Bahia Pra Você

No limite? Quem tem limite é município

Por Carla Melo ♦ Jornalista

Você faria tudo por um sonho? Bom, essa pergunta não é nada simples, mas Marco Araújo, não só respondeu, como fez tudo pelo seu objetivo de vida. Essa pergunta levou esse cara diferentaço, a ultrapassar todos os limites. Apesar de sua coragem começar quando ainda era criança, foi no dia 25 de outubro de 2020, em plena pandemia, decidiu partir, a pé, de Catu (BA) rumo à Macaé (RJ). Conheça a jornada desse catuense, dos pés à cabeça, em um bate-papo descontraído.

Carla Melo – Antes de começar a falar sobre a sua história de superação e coragem eu quero te conhecer. Afinal, quem é Marco?

Marco Araújo – Eu sou natural de Catu, tenho 33 anos, filho de professores, tenho dois filhos: Valentina e Pedro. Tive uma infância com muita danação. Era um garoto muito levado, que sempre gostava de fazer o que vinha na cabeça, sempre busquei fazer o que queria e sou assim até hoje.

Sou técnico em Petróleo e Gás, profissional na área de perfuração de poços de petróleo. Joguei alguns cursos superiores para cima também, justamente por esse lado de gostar de testar, de estar me testando. Além disso, também trabalho com recuperação de área degradada com plantação da floresta do futuro. Costumo dizer que sou igual a um canivete suíço: tem ‘N’ ferramentas, diversas habilidades e estou pronto para viver essa vida maravilhosa.

CM – Tem gente que quando traça um plano, busca diversas formas de conquistá-lo, de inimagináveis jeitos. Um deles foi o seu, que conquistou cada pessoa que acompanhou sua intensa trajetória, mesmo que através da telinha do celular. Como surgiu a ideia de percorrer, a pé, até o Rio de Janeiro para realizar este sonho?

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MA – A ideia de ir a Macaé andando surgiu por conta de uma demanda pessoal: eu estava há cinco anos fora do mercado de trabalho que eu atuava, que era perfuração de poços e estava sempre buscando alternativas para voltar, mas ficava cada vez mais difícil. E eu falei: eu vou ter que fazer algo diferente para poder conquistar o que estou querendo. Eu vou mexer com mais pessoas e vou conseguir desta forma. Os meus cursos estavam todos vencidos.

Eu tinha na cabeça que quando eu chegasse lá, ia conquistar os meus objetivos, que eu ganharia todos os cursos que eu precisaria para voltar para a área. Eu saí com o mínimo possível e acreditando que as pessoas me ajudariam. Depois de crises que eu passei, mental, espiritual, física. Fiquei desempregado, veio a separação, passei por um processo depressivo, me levantei e fui entender que eu precisava de mim para estar vivo e para fazer o que quiser.

CM – Eu já imagino o crescimento que você teve a partir da escolha que fez. Mas, por que Macaé? Existe algo por trás dessa escolha?

MA – Porque lá é o berço do petróleo nacional. Então minha área de atuação, as empresas estão lá. Eu já conhecia Macaé. Há uns cinco anos trabalhei lá, de maio de 2012 a agosto de 2015 e foi o objetivo de retornar mesmo e continuar um sonho.

CM – Um plano como este certamente gerou muitos comentários, muita gente curiosa para saber qual era o seu objetivo e até onde você queria chegar. Você recebeu muitos incentivos?

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MA – Ah, recebi muito. Teve seguidores que me mandaram mensagem do primeiro até o último dia, sem faltar um dia. Recebia apoio nas redes, nas estradas, dos amigos, da família, em alimentação, em dinheiro. Amigos me ajudaram a encontrar estadia. Conheci oito famílias que me abrigaram durante essa jornada. Pessoas que abriram as portas para um desconhecido, num período de pandemia: isso para mim é algo surreal, divino.

Nas redes…

Saí de Catu tendo 1.180 seguidores, cheguei em Macaé com quase 10 mil. Então, era apoio por cima de apoio, muita gente mandando energia positiva. No princípio, muita gente me chamando de doido, de maluco e depois esses mesmos colocaram nas suas redes sociais me parabenizando, me mencionando. Então não fiz para agradar ninguém, era por mim mesmo, mas eu sabia que naquele momento eu conseguiria ajudar muitas pessoas também.

