Professor Leonardo Campos
Toda pesquisa precisa de um direcionamento. O problema e a hipótese são as etapas que definem o norteamento do nosso trabalho de investigação. Enquanto o problema delimita uma questão que guiará os seus procedimentos investigativos, a hipótese permite que você exponha uma série de prováveis respostas para o fenômeno que pretende analisar. Trataremos inicialmente dos caminhos possíveis para o desenho de seu “Problema” de pesquisa e mais adiante, explanarei algumas considerações sobre a “Hipótese”, combinado? Tome nota, faça comparações com as ideias que você já tem colocado em prática enquanto formula o seu projeto e se possível, desenvolva um mapa mental para a etapa. Esse é um método que sempre indico aos estudantes que oriento, pois permite que você sistematize os conceitos e as etapas num esquema visual que servirá de mapa para as suas ações na ocasião de escrita de sua proposta acadêmica investigativa, seja no Ensino Médio, no TCC, no Mestrado, Doutorado, etc.
A identificação do meu problema de pesquisa
Antonio Carlos Gil, pesquisador e autor de diversas publicações em método de pesquisa, tem um conceito sobre problema que acho bastante objetivo. Em Métodos e Técnicas de Pesquisas Social, ele expõe que qualquer questão não solvida e que pode ser objeto de discussão em qualquer domínio do conhecimento traz em seu cerne a ideia de problema. Panoramicamente, o autor reforça que problema é uma questão que nos mostra uma situação que necessita de debate, investigação, problematização e solução. É um tópico questionador de toda pesquisa que pretende responder o ponto suscitado. Em seu desenvolvimento, o problema é um caminho pavimentado por indagações: como são as coisas? Quais as suas causas? Quais as suas consequências? É um processo que pede ao pesquisador uma série de reflexões. Tipo: o problema é relevante? Tem alguma originalidade? É adequado para a minha disponibilidade de tempo para execução? Possuo recursos financeiros para dar conta? A sua abordagem possui contribuição para a instituição onde desenvolvo o trabalho e para a sociedade de maneira geral?
Feitas as indagações, pense que o seu problema deve ser formulado por meio de uma pergunta simples, objetiva e norteadora. A dimensão da execução do trabalho questionado, reforço, deve ser viável, e aplicação, delimitada e precisa. Um mesmo problema, como será possível observar no tópico seguinte, pode trazer várias hipóteses. Fique atento. Provisórias, as situações hipotéticas podem ser confirmadas ou refutadas. Essa é uma questão muito frequente entre pesquisadores, tópico de sites que sanam dúvidas sobre o assunto. O problema é uma pergunta central que pretendemos responder durante a execução da pesquisa, um vetor que orienta os nossos caminhos, tal como uma bússola, permitindo que os métodos escolhidos sejam assertivos. A hipótese, no caso, é a suposição, afirmação que tenta responder o problema levantado, isto é, contempla o que vem antes da tese, o que não se tem certeza ou ainda não está comprovado pela pesquisa legitimadora que nos dispomos a desenvolver.
Um caminho e suas variantes: a hipótese de uma pesquisa
Retomando o que foi iniciado anteriormente, basicamente, a hipótese é a afirmação que permite a introdução de uma questão ao longo da pesquisa, tendo em vista propor um resultado previamente esperado. Etapa fundamental e importante por seu norteamento, é o processo testável do projeto, isto é, elaboração de algo que pode ser confirmado ou refutado ao passo que os dados empíricos são colhidos, analisados, juntamente com a leitura do referencial teórico que servirá de embasamento para a realização da investigação. Dentre os principais pontos de uma hipótese assertiva, descrita de maneira a não gerar conflitos e paradoxos, estão a certeza de ser possível realizar as análises que possibilitarão comprovar se o que foi estabelecido é verdadeiro ou falso. Uma ilustração que talvez elucide o tópico é a minha pesquisa de mestrado, voltada ao processo de análise da travessia do gênero discursivo crítica cinematográfica para a esfera virtual pública, em especial, o site Cine Pop.
Empreendida entre 2012 e 2015 no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, a investigação acadêmica inserida na linha de pesquisa intitulada Documentos da Memória Cultural buscou analisar a história da crítica de cinema no Brasil, a sua chegada ao espaço virtual e a o estabelecimento dos parâmetros deste gênero do discurso nas reflexões produzidas pelos autores do portal focado em cultura pop. Havia uma desconfiança, não apenas como leitor, mas como crítico de cinema atuante, em relação ao que era produzido no site ser visto com olhar preconceituoso por parte da crítica mais tradicional, desenvolvida nos veículos de comunicação hegemônicos, ainda associados com a cultura impressa e com os nichos que mantinham este campo como um feudo, espaço de circulação para poucos. Essa era a minha intuição de pesquisa, algo que explicitarei mais adiante, com detalhes. Com sinais interrogativos a gravitar em torno desta questão, levantei uma hipótese: mesmo amadora, a crítica de cinema desenvolvida na internet consegue atender aos parâmetros básicos deste gênero discursivo.
