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Professor Leonardo Campos
O uso de agrotóxicos no Brasil é uma das maiores preocupações nos debates sobre meio ambiente empreendidos na atualidade. Literalmente, o veneno está na mesa, como expõe muito bem os documentários de Silvio Tendler, lançados em 2011 e 2014, respectivamente, complementares nas discussões sobre os desdobramentos das substâncias químicas do agronegócio em nossos sucos, vitaminas, saladas e demais meios de alimentação. Juntos, eles se associam ao mais recente Agricultura Tamanho Família e formam a chamada Trilogia da Terra. Como bem expõe o cineasta, “se a gente não lutasse, o mundo seria muito pior”. É com esse direcionamento que ele milita nos documentários, postura que o acompanha em sua trajetória enquanto acadêmico e cineasta. Conhecido por ser o diretor dos sonhos interrompidos, haja vista a realização de cinebiografias sobre Jango, JK e Marighella, Silvio Tendler é um entusiasta há décadas. Fundou em 1981 a Caliban Produções, foi presidente da Associação de Cineastas e da Federação dos Cineclubes do Rio de Janeiro. Assumiu também a Fundação do Novo Cinema Latino-Americano e leciona no Departamento de Comunicação Social da PUC-RJ.
No geral, um homem de postura consciente e voltado aos temas sociais. Em O Veneno Está na Mesa, ao longo de 50 minutos, acompanhamos dados alarmantes sobre o uso de agrotóxicos no Brasil. Não há preocupação estética alguma e o documentário se preocupa especificamente com a urgência das informações transmitidas, num projeto audiovisual didático, mas sem os elementos que o tornam um entretenimento atraente. A forma, aqui, funciona em prol de apenas nos dizer algo muito importante, sem preocupação (ou recursos) dos realizadores para um tratamento melhor. No geral, descobrimos que desde 2008, o nosso país se tornou o maior consumidor de agrotóxicos no mundo. Com lobby fortíssimo entre empresas e órgãos estatais, a celeuma alcança níveis emergências, pois apenas em 2009, de 3130 amostras recolhidas, 29% demonstravam resultados acima do permitido. Alface, abacaxi, beterraba, couve, mamão e tomate estão entre os vegetais mais comprometidos. Quando questionado sobre a batata que vende, um produtor assume: “eu não como, não, eu apenas vendo”, ou seja, os envolvidos neste projeto criminoso em larga escala reconhecem os riscos do próprio material que produzem.
Ademais, ainda em O Veneno Está na Mesa, há explicações sobre o agente laranja, substância conhecida por ser usada como tecnologia de guerra, presente em muitos textos que discutem os conflitos no Vietnã. São produtos químicos expelidos nas lavouras e plantações que contaminam, consequentemente, pessoas, mudanças climáticas, água e ar. A revolução verde e suas propostas de modernização ganham um verniz de desilusão, pois promete saúde, mas não está sendo aplicada da maneira que deveria ser. Como no Brasil há incentivos fiscais para quem usa agrotóxicos, uma contradição ironizada ao longo do filme, torna-se cada vez mais difícil enfrentar essa luta, principalmente as populações mais humildes que não podem usufruir de vegetais orgânicos em feiras com valores que vão além de seus parcos recursos financeiros. O pimentão, por exemplo, é um dos mais prejudicados. Amostras recolhidas demonstraram 80% do limite tolerável, algo que transforma a comida que levamos à mesa em veneno dos mais perigosos.
Aprendemos, em O Veneno Está na Mesa II, que os agrotóxicos continuam sendo uma das nossas maiores preocupações, num documentário mais amplo, com média de 70 minutos, editado com gráficos e outros recursos que o tornam visualmente mais atraente que o seu antecessor rústico. Ao longo da produção, o realizador expõe que a indústria quer manter o conhecimento restrito aos seus meios de produção, um risco para a sociedade que não sabe exatamente o que consome, além de refletir constantemente, sendo um dos pontos nevrálgicos do filme, a forma como a lógica da sazonalidade da natureza se relaciona com o agronegócio. Usamos o meio ambiente com mais força que a sua recuperação para nos fornecer novos recursos. É uma lógica capitalista doentia, ilustrada num trecho numa alegoria com trechos da carta de achamento do Brasil, de autoria do colonizador Pero Vaz de Caminha.
Numa revelação polêmica, Tendler e sua equipe mostram a trajetória de uma médica que teve os seus prontuários “apagados” por revelar em seus atendimentos que algo de muito errado ocorria nas pessoas que trabalhavam no agronegócio. Câncer de rim, de bexiga, situações que antes eram parte apenas do final da vida das pessoas agora surgem constantemente em crianças e jovens, problema que reflete o desequilíbrio de uma sociedade que tem no arrasamento da terra o seu ideal de desenvolvimento. Em suma, produz-se mais que o suficiente para o solo se reerguer. Como proposta de intervenção, debate-se o modelo de argoflorestas, proposta que reflete métodos alternativos e mais viáveis que respeitam a natureza, os trabalhadores rurais e os consumidores. É um meio que possibilita equilíbrio da diversidade ecológica e recuperação da fertilidade dos solos, redução da erosão, aumento da infiltração da água, conversação de rios e nascentes, num ciclo onde todos saem ganhando, mas que não dá para se trabalhar na lógica do imediatismo. Nesses sistemas, os benefícios ecológicos estão em consonância com as preocupações econômicas. É a uma proposta conciliatória, mas quem de fato está disposto?