Influência…

Muita gente me agradecia pelo incentivo também, porque estavam passando por situações diversas. Pessoas depressivas, pessoas que tinham feito cirurgia, que tiveram diagnósticos de diversas doenças. As pessoas se alegravam em ver minha força de vontade, minha determinação, minha garra, minha fé. Então, isso para mim, foi a parte mais gratificante da jornada.

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CM – E os desincentivos? E apesar de já imaginar sua resposta (risos), eu queria saber se por algum momento esses comentários negativos te afetaram. 

MA – Ah, com certeza. Eles não me abalaram em momento nenhum (risos). Não chegava nem um pouquinho a me movimentar. Pelo contrário: eu revertia todos eles em incentivo para mim e ir em busca dos meus objetivos, porque nada disso me afetava. Era Marco com ele mesmo, porque era ele que iria caminhar. E um abraço (risos).

CM – Bom, eu como uma boa seguidora de Marco Araújo (risos), também acompanhava diariamente a sua caminhada. Queria saber a história por trás dos seus bordões, como ‘Quem tem limite é município’ pelo qual você ficou tão conhecido.

MA – O ‘Quem tem limite é município’ surgiu quando eu estava atravessando os limites dos municípios de Muritiba e Cruz das Almas, quando eu vi uma placa com as palavras limite e município e aquele momento que eu estava vivendo. Eu estava quebrando todos os limites, de tudo. Do preconceito, os limites físicos, mentais, espirituais. Eu estava passando por cima de tudo isso. O ‘Gratidão total, universo’, é que eu gosto muito da palavra gratidão, sou extremamente grato a Deus e ao universo pela minha vida e pela vida dos demais. Era o momento de energia que eu sentia que muita gratidão que eu sentia. É logo gratidão ao universo todo (risos).

CM – E além da gente sentir firmeza em suas ações, a gente também sente em sua fala. De onde vem essa coragem, ‘homi’? Você já havia se arriscado em aventuras assim antes?

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MA A vida da gente por si só já é um desafio tremendo. Não tinha feito nenhum desafio desse porte, mas já fui desafiado diversas vezes, em diversas modalidades esportivas. Eu nado, eu pedalo. Já pedalei mais de 150 km em um dia, já corri de uma cidade a outra, de Catu a Alagoinhas. Então eu sou do movimento. Não sei de onde surgiu, mas sabia que tinha que ser dessa forma.

CM – Só para entender, como você se organizava? Você tem a dimensão de quantos quilômetros você percorria por dia, por exemplo? Tudo já estava planejado?

MA – A princípio eu tinha um planejamento de percorrer 60 quilômetros por dia e descansar e parar em alguns pontos específicos durante os finais de semana. Mas nos primeiros dias da jornada, todo esse planejamento foi por água abaixo. Não tinha uma distância certa. A princípio ia ser 60km, mas como eu vi que ia ser muito puxado, apesar de ter andado 73km no primeiro dia, eu percebi que não tinha condições de caminhar assim, então eu reduzi essa meta para 40 km, mas tudo era de acordo com a distância de uma cidade para outra.

CM – Onde dormia?

MA – A preocupação passou a ser o lugar que eu iria ficar, para dormir, descansar. Então, a cada chegada em uma estadia, era planejado o dia seguinte. Então eu chegava em um determinado lugar, procurava no google maps a próxima cidade e entrava em contato com a pousada do lugar. Nas primeiras semanas eu tomei pancada. Em Conceição do Almeida, quase não encontro um lugar para ficar. Tive que implorar, pedir, chorar. Dormia em pousadas, hotéis às margens da BR, fiz dois acampamentos e na casa de oito famílias.

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CM – Onde e de que se alimentava diariamente? 

Eu me alimentava nos postos, e de acordo com as oportunidades que iam aparecendo durante a jornada. Passei por perrengue de ter condição, dinheiro para me alimentar e aquele trecho não ter onde nenhum lugar para comprar. E aí o alimento vinha das estradas, das frutas, dos caminhões que jogavam alimento. Era muito fantástico, muito casado.

