Bahia Pra Você

Memes: descarga emocional de uma sociedade tensa

Professor Leonardo Campos

Graças ao seu rápido crescimento e impacto em situações diversas, os memes ganharam as atenções dos estudos comunicacionais. Você pode até não gostar e compartilhar, mas provavelmente já teve acesso a um “meme” em suas interações por intermédio do Facebook, Instagram, WhatsApp e outras redes do ciberespaço.

Distribuídos voluntariamente, os memes mostraram-se importantes para a compreensão de como a sociedade enfrenta os seus “demônios” cotidianamente. Quem não lembra da numerosa quantidade de imagens que circulavam na internet a cada situação dramática pomposa na série Game of Thrones? E os deslizes de Glória Pires nos comentários despreparados numa determinada cerimônia do Oscar transmitida pela Rede Globo? Quem curte memes com certeza se lembra das piadas sobre a reportagem do concurso Garota da Laje ou então recorda da piada do vídeo promocional com Betina, a jovem privilegiada com patrimônio financeiro pomposo.

E as piadas não param no tempo. A cada eliminação de um participante do Big Brother Brasil, uma enxurrada de memes toma as redes sociais e aplicativos como WhatsApp. Divertido e ainda muito recorrente na atualidade é o material extraído de uma reportagem sobre uma senhora que trabalhava irregularmente no gabinete de um político e sequer cumpria o expediente. Ela chegava, batia o cartão e saia. Quando a jornalista a persegue para questionamentos, logo percebemos que dali sairia alguma piada. Foi dito e certo. Qualquer coisa que Gretchen faça hoje e divulgue, já sabe que algo será aproveitado para a produção da nossa incansável fábrica de memes. Definido por uma imagem, vídeo ou gif com intenções humorísticas, os memes espalham-se como rizomas pelo ciberespaço, tendo efeito paródico, compartilhado entre as pessoas que geralmente partilham de determinados conteúdos. A sua duração é imprecisa, pois um “meme” pode se permanecer fixo ou evoluir com o tempo, em alguns casos, perder impacto e desaparecer. Por conta do seu baixo custo-benefício, ganham constantemente espaços e fala-se até em memes em processos seletivos nacionais, tais como o ENEM e o ENADE.

Geralmente viral, O termo faz referência ao conceito apresentado por Richard Darkins em The Selfish Gene, lançado em 1976, obra conhecida por tratar de amplas teorias de informação cultural. Conforme podemos associar com as ideias do autor, os memes, culturalmente, são o equivalente aos genes biológicos, isto é, um fragmento de informação que tem por objetivo se replicar. Ao aproximar entretenimento e problemas de ordem social, os memes fazem referências constantes aos meandros da cultura pop e tornaram-se onipresentes nas redes sociais. Durante as suas primeiras manifestações, as pessoas acreditavam que entre as suas características, encontrava-se a leviandade, as trivialidades e um arsenal de coisas efêmeras, entretanto, o panorama mudou: alguns memes ainda são prosaicos e banais, mas outros revelam como são importantes recursos de uma sociedade que precisa acionar descargas emocionais diante de tanta tensão.

Os memes e os brasileiros

De acordo com uma reportagem do jornal El Pais publicada em 2016, os brasileiros estão entre os melhores criadores de memes do mundo. Mergulhado numa crise política que nos faz lembrar as melhores intrigas de Shakespeare, o veículo alegou que o Brasil não se surpreende mais com nada. Os produtores da série House of Cards publicaram um meme na conta oficial do Twitter, tendo a seguinte composição textual: “tá difícil competir”. Para quem conhece a série e está atualizado no que diz respeito à situação do cenário político brasileiro diante do mundo, a mensagem é captada com sucesso. Se formos pelo lado político e social, os memes seriam o equivalente, em termos críticos (mas não estéticos), ao que a literatura, o cinema e o teatro são desde que nos estabelecemos enquanto sociedade: manifestações artísticas capazes de tecer reflexões.

Para os brasileiros, os memes são materiais típicos de uma nação que tem a capacidade de conseguir rir de si mesma. Não que o brasileiro não se preocupe, mas estão todos desacreditados pela elite política e empresarial. Prova cabal da importância dos memes é a necessidade da metalinguagem no processo de interação entre leitor/espectador e a peça paródica. Se a pessoa desconhece as referências, os memes perdem efeito, pois para que haja efetivação do efeito humorístico, cabe ao leitor/espectador interpretar a mensagem. Um exemplo interessante é um meme que circulou este ano no Brasil, tendo o representante político Michel Temer como foco central. No material lia-se: “Bem-vindo à sua fita, Temer”. Na imagem havia uma montagem do referenciado com fones, tal como o protagonista do fenômeno midiático do ano, a série Os 13 Porquês.

