
Marcus Borgón – Escritor
Mesmo em períodos francamente democráticos, algumas miniditaduras ainda vigoram dentro de espaços delimitados. As regras são repetidas quase que diariamente. Infrações menores são resolvidas no ato. Em alguns casos, os instrumentos de repressão ficam com os próprios infratores. A consciência de cada um estica o flagelo corretivo. Algumas faltas são consideradas graves até mesmo para a pluralidade condescendente do estado democrático.
Na ditadura do lar patriarcal, certas práticas nos levam à clandestinidade, subversão. Levantamento de aparelhos e, sobretudo, criação de linguagem codificada. Contra-informação. Coisa bem elaborada. Às vezes, faltava combinar com os russos.
Ruth era uma menina boa. Nos remetia à Mulheres de Areia. O maluquinho Tonho da Lua repetindo à exaustão: a Ruth é boa; a Raquel é má. A boa Ruth, foneticamente bandeirosa para os antenados em inglês, mas que em geral passava sem levantar suspeitas. Era encontrar um camarada com olhar perdido, para ter certeza que havia travado altos papos com ela. Inebriante, a menina.
– Esteve com Ruth?
– Sim, passou lá em casa mais cedo.
Mas como eu disse, tinha que combinar com os russos. No meio de uma turma retrógrada, que não entendia a vanguarda ideológica promovida por aquela menina, a comunicação cifrada se tornava indispensável. Tovão era uma espécie de tutor da garota. Havia quem falasse em rufianismo. Talvez fosse verdade, pouco importava. O fato era que ele sempre sabia do paradeiro de Ruth. Escolado nas ruas, tinha dificuldade de entender a sofisticação dos códigos. E acabava, amiúde, derrubando o serviço.
– Tovão, você viu Ruth por aí?
– Tá em falta!