CA – Além do seu inseparável diário de bordo, que era seu celular e a sua força de vontade, o que mais carregava em sua mochila?

MA – O básico do básico: eram ferramentas que eram extremamente importantes para o processo como uma faca, corda, lona, as roupas, tênis (outro par). Eu não levava de forma nenhuma excessos, como alimentações, porque eu tinha na minha mente que eu as faria no trajeto. Também levava um cajado, uma bateria externa e só. Minha mochila também tem uma pack para reservatório de três litros de água. Basicão. O que precisava para sair vivo da jornada.

CA – Quais foram as maiores dificuldades que você encontrou no trajeto? 

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MA – Foram “N” dificuldades, “N” desafios, muitas barreiras. Como eu costumo dizer para a galera: uma jornada dessa é como se fosse uma jornada de vida de qualquer pessoa. Cheia de altos e baixos, cheia de obstáculos, cheia de desafios. Mas a parte mais difícil foram os dois acampamentos. Um deles, fiz na margem da BR, não teve nenhuma proteção em volta, só com uma lona cobrindo e o outro fiz dentro de um cafezal. Os acampamentos já estavam no plano, antes da jornada já tinha ideia de que iria fazer algum acampamento.

CA – E o que foi mais incrível que você encontrou?

MA – A parte mais incrível da jornada foi poder desconstruir todo esse pensamento que as pessoas têm de achar que o mundo está cheio de pessoas ruins. As pessoas têm muito medo, e eu acredito que pelo lance de você estar absorvendo só informações negativas. Conhecer pessoas, lugares, conhecer culturas novas também foi muito gratificante nesta jornada. É um aprendizado surreal.

CM – E o resultado dessa história. Conseguiu atingir seu objetivo? Conseguiu o emprego?

MA – Ah, com certeza consegui atingir o objetivo. Até porque era uma das metas: só retornar para a Bahia depois que eu atingisse o objetivo de retornar ao mercado. Estou há três meses a serviço desta empresa, atuando na minha área profissional, que é a perfuração de poços de petróleo. Já apareceram outras propostas também para atuar na área e conquistei todos os cursos. As três grandes empresas que fornecem os cursos, me ofertaram mais de seis, que demandariam entre R$ 5 mil e R$ 6 mil.

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CM – Não somente a sua caminhada foi motivo de felicidade, mas também a sua chegada no destino. Qual foi a emoção dessa surpresa de reencontrar sua família no Rio de Janeiro?

MA – Rapaz, aquilo ali foi surreal porque não era esperado. Era aniversário do meu pai, dois dias antes da minha chegada. Eu tinha visto que eles sairiam para comemorar, mas não passava na minha cabeça que eles viriam para o Rio de Janeiro, para aguardar a minha chegada. Extremamente emocionante.

CM – Tem outros desafios pela frente?

MA – Tem horas que eu fico aqui em casa, no sítio, quando estou com a natureza. Já fico pensando em como eu vou fazer nos próximos desafios, qual é o objetivo, qual o alvo. Eu fico sempre me planejando porque eu gosto de me desafiar. Eu tenho outros grandes sonhos também. Um é subir o [Monte] Everest e o outro é fazer o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. E agora, também estou focado em estudar inglês justamente para realizar este próximo desafio.

Marco fez questão de deixar uma mensagem para você, leitor:

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Uma mensagem que eu gostaria de deixar para a galera é para que elas não desistam delas e sigam em busca dos seus sonhos. Busquem seus sonhos, busquem seus objetivos. Não deixem que os seus sonhos sejam apenas sonhos. Sigam em frente, batalhem e conquistem. Minha jornada me mostrou muito disso. Aquilo foi um dos momentos mais gratificantes que eu já vivi, não pelo fato de estar só ali, porque eu não me senti só em momento algum, mas porque você estar caminhando ali sozinho e naquele momento você se esvaziar de tudo o que é externo. Você se esvaziar de ego, de preconceito, de política de esquerda e direita, de igreja e buscar ser você mesmo. As coisas acontecem e a gente só vai conquistar aquilo que a gente quer quando nos tornamos nós mesmos.”

Instagram de Marco Araújo 

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