
Marcus Borgón – Escritor
A anfitriã pensou que eu olhava para suas pernas. Reparei uma pinta na coxa esquerda. Sem cobiça. Tenho mania de olhar pra baixo. Rota de fuga. Gente insossa, tédio. Saia curta, idade comprida. Meus preconceitos se agitaram na cela. Uma glória remota que as varizes trataram de cobrir. Fora isso, era tudo bem cuidado. Requinte & mau gosto. “Não deixei o decorador impor suas preferências”. O quadro de flor desbotado era um retrato do passado que tentavam esconder. Embora se revelasse em pequenos descuidos, aqui e ali. Passado que só era evocado para sustentar uma mitologia pessoal de perseverança e dedicação, afinal “eu lutei muito pra chegar onde cheguei”.
Na varanda gourmet, um rasta com cara de desespero. Logo pensei: parceiro. Também recusava os vinhos. Antes, anunciavam as uvas. Todo mundo fazia cara de entendido. Deve ter curso para isso: aparência de conhecedor de vinhos. Eu estava na série B, porta da cozinha. Tipo o Bragantino (pré-Red Bull), que sempre fazia boa campanha mas nunca almejava o acesso.
Nem o habitual sarcasmo me atiçava a curiosidade. Exercício de tolerância. Vida social exige essas coisas. Arquibancada de circo. Palhaçadas e macaquices. Muito truque, nenhuma mágica. Minha namorada foi conferir as dependências. Voltou dizendo que viu de tudo, menos livro. Nem um mísero exemplar. Você entrou nas quatro suítes? Então, devem estar lá, num daqueles banheiros. Na saída, percebi que o porteiro estava atento a uma leitura. Me aproximei e vi o título, Bíblia Sagrada. Nem tudo está perdido em Greenville.