Professor Leonardo, a pergunta inicial é o ponto de partida para compreensão de todo o nosso papo: o que é ludicidade?
O termo vem de lúdico, palavra em latim que designa jogo, divertimento, associado no campo da arte e da educação, relaciona-se com a proposta de inserir elementos da brincadeira dentro de uma dinâmica própria, com lógica e convenções próprias. O entretenimento também pode ser uma maneira de aprendizagem, então, o lúdico se insere neste contexto para dinamizar e ampliar as possibilidades do desenvolvimento cognitivo dos indivíduos envolvidos em propostas do tipo. Em linhas gerais, a ludicidade na educação envolve um poderoso esquema de aprimoramento da criatividade e dos relacionamentos interpessoais.
O lúdico, então, pode ser um recurso metodológico poderoso no ensino de Artes no ambiente escolar?
Sim, como pudemos observar ao longo das reflexões realizadas em nosso encontro, o lúdico nos diversos ambientes educacionais permite que tenhamos, enquanto coletividade, algo que envolve gestores, docentes, estudantes e familiares, situações que resgatam o ato de brincar para a aprendizagem, tendo no jogo e seu potencial de diversão, um instrumento de transformação nos processos pedagógicos. O lúdico enquanto postura metodológica fornece subsídios para uma educação significativa, com grandes chances de inovação constante, afinal, jogar é algo que envolve integração, bem como motivação para todos os envolvidos. Há também o desenvolvimento da autonomia e da criatividade, elementos essenciais nos ambientes educacionais.
Em sua palestra e na entrevista sobre pedagogia em espaços não escolares, você falou sobre a pedagogia hospitalar. Há também uma conexão com o lúdico e o ambiente em questão?
Há pesquisas e relatos de experiências interessantes sobre esta perspectiva do lúdico. O indivíduo que precisa atravessar um período de internação hospitalar passa por momentos de medo, angústia e desconforto, por isso, ações lúdicas são importantes dentro deste contexto que clama por humanização. É ir além do medicar e tratar cordialmente os pacientes. A ludicidade no ambiente hospitalar tem função terapêutica, um bálsamo para momentos de tormento, dor e adoecimento. A criança, neste cenário, não pode ser vista apenas como alguém a ser atendido pelos aparatos básicos hospitalares, mas alguém que carrega em si subjetividades e singularidades.
É muito comum acompanhar professores que nas aulas de Artes, se preocupam com biografias de pintores e reproduções de suas obras. Acredito que seja importante, mas ensinar Arte é ir além, correto?
Eu me questiono constantemente sobre isso, a postura dos meus pares profissionais. Há questões salariais e sociais envolvendo a falta de ânimo para propostas mais assertivas, bem como um contexto escolar cada vez mais defasado, com estudantes desinteressados. O retorno após o advento da pandemia da covid-19, que nos acompanha desde 2020, foi um tormento para os meandros da educação, mas acredito que o professor precisa ir além. Não apenas pelos estudantes, sendo algo para a sua própria sanidade, sabe? Criar aulas mais dinâmicas, interativas e atraentes, para que os problemas de postura e demais situações que gravitam em torno do ambiente escolar sejam, ao menos, minimizadas. Não é só decorar biografias de pintores e pedir releituras de quadros famosos. É preciso trazer teatro, música e cinema, bem como outras modalidades, ampliando as dimensões de aprendizagem e tornando as aulas mais significativas.
Professor Leonardo, o que é necessário para um docente se sentir seguro na inserção de estratégias lúdicas nas aulas de Artes?
Planejamento é essencial. Neste contexto, impossível fazer com que as coisas funcionem por meio da aleatoriedade. É traçar conexões, manter-se atualizados sobre conhecimentos gerais e discussões no campo educacional, espaço de seu pertencimento. Radiografar os perfis de suas turmas e experimentar o que funciona num lugar e como isto pode ser diferente em outro, ao lado, quando analisamos turmas contrastantes no mesmo ambiente escolar. Quando se tem livro didático, ótimo, precisamos seguir o cronograma e atender aos conteúdos programados, mas ir além, olhar as coisas, como a personagem de Julia Roberts em O Sorriso de Monalisa: olhar adiante, ultrapassar a superfície e compreender melhor fenômenos.
