Bahia Pra Você

Leonardo decidiu compartilhar seu Top 10 de filmes

Professor Leonardo Campos

O cinema sempre esteve em minha trajetória de vida por causa de minha mãe, uma cinéfila inveterada que pelo que me recordo, não perdia uma sessão de filmes na televisão aberta, tampouco as narrativas de suspense aos sábados, no famoso Super Cine, algo sempre acompanhado pelos meus olhos ainda curiosos, mas sem a devida compreensão dos mecanismos que formulavam a tal arte que na atualidade, tornou-se dominante em minha vida profissional enquanto crítico, escritor e professor universitário no curso de graduação em Cinema e Audiovisual. Creio que Sexta-Feira 13 Parte 7 tenha sido meu primeiro filme conferido numa postura cinéfila e Moulin Rouge – Amor em Vermelho foi a reiteração da cinefilia uma década depois e ainda hoje, juntamente com a lista que acompanha este parágrafo introdutório.

É uma seleção de filmes que pode mudar com o passar do tempo, mas que apresenta produções que continuam relativamente fixas desde as retrospectivas com os “Melhores de Minha Vida”, realizadas em 2002, 2008, 2010, 2015 e em meu contexto cinéfilo atual. Aos leitores, o meu Top 10 em 2021. Quem sabe em 2022 isso mude? Desde já, informo que não estou classificando os 10 melhores filmes da história. Estou flertando com minhas memórias e os pontos de articulação com o cinema que marcou a minha trajetória de crítico, pesquisador e professor de Cinema e História. Você, caro leitor, tem o seu Top 10 também? Deixa lá embaixo os seus comentários.

Moulin Rouge – Amor em Vermelho

Quando lançado em 2001, Moulin Rouge – Amor em Vermelho não apenas abriu as portas para uma nova onda de musicais na indústria cinematográfica, mas também foi o momento de minha maior epifania cinéfila. Percebi que não apenas curtia filmes como entretenimento, mas gostava de ir além e compreender os mecanismos que engendram o seu funcionamento enquanto arte multimodal. Na ocasião, descobri que Nicole Kidman se tornaria a minha atriz favorita, uma das damas mais versáteis e talentosas das artes dramáticas contemporâneas. Senti que havia algo de Madonna e Marilyn Monroe e seu personagem e essas descobertas ganharam mais sentido quando o filme avançou da seara cinéfila e se tornou parte de minhas experiências profissionais desde as primeiras palestras, aulas e outras interações com a exposição crítica da linguagem cinematográfica, mixada com traços do videoclipe, ópera, cultura pop, dentre outros elementos apaixonantes, da trilha sonora incrível ao desempenho encantador de Ewan McGregor como o pobre escritor a se apaixonar pela cortesã mais linda do cinema.

Moulin Rouge | Baz Luhrmann | Austrália, 2001

Tudo Sobre Minha Mãe

O premiado drama de Pedro Almodóvar foi outra parte integrante do meu ritual de iniciação na cinefilia. Dos personagens incríveis aos diálogos inteligentes e humorados, Tudo Sobre Minha Mãe é um belo trajeto de figuras que se aproximam alegoricamente da minha realidade cotidiana. O filme retrata preconceito, maternidade, amor, paixão, mágoas, luto, renúncias e outros tópicos que se tornam ainda mais apaixonantes quando as conexões metalinguísticas com Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams, e o formidável A Malvada, de Joseph L. Mankiewicz, clássico que representa o momento máximo na carreira de Bette Davis, grande dama do cinema clássico hollywoodiano. As cores intensas da direção de arte e a iluminação que transforma os desempenhos de Cecilia Roth e Penélope Cruz em pura aura dramática. Almodóvar brilha intensamente em tantos outros filmes, mas Tudo Sobre Minha Mãe será para sempre não apenas a sua principal referência no bojo do meu gosto pessoal, mas também em minha visão profissional sobre a linguagem cinematográfica.