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A produção de memes brasileira é tão vasta que a página SAM (South American Memes) possui grandes equipes responsáveis por controlar as contribuições que chegam através das redes sociais. Ao funcionar como uma eficiente fábrica, às vezes há o abastecimento de cinco mil memes por dia. Há, no entanto, quem acredite que os memes enfraquecem a discussão política. Para a jornalista Ana Freitas, “ajudam a lidar com frustrações e tornam a política mais cool, entretanto, o debate pode ficar mais raso”. Mas, então, não seria assim com outros gêneros discursivos e textuais? Fica a reflexão. Esta modalidade de humor, por sinal, não é uma novidade, pois esteve de maneira similar, presente na esfera privada há bastante tempo, mas com o advento da cibercultura, os memes tornaram-se parte da nossa esfera pública, terreno fértil onde pululam as nossas problematizações cotidianas.

Mas, afinal, os memes importam?

Engana-se quem acredita que o meme torna determinados debates superficiais. Com possibilidade de despressurizar as pessoas diante de uma convivência social cada vez mais conflitante, os memes são ricos recursos para promoção de debates e torna alguns conteúdos acessíveis. Para compreendê-los, cabe ao leitorespectador estabelecer a relação referencial presente na peça, o que já reforça que os memes são mais complexos do que se imagina, no entanto, por ser uma discussão ainda incipiente, as pessoas não conseguem se debruçar sobre este fenômeno comunicacional com mais propriedade. Propagado constantemente nas redes sociais, os memes ressignificam situações básicas do cotidiano. Replicados de pessoa para pessoa, é parte do que chamamos de conteúdo viral, pois geralmente ganha repercussão quando atinge determinados grupos e até mesmo pessoas que o compartilham sem conhecer exatamente o ponto de partida de algo que possui uma relação de referencialidade.

Para o pesquisador Pedro Lehnard, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, os memes são “resultado de uma reflexão com base em alguma percepção moral e geralmente servem para chamar à atenção para situações, onde as pessoas precisam mudar ou melhorar”. Para o especialista, “de alguma forma, a criação de memes está organizando a emoção das pessoas”. Tal como a ideia de cultura pop que muitos desinformados propagam em discursos frágeis sobre o assunto há uma crença que prega a fragilidade acerca dos memes, representados como possíveis peças rasas que tornam algumas discussões aparentemente mais complexas, principalmente quando relacionados aos meandros de discussões políticas, em debates banais. Piada interna, os memes são narrativas do cotidiano, manifestações culturais da era da cibercultura, comparados sabiamente por Richard Darkins aos genes que assim como o material em questão, espalham-se numa dinâmica em que se dividem, se multiplicam e se propagam vertiginosamente. Quem conhece o meme com as equações e Nazaré, personagem de Renata Sorrah em Senhora do Destino, sabe que o conteúdo foi até relido em território estrangeiro, com outra figura ficcional representada, mas claramente inspirada no meme brasileiro.

Se observarmos mais detidamente, será possível vislumbrar justamente o contrário. Os memes, em muitos casos, podem ser fruto de discussões oriundas da capacidade do realizador em associar conteúdos e construir argumentações que através de uma semente, surgem como ponto de partida para discussões maiores. É como a personagem de Julia Roberts aconselha as estudantes de História da Arte em O Sorriso de Monalisa: “é preciso ver além da imagem”. Se os “leitores, espectadores e internautas” conseguem associar ideias e construir significados diante destas peças, estão vendo além das imagens. Desta maneira, precisamos louvar, afinal, numa sociedade que constantemente denuncia a descrença na leitura como parte integrante da formação do pensamento crítico, os memes são uma fonte inestimável de reflexão. Com isso, não quero dizer que a imagem anula o texto verbal e vice-versa. Aqui, temos uma cultura de múltiplas possibilidades de contemplação de conteúdo. Certa vez, o ensaísta estadunidense William S. Burroughs alegou que a linguagem é um vírus. Se assim for, que as discussões sobre estas manifestações comunicacionais se propaguem, tal como os memes em si.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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