Leonardo Campos
Muitos leitores contemporâneos conhecem os dinossauros da ficção por meio do romance O Mundo Perdido, de Michael Crichton. São pessoas que, no entanto, precisam de endereçamento para uma das obras mais famosas de Arthur Conan Doyle, de mesmo título, publicada em 1912, ponto de destaque na história da ficção científica. Na aventura que insere o Professor Challenger no universo de personagens do escritor escocês criador de Sherlock Holmes, temos uma expedição bastante desafiadora para uma região remota da América do Sul, nas imediações da bacia amazônica, local que de acordo com os relatos do excêntrico professor, pesquisador e escritor, vivem criaturas pré-históricas, tais como dinossauros, homens-macacos e tribos indígenas. Inspirado pelas aventuras de seu amigo explorador Percy Fawcett, bem como numa reportagem jornalística que trazia os relatos de um homem que supostamente esteve na Amazônia e digladiou com uma criatura considerada “à prova de balas”, Doyle esboçou o seu material numa perspectiva seriada, posteriormente organizada como romance. Eurocêntrico que transborda, o livro é fruto de sua época, por isso, deve ser lido por uma perspectiva diacrônica, pois analisado dentro de um olhar contemporâneo, traz os inevitáveis problemas raciais e de gênero que tanto debatemos e combatemos na atualidade.
Aqui, temos a saga de E. D. Malone, um jornalista londrino apaixonado por Gladys, uma jovem mulher que sempre o atiça, mas se esquiva de um compromisso mais intenso quando o personagem aperta a sua mente. Após ser desafiado pela moça a assumir uma relação apenas depois de demonstrar a sua coragem numa aventura cheia de bravura, ele procura o seu editor para ser inserido numa nova história que lhe forneça material para o que lhe foi proposto. O desafio logo surge no horizonte, isto é, as aventuras duvidosas do Professor Challenger, homem sisudo, misterioso e arrogante, rechaçado por apresentar teorias consideradas escabrosas em eventos acadêmicos, sendo a última, a afirmação sobre a existência de dinossauros numa região amazônica, história não comprovada por causa dos obstáculos encontrados na viagem de volta, responsáveis por fazê-lo perder quase todo o seu material de registros. O contato, nos primeiros momentos, é muito tenso, em especial, por causa do gênio do professor, no entanto, não demora muito para que ambos se entendam parcialmente e a viagem seja agendada.
Inicialmente, apenas Malone iria para a expedição, mas o professor resolve acompanha-los nesta jornada narrada pelo jornalista, em detalhes, para o seu editor londrino, registros que acompanhamos como parte da empreitada de leitura. É uma estratégia que aproxima o leitor da escrita de Doyle e torna a aventura mais instigante. Juntamente com eles estão John Roxton, um duque caçador e o Professor Sumerlee, figuras complementares desta trajetória cheia de rios agitados, cachoeiras misteriosas, florestas frondosas, animais exóticos e perigosos, dinossauros deslumbrantes e contemplados como temíveis monstros, além de povos com costumes bastante peculiares, distantes do olhar eurocêntrico e ditames do que é considerado civilização. Nas numerosas trilhas encontradas pelos personagens, histórias mirabolantes transformam existências e aqueles que conseguem retornar com vida possuem material suficiente para narração de casos até os dias finais de suas possíveis longas vidas, haja vista a quantidade de emoções diante de criaturas tão assustadoras e, concomitantemente, fascinantes.
O romance britânico O Mundo Perdido aborda um esquema narrativo e proposta já contemplada pelo francês Jules Verne noutro marco da ficção científica, Viagem ao Centro da Terra, publicado em 1864. Nesta história, parte das viagens extraordinárias do escritor, temos a inserção dos dinossauros como criaturas habitantes de uma região inóspita, desconhecida, misteriosa e desafiadora. Mesmo que tenha sido o pioneiro, foi com a escrita de Arthur Conan Doyle que os dinossauros criaram uma “nova onda”, promovendo releituras, traduções, adaptações e interesse cada vez maior pelas criaturas pré-históricas, influenciado, por sinal, muitos outros autores da posteridade, tributários assumidos dos textos contributivos de Doyle. Publicado por diversas editoras e versões no Brasil, o romance em questão foi analisado por aqui pela edição da Ciranda Cultural, simplória e com alguns constantes erros de digitação, mas nada que atrapalhasse o desenvolvimento da aventura em suas 240 páginas de diagramação simples, com texto traduzido por Silvio Antunha e capa assinada pela própria editora, sem nomeação do design autor de seu verde e preto, dispostos em tons instigantes e atrativos. Em linhas gerais, uma obra marcante, cheia de imprecisões, fruto de sua época, no entanto, um ponto significativo na história da ficção científica e das narrativas com personagens aventureiros em viagens extraordinárias.