A Assembleia Legislativa de El Salvador, controlada majoritariamente pelo presidente Nayib Bukele, consumou uma controvertida reforma da Lei da Carreira Judicial que resulta na aposentadoria compulsória de um terço dos 690 juízes do país, além de dezenas de promotores. O principal argumento do presidente do Parlamento, Ernesto Castro, foi o de que “chega de juízes corruptos e de justiça sob medida para os grupos de poder”.
A disposição afeta juízes que tenham mais de 60 anos de idade ou 30 anos de serviço. Entre os destituídos está Jorge Guzmán, o juiz encarregado do caso El Mozote, um massacre de pelo menos 1.000 civis cometido em 1980. Em novembro de 2020, Guzmán pediu ao Ministério Público que determinasse se Bukele cometeu algum delito ao bloquear inspeções judiciais em várias unidades militares, incorrendo em supostos crimes de “prevaricação, desobediência, ocultação de documentos e acobertamento”.
O caso de Guzmán condensa tudo o que o grupo de Nayib Bukele sugere. “Para aqueles que o regime ou qualquer de seus funcionários considerem inimigos, já não há escapatória”, disse o El Faro em editorial. “Qualquer um agora está sujeito ao assédio judicial, sem direito ao devido processo, sem defesa possível. Já não há mais independência judicial, nem garantia constitucionais nem recursos judiciais. Já não há Estado de direito. Para os amigos do regime, por outro lado, já não há mais temor de que seus delitos sejam punidos”.
Depois da aprovação parlamentar, juízes de várias instâncias manifestaram seu desagrado com a reforma e os debates prévios à sua aprovação, “por serem ofensivos e indignos da investidura judicial”.
Os juízes alegam que o Parlamento não tem autoridade para reformar a Lei da Carreira Judicial, razão pela qual o projeto aprovado pela bancada do partido governista Novas Ideias (com o apoio das agremiações Ganha, PDC e PCN) seria espúrio. “Com estas reformas se viola a independência judicial no país e se violam direitos constitucionais como o direito ao trabalho, à estabilidade trabalhista, à igualdade, à dignidade humana, ao devido processo e à segurança jurídica”, disseram eles em nota.
O Sindicato de Funcionários Judiciais Salvadorenhos também reprovou as reformas e acusou o governismo de tentar “enganar o povo dizendo que o fazem porque o povo pediu a depuração do Órgão Judicial. A lei já estabelecia mecanismos para sancionar juízes que atuem à margem da lei”.