Tendo esse viés hipotético como eixo norteador, a realização da pesquisa teve aquilo que a metodologia nos ensina, isto é, com a definição simples e objetiva da hipótese, o experimento ganha foco e evita dispersões que prejudiquem no processo. Há, na prática da pesquisa e seu tópico hipotético, variáveis dependentes (a ideia testada) e as variáveis independentes (o fator sendo alterado). Observe: o maior número de estudantes numa turma de Ensino Médio promove defasagens na aprendizagem, pois os professores precisam lidar com maiores inconstâncias e menor tempo para orientações nesta fase importante de transição, em muitos casos, rumo ao Ensino Superior. Caso a instituição onde a turma se situa dividisse o grupo, os professores teriam mais chances de orientar detalhadamente, além de tempo mais hábil para debates e atividades em grupo. Temos acima dois fatores, a variante independente (o fator que passa pela alteração) e a variante dependente (a ideia testada). Teste isso com a sua ideia inicial. Funcionou?
Para isso, você deve se questionar:
- A linguagem está devidamente focada?
- A minha hipótese permite a introdução do meu tópico de pesquisa?
- A hipótese inclui as variantes?
- A hipótese pode ser testada por experimentação?
- Explica o que você espera que aconteça durante o experimento?
Para chegar nas respostas, o autor da pesquisa precisa também investir na criatividade, refletir sobre a possibilidade de encontrar fontes e ter alguma experiência no assunto, para que assim, a proposta se desenvolva com mais firmeza. Atualmente, discute-se bastante o encontro com a hipótese assertiva por quatro caminhos. O teórico, numa ligação do que é definido com um conjunto mais amplo de conhecimentos das ciências. Uma ilustração: a identificação de questões raciais de determinado escritor, talvez, Monteiro Lobato. O pesquisador deve pensar numa perspectiva nova, mas sabe que encontrará um manancial de textos teóricos para estruturar a sua análise, material oriundo de pesquisas antecessoras. A intuição, mencionada anteriormente com a pesquisa sobre crítica cinematográfica, também presente em iniciativas que queiram observar o racismo estrutural presente na mídia contemporânea ou a cultura do cancelamento nas redes sociais. Sabemos que isso está nestes locais indicados, por isso, precisamos do experimento científico para organizar as ideias e legitimar a nossa investigação com uma hipótese norteadora. Essas são opções, por exemplo, com grau amplo de viabilidade empírica de sua análise. Pense sempre nisso.
No caso da observação, temos o estabelecimento de fatos do cotidiano que fornecem indícios para a solução do problema de pesquisa, descrito no direcionamento hipotético do trabalho. Uma análise do nosso cotidiano nos permite compreender que a melhoria na dinâmica da mobilidade urbana depende bastante de campanhas educativas, especialmente, na juventude dos cidadãos que se transformarão em pedestres e condutores do futuro. Tendo isso como observação, precisamos, tal como na intuição, elaborar uma boa hipótese, com suas devidas variáveis, tendo em vista compreender esse fenômeno e desenvolver a pesquisa para o encontro com os resultados que permitirão a comprovação da nossa tese. Esse mecanismo interliga-se também com os resultados obtidos em outras pesquisas, fundamentais para o nos encorajar em relação ao quão pertinente é o tema, possível de ser contemplado pelo nosso olhar, seja por meio de um novo objeto de pesquisa ou o mesmo da análise alheia, refletido agora por um novo prisma, complementar ou com interesse em refutar o resultado anterior, comprometido por uma série de motivos que vão desde a evolução de uma ideia aos caminhos inadequados do pesquisador.
Diante do exposto, podemos observar que a hipótese trafega por um caminho que busca a probabilidade de acertos. No caso da pesquisa com o site de cinema, projeto mencionado anteriormente, percorri dois anos e meio de análise para refutar a minha ideia inicial. A internet permite, comprovadamente, o estabelecimento de uma crítica de cinema forte e engajada, voltada aos parâmetros de análise deste gênero discursivo que não é apenas um guia de consumo para os interessados em “assistir ou não assistir” um filme, mas um documento que cataloga, historiciza, classifica, dentre outras funções importantes no campo da memória cultural. O estilo de resenha desenvolvido no Cine Pop, ao menos no período de recorte da investigação, rasurava uma série de mecanismos funcionais da crítica. O problema maior estava no apagamento dos rastros, pois após algumas atualizações da plataforma, os editores deletavam textos mais antigos para sobrepor com reflexões novas, ou seja, a crítica do “aqui” e “agora” era o destaque, num site de longa data que perdia resquícios de sua história. Eis uma ilustração de refutação de hipótese.
Em linhas gerais, a hipótese de uma pesquisa é o que define a linha de investigação que servirá de bússola para o pesquisador diante de seu tema. E, retomando de maneira panorâmica o que foi explanado, o estabelecimento da hipótese requer uma revisão de literatura e ser colocada à prova durante a execução do que está proposto no projeto. Além disso, um caminho hipotético bem pavimentado deve suscitar indagações, apostando em “como” e “por que” quando a travessia percorrida for realmente afirmada pelo autor da pesquisa, ou delineado os seus “como não” e “por que não”, quando a ideia inicial tiver de ser refutada quando o percurso já estiver com dados suficientes para a elaboração das considerações finais da investigação em seu ato público de divulgação, seja numa banca de TCC, defesa de tese e dissertação ou diante da publicação de um artigo num evento presencial ou numa palestra/live on-line, algo muito comum em nossa atual dinâmica social de comunicação, modificada pós-cenário pandêmico iniciado em 2020. Ademais, enquanto estiver desenvolvendo a sua hipótese, evite termos como “bom, “ruim”, “muito”, “pouco”, enrascadas que podem deixar o seu trabalho vago, sem a objetividade que ajuda a sua pesquisa a não entrar em contradições, combinado?