente após o longo período de transições que atravessamos em nosso atual cenário pandêmico, algo que nos acompanha desde 2020. Hoje, nosso papo é com a psicoterapeuta Renata Matos, também conhecida pelo apelido Tita, especialista em atendimentos voltado ao luto e ao acompanhamento sistêmico. Na entrevista para o professor e colunista Leonardo Campos, ela versa sobre saúde mental, banalização das medicações, dentre outros temas polêmicos, também presentes em nosso podcast, narrado pelos jornalistas Caio Batista e Emerson Miranda.

Leonardo Campos – Fazer terapia ou acompanhamento é realmente uma necessidade ou supérfluo?

Tita Matos – Fazer uma psicoterapia, ou um acompanhamento psicológico colocado assim se seria uma necessidade ou supérfluo, sem sombra de dúvidas seria uma necessidade. Importante dizer que nem todo mundo precisa, mas que a grande maioria das pessoas vai precisar em algum momento da vida. Às vezes é um momento pontual, específico. A não ser as pessoas que têm um transtorno mental, algo crônico, de moderado à grave, que provavelmente deve fazer um acompanhamento sistemático ao longo da vida. Pensando que isso é para trazer qualidade de vida. Acho que é importante destacar que a gente está pensando na qualidade de vida, porque quanto mais a gente se conhece, quanto mais a gente conhece as nossas fragilidades, as nossas limitações, as nossas dificuldades, mais a gente pode tentar desenvolver estratégias para lidar com ela. E aí buscar qualidade de vida, um desenvolvimento muito melhor no trabalho, ter relações saudáveis; e aí ‘relações’ vamos ampliar, né; relações familiares, relações interpessoais no âmbito do trabalho, das relações amorosas. Então quanto mais a gente se conhece, mais fácil fica lidar com dificuldades mesmo que a vida nos impõe, que as relações nos impõem. Pensando que o conceito de saúde, por exemplo, é o pleno bem-estar biopsicossocial, porque a saúde mental interfere diretamente na nossa saúde física, nas nossas relações, na nossa produtividade. Então estaria muito mais, nessa comparação, no campo da necessidade.

LC – Ir ao psicólogo durante muito tempo era tido com frescura é algo para pessoas com boa condição financeira. Você ainda acha que há preconceitos e medo de se entregar ao acompanhamento?

TM – Sim. Durante muito tempo, essa ideia de que fazer um acompanhamento psicológico era uma frescura, ou era para alguém que tem uma condição financeira muito boa. Isso durou muito tempo, ainda sim vivemos e temos esses preconceitos, onde que ir pro psicólogo é de quem é louco. Ainda temos muito preconceito da sociedade, de uma forma geral, na busca desse acompanhamento. Agora na pandemia, a gente tem visto um movimento diferente, porque as pessoas estão mais estressadas, mais ansiosas, com o humor rebaixado por toda privação que vêm vivendo, por todo o caos que estamos enfrentando. Então realmente aumentou uma busca por esse acompanhamento, porque é muito bom, porque as pessoas estão atentas assim e têm buscado melhorar, têm buscado não ficar numa condição de saúde extremamente precária ou grave. Então isso é muito importante.

LC – É comum as pessoas irem ao consultório mais interessadas em medicação, dando menor importância ao próprio processo de reconhecimento e enfrentamento de suas questões?

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TM – Sim, sim, claro. É muito comum que as pessoas cheguem solicitando o uso de medicamento, às vezes até já diz o nome do medicamento que gostaria utilizar, porque alguém disse que usava ou já usou em outros momentos. Então é muito comum. Assim como é muito comum que as pessoas comecem a fazer o acompanhamento e queiram uma resposta imediata. Tipo: ‘Em um mês, como que eu não resolvi isso ainda?’. Sendo que ela levou trinta anos para chegar no acompanhamento. Trinta, quarenta, seja como for. Então mesmo uma resposta mais rápida, ela exige tempo, é claro que eu não estou falando de um tempo longo, mas precisa de um tempo. É preciso conhecer realmente a demanda daquela pessoa, a estrutura psíquica daquela pessoa, quais os recursos que ela tem; pensando em estratégias de enfrentamento com as redes de apoio; quais são as possibilidades que a gente pode pensar; e que eu acho superimportante dizer, e que tenha a ver com a realidade dela, porque às vezes a gente tem ‘n’ alternativas pra aquele problema, mas não cabe na realidade daquela pessoa. Dependendo do ciclo de vida no qual ela se encontre, tudo isso vai mudar, vai exigir que a gente tenha que construir juntos, estratégias para reverter aquele quadro.

LC – Em seu perfil nas redes sociais você se diz psicóloga sistêmica familiar. Pode explicar para o ouvinte o que é exatamente essa linha de atuação?