Todo Sobre Mi Madre | Pedro Almodóvar | Espanha, 1999

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Foto: Divulgação

 

O Silêncio dos Inocentes

Quando conferido na primeira ocasião de uma exibição televisiva, O Silêncio dos Inocentes não teve o mesmo impacto que a fruição na posteridade, algo em torno de uma década após o contato inicial com os personagens criados por Thomas Harris em seu romance homônimo, comandados pela direção segura de Jonathan Damme na premiada e luxuosa produção de 1991. Jodie Foster e Anthony Hopkins transformaram o filme num espetáculo dramático intenso, haja vista os desempenhos de seus personagens, Clarice Sterling e Hannibal Lecter, respectivamente, figuras mergulhadas numa jornada orquestrada pela igualmente brilhante trilha de Howard Shore. Dos diálogos afiados ao traquejo da direção de fotografia na condução da narrativa, O Silêncio dos Inocentes é um dos grandes filmes da história do cinema, eficiente na manipulação da linguagem audiovisual, no equilíbrio do suspense e na maneira como aborda a violência sem cair no discurso de vulgarização da morte de uma produção slasher qualquer.

The Silence of The Lambs | Jonathan Damme | EUA, 1991

Foto: Divulgação

Pânico 2  

Wes Craven é o criador de dois universos cinematográficos que são idolatrados em minha jornada cinéfila e profissional. A Hora do Pesadelo e Pânico. Freddy Krueger e Ghostface. Duas franquias que poderiam ser apenas mais litros de sangue falso e investimentos em maquiagem para a composição da trilha de corpos na história do subgênero slasher. No entanto, os argumentos se transformaram em circuitos narrativos com potencial para discussões sobre o impacto do cinema em nossas vidas. Pânico 2 ainda é o meu predileto, não apenas entre as quatro produções da franquia, mas no panorama de filmes inesquecíveis. O amadurecimento de Sidney Prescott, a sua associação com a Escola de Teatro e o paralelo com Cassandra, personagem icônico da mitologia grega, juntamente com o magnetismo junto aos demais membros do elenco principal, isto é, Courteney Cox e David Arquette, além da coragem dos realizadores em ceifar a vida de figuras importantes do jogo tornam esta sequência tão incrível e ainda melhor que o seu antecessor. Ainda é preciso dizer que há acertos no filme dentro do filme, no debate sobre a polêmica em torno do suposto impacto da violência do cinema na vida real, além das estratégias narrativas mais elaboradas que demonstram evolução na dinâmica interna de um universo apresentado como franquia, hiperconectado em suas quatro partes.

Scream 2 | Wes Craven | EUA, 1997

Foto: Divulgação

Instinto Selvagem

A relação com Instinto Selvagem dentro do meu esquema cinéfilo é algo semelhante ao encontro eletrizante de Hannibal e Clarice em O Silêncio dos Inocentes. Contemplado inicialmente numa exibição televisiva, o filme foi acompanhado por uma postura cinéfila ainda pulsante, mas não declarada. Ao ser revisitado recentemente, na ocasião da reescrita de alguns capítulos do livro O Cinema de Alfred Hitchcock, publicado em 2016, o clássico moderno tornou-se um dos suspenses mais intrigantes do cinema hollywoodiano em minha opinião, pois manipula a linguagem cinematográfica de maneira formidável, da direção de fotografia incrível de Jan De Bont ao som envolvente da textura percussiva composta para a trilha sonora assinada pelo veterano Jerry Goldsmith. O polêmico Paul Verhoeven dirige o roteiro de Joe Eszterhas e reapresenta uma nova versão de Sharon Stone ao mundo, antes eclipsada por filmes pouco empolgantes. Tudo é intenso demais no jogo erótico do filme que também apresenta um bom desempenho dramático de Michael Douglas, ator mergulhado na atmosfera neo-noir que compõe o chamado “Legado de Alfred Hitchcock”, afinal, há muitos elementos de Vertigo nesta trama cuidadosamente executada, relação metalinguística que também justifica a sua inclusão no livro mencionado anteriormente, também organizado com bases em filmes conectados ao eterno mestre do suspense.