TM – Então vamos lá, né. Vamos falar um pouco sobre o que seria essa abordagem sistémica familiar. Primeiro, é importante dizer que a gente atende família, mas atende casal e atende indivíduo. A própria abordagem permite. Só que a gente vai trabalhar com aquele indivíduo, com aquele casal, com aquela família, dentro das relações que existem ali. Então a gente avalia como é o padrão de funcionamento daquela relação. O que é que traz sofrimento, o que é que provoca o sofrimento, o que é que está disfuncional, para que a gente encontre uma forma de que aquela relação aconteça, mas de uma forma mais funcional, que traga menos sofrimento psíquico, emocional e físico para aquela pessoa. Então a gente trabalha com o sujeito dentro das suas relações.

LC – Sobre o luto. Esse é um de seus temas também. O que uma pessoa enlutada pode esperar enquanto desafio em seu atendimento?

TM – Falar do luto é uma coisa que me encanta, e é sempre bem delicado. Porque o luto pressupõe o sofrimento diante de uma perda, diante do rompimento de um vínculo que é significativo. Esse rompimento pode ser sim pela morte, mas pode ser por uma separação, pode ser por uma mudança de cidade, pode ser por uma pandemia. Quantos lutos nós não estamos vivendo diante desse contexto da crise sanitária que o mundo está enfrentando. Tem os lutos não reconhecidos, que são os lutos das gestações; sofrer um aborto no início da gestação; ou perder um animal de estimação. A gente tem diversas possibilidades de luto, mas o importante é saber que o luto é um sofrimento diante da perda de um vínculo que é significativo, e aí quem diz que o vínculo é significativo é quem perdeu, ninguém mais pode fazer essa avaliação. E o maior desafio que essa pessoa pode esperar é o processo mesmo de elaboração, de aceitação dessa perda, porque é doloroso e a gente não gosta de sentir dor, a gente não quer sentir dor, mas realmente é preciso sentir e expressar. Encontrar uma forma mais funcional de expressar essa dor para que a gente possa ressignificar essa perda, para que a gente possa encontrar um lugar para essa perda na nossa vida atual, sem esse vínculo tão significativo que a gente perdeu. Eu acredito que esse seja o maior desafio, porque não tem uma receita de bolo, porque não tem um tempo pré-definido, porque ela é individual, pertence a cada pessoa que atravessa o seu processo de luto.

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LC – Uma questão polêmica: você acha que racismo, machismo questões de gênero passam pela psicologia? Como lidar com isso quando se depara com essas abordagens em seu atendimento?

TM – Sim, essas questões de racismo, machismo, questões de gênero, questões que atravessam a religiosidade, são questões sim que passam pela psicologia. Não tem como a gente exercer a nossa profissão sem ser atravessando por essas questões. Porque ela acompanha a sociedade, e se a gente trabalha com o sujeito, a gente trabalha com esse sujeito que faz parte dessa sociedade. Então sim, essas questões passam sim pela psicologia. E lidar com isso nos atendimentos é um grande desafio, eu acho que um desafio na formação de psicólogos, na formação e no aperfeiçoamento. Por que eu digo isso? Porque na minha formação por exemplo, essas foram questões, claro que pelo contexto e pelo momento, que não foram tão batidas, discutidas, refletidas e que hoje é, graças a Deus. A gente consegue, a gente fala, a gente tem espaço para falar sobre isso. Então o maior desafio é o manejo. O manejo da gente tocar nesses temas polêmicos sem ter aquele olhar de ficar entre o que é certo e o que é errado, aquele olhar de julgamento. Mas a gente precisa ter noção da importância dessas questões, e o que é aceitável e não é aceitável. Esse para mim é o maior desafio. E aí os profissionais, psicólogos, precisam sim sair dos seus lugares, das suas caixinhas para estudar, para se aperfeiçoar. E é importante que isso aconteça em fontes que sejam referência, em fontes que tenham um trabalho sério, comprometido para que a gente possa ampliar a nossa escuta, o nosso olhar e consequentemente as nossas intervenções.

LC – De volta ao polêmico tema da medicação na atualidade: você que há uma banalização dos remédios pra ansiedade e depressão em nossa sociedade?

TM – Sempre, sempre, sempre. A nossa sociedade, de uma forma geral, banaliza, normaliza o uso de medicamentos. A gente vê porque o brasileiro é uma população que seu automedica o tempo inteiro. Então ele banaliza e normaliza o uso dos mais diversos medicamentos. E aí para a ansiedade e para depressão, se utiliza sim de uma forma indiscriminada; em muitos casos é claro, não dá para a gente viver generalizando; sem um acompanhamento sério e criterioso. Eu não sou contra o uso de medicamento. Tem determinadas situações que sem o uso de medicamento a gente não vai ter uma evolução adequada e esperada daquele quadro, mas aí a gente precisa conhecer, estudar, discutir com o profissional; psiquiatra que acompanha aquela pessoa; fazer essa interface, explicar ao paciente sobre o mecanismo da droga, o que é que acontece, psicoeducar. Mas com certeza existe essa banalização na sociedade no momento atual.

Divulgue o nosso conteúdo em podcast, disponibilizado no link abaixo. Faça a ciência circular e permita que os debates sobre saúde mental sejam ainda mais debatidos em nossa sociedade. Sugestões de temas? Entre em contato com a nossa redação e deixa a sua proposta: redacao@bahiapravoce.com.br

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Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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