Basic Instinct | Paul Verhoeven | EUA, 1992

Beleza Americana

Sou apaixonado pela trilha sonora de Thomas Newman. É a textura percussiva ideal para acompanharmos os personagens de Allan Ball dirigidos por Sam Mendes num momento crucial de sua carreira. A jornada de Lester (Kevin Spacey) é uma alegoria para o desenvolvimento de nossas vidas em qualquer nação mergulhada nas opressivas dinâmicas do chamado capitalismo tardio. A sua trajetória dialoga com os coadjuvantes e todos juntos formam um microcosmo que espelha as angústias de uma vida voltada ao jogo das aparências. Se lançado na era das redes sociais, isto é, a fase da humanidade mais tenebrosa no que tange ao constante processo de manipulação das aparências, talvez Beleza Americana mantivesse praticamente toda a sua estrutura dramática, com poucas alterações no excelente texto de Ball e na forma como a direção de fotografia de Conrad L. Hall flerta com a linguagem clássica para retratar temas tortuosos. É o que chamo de perfeição na imperfeição. Os enquadramentos são milimétricos, o cálculo da luz é pontual e traz brilho para criaturas esmagadas por seus contextos de vida mergulhados na tristeza profunda, um paradoxo textual para um visual tão deslumbrante, esquema narrativo que Allan Ball traria depois para a excepcional jornada de cinco temporadas em A Sete Palmos.

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American Beauty | Sam Mendes | EUA, 1999

Foto: Divulgação

Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros

Por que não Tubarão? Você demonstra fascínio e já analisou tantos filmes sobre o tema, tem até a camisa do filme e peças sobre o filme como decoração da sua estante de filmes. Essa é uma pergunta constante quando reforço que meu filme predileto de Steve Spielberg, bem como um dos privilegiados em minha lista de mais marcantes de minha trajetória cinéfila é Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros, uma das narrativas mais empolgantes do gênero aventura e parte elegante e autêntica do subgênero horror ecológico. Laura Dern, Sam Neil, a música tema de John Williams, a história sobre seres que mesclam fascínio e pavor, dentre outras justificativas fazem desta dinâmica história sobre manipulação e ética na pesquisa cientifica um dos filmes que marcaram as minhas primeiras idas ao templo da cinefilia clássica: a sala de cinema, atualmente trocada por exibições de streaming e outras opções de consumo das gerações mais recentes. Os efeitos visuais, os eficientes efeitos especiais, a edição e o ritmo empolgante da história consolidaram o interesse por narrativas ficcionais, algo que anos depois se tornaria algo além da pura cinefilia, mas o exercício profissional dominante em minha jornada cidadã cotidiana.

Jurassic Park | Steven Spielberg | EUA, 1993

Foto: Divulgação

As Horas

A presença de As Horas nesta lista dos filmes mais memoráveis de minha vida não é apenas pelo desempenho dramático de Nicole Kidman, tão fascinante quanto os trabalhos de Meryl Streep e Julianne Moore. Dos três segmentos, gosto até mais do personagem de Clarissa, circundante no contemporâneo, interpretada por Streep. O que me faz um apaixonado pela narrativa é a sua estratégia de tradução intersemiótica do complexo livro homônimo de Michael Cunningham, premiada publicação com fluxo de consciência e de histórias em torno da figura enigmática de Virginia Wolf. A direção de Stephen Daldry é sutil, cuidadosa e esbanja harmonia ao dialogar com três personagens tão fortes. As cores opacas em contrastes com os pouquíssimos objetos de maior intensidade visual nos permitem adentrar neste universo de mulheres eclipsadas por seus respectivos conflitos internos e externos, numa narrativa que reflete a condição da mulher e a família como um espaço de violência. Ed Harris e Claire Danes, personagens com menor tempo em cena, mas com a mesma intensidade dos demais, completam as discussões empreendidas pelos dramas vivenciados em tela na trajetória das protagonistas. Ademais, o ponto alto de As Horas em minha vida é a sua trilha sonora, executada no momento em que escrevo esta lista para vocês, uma inebriante textura percussiva, espetáculo de música minimalista assinado pelo veterano Philip Glass, presença constante em momentos de leitura, escrita, reflexão, etc.

The Hours | Stephen Daldry | EUA / Inglaterra, 2002

 

Thelma & Louise

A jornada feminina e feminista de Thelma & Louise, personagens de Genna Davis e Susan Sarandon, dirigida por Ridley Scott com base no roteiro de Callie Khouri é uma alegoria para a nossa travessia cotidiana em cada dia de nossas vidas. Erros e acertos, momentos de dificuldade e outros de esperança, tudo isso está no premiado drama que retrata a vida de duas mulheres cansadas de suas estagnações sociais. Do carinho que tenho por uma das selfies mais famosas do cinema, ao desempenho dramático das atrizes num momento brilhante de suas carreiras, Thelma & Louise encontra-se entre os meus prediletos por seu desfecho “aberto” e simbólico que me faz lacrimejar só de lembrar, bem como por seus diálogos inteligentes e memoráveis. O desenvolvimento dos conflitos e dimensões psicológicas das protagonistas e uso de coadjuvantes nada aleatórios também me permitem colocar a produção no concorrido e injusto (mas necessário) patamar dos 10 filmes mais memoráveis de minha trajetória cinéfila. Não sei explicar, mas sempre que penso no drama e como elenca-lo em lista desses tipos, relembro de Filadélfia, Em Nome do Pai e Cinema Paradiso. Acredito que seja porque foram assistidos no mesmo período que reformulei o meu contrato com o mundo do cinema, ao ter a epifania sobre ser cinéfilo com Moulin Rouge – Amor em Vermelho, ocasião das diversas sessões no conforto do meu lar, enquanto meus amigos e alguns familiares viajavam ou pululavam pelas ruas ao som do tal contagiante carnaval de Salvador, em fevereiro de 2002.

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Thelma and Louise | Ridley Scott | EUA, 1991

Sexta-Feira 13   

Como não respeitar o filme e a franquia que te colocou na rota dos filmes? Sexta-Feira 13 tem o seu lugar na história do subgênero slasher, bem como em minha vida. Segundo levantamento feito na ocasião de Como e Por Que Sou Crítico de Cinema, livro que considero uma carinhosa publicação autobiográfica, Sexta-Feira 13 Parte 7 – A Matança Continua foi o primeiro filme que lembro ter assistido em minha vida. O discurso da memória, sabemos, é falho, nebuloso, traz incongruências, mas lembro com carinho que a produção foi gravada em fita VHS por um primo enquanto acompanhávamos o filme numa exibição televisiva, em 03 de junho de 1991 (ao menos foi o que me disseram com base em registros quando procurei os arquivos da rede transmissora para pesquisar a informação). É bem provável que não tenha sido exatamente o primeiro, pois minha mãe, responsável por minhas inclinações literárias e cinematográficas, me fazia ser um espectador dos clássicos da Sessão da Tarde enquanto executava as lições de casa. É preciso levar em consideração que a sexta parte foi transmitida um ano antes. No entanto, será que eu assisti a sua reprise? Não sou capaz de “afirmar”, mas o sétimo filme é o primeiro visto numa postura de entretenimento cinéfilo consciente. Hoje eu tenho noção dos problemas de ordem dramática e estética na franquia, mas jamais vou desconsiderar o seu lugar em minhas bases. Não ter assistido ao filme para os comentários no dia seguinte na escola era como não vestir rosa nos dias de quarta-feira (saiba mais em Meninas Malvadas). Ademais, tanto esse quanto os demais da franquia eram conferidos em grupo, com pipoca e comentários sobre cada cena. Fazia-se concurso de desenho e até “brincávamos” de Jason. Mais cinéfilo que isso, impossível!

Friday The 13th Part VII – The New Blood | John Carl Buchler | EUA, 1987

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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