Uma de suas experiências prediletas é o uso de jogos de tabuleiro na sala de aula, como processo avaliativo lúdico.
O ludo é o meu principal recurso. Divido as turmas em quatro grupos, de cores diferenciadas. Cada nicho tem a sua missão com um edital. A ideia é avançar os caminhos do tabuleiro e ganhar o jogo, mas a computação dos dados só permite o avanço quando os estudantes do grupo acertam a resposta de alguma questão exposta para interpretação do componente em questão. Recentemente, fiz com uma turma do Ensino Médio. Utilizei contos, crônicas, poemas e textos visuais para debater Literatura, Mobilidade Urbana e Relacionamentos Interpessoais. Foi uma jornada incrível. Os conteúdos literários do programa do 3º ano associados com debates de atualidades repletos de temas sobre postura cidadã no trânsito. A ideia é gamificar, isto é, avaliar os envolvidos desde a entrega do material didático de leitura até o desempenho na culminância. Funciona muito bem, indico.
Dos casos que conhece, pode selecionar brevemente propostas que deram certo ao conectar ludicidade e manifestações artísticas?
Conheço várias pesquisas e relatos exitosos, alguns deles descritos com simplicidade teórica e boa exposição dos dados e resultados no livro Educação no Século XXI, da Editora Poisson. Há artigos que versam sobre situações em ambientes hospitalares, uma proposta envolvendo oficinas de teatro para trabalhar a expressão corporal e oratória dos estudantes, bem como passeios diversos por numerosas áreas da educação. Das minhas experiências, posso trazer o projeto Curta Literatura, desenvolvido numa escola particular entre 2009 e 2011, algo que consistia em adaptações de obras literárias do programa corrente do Ensino Médio em pequenos filmes. Foi um projeto que consegui levar para outras instituições posteriormente, com maior e menor intensidade, mas ainda assim, iniciativas válidas, significativas e com receptividade dos gestores, estudantes e seus familiares.
O cinema é uma de suas bases, talvez um elemento de protagonismo em seu “fazer” docente. Indica aos nossos leitores filmes que reflitam a importância da ludicidade na educação.
O documentário Tarja Branca, de Cacau Rhoden, é uma exitosa narrativa para incentivar não apenas os professores, mas toda a comunidade em torno da escola, em especial, os familiares, no que tange ao apoio diante do ato educativo de brincar. É uma produção que analisa a memória infantil de diversos adultos e suas projeções no desenvolvimento da fase adulta, numa reflexão interessante sobre a importância da ludicidade durante todas as etapas de nossas vidas, mas em especial, na infância. Tem também Território do Brincar, de Renata Meirelles e David Reeks, produção mais curta em termos de duração, mas que traz relatos igualmente interessantes sobre crianças de diferentes realidades sociais e os impactos da ludicidade em suas trajetórias de vida. Há muitos outros, mas estes dois são os que lembro agora.
A Educação de Jovens e Adultos é um segmento que pode ser bastante beneficiado com as estratégias lúdicas em sala de aula?
A educação de Jovens e Adultos trabalha com indivíduos alijados dos diversos processos sociais. São pessoas que voltam para a educação, abandonada em algum ponto de suas vidas, ou então, começam tardiamente um processo geralmente iniciado na infância. Trabalhar o lúdico com os alunos deste segmento é permitir uma educação mais participativa, integradora, reflexiva. Mirian Bastos, coordenadora do Comitê Vida no Trânsito, gestora de Educação para o Trânsito da Transalvador e também professora da rede municipal da capital baiana desenvolveu, em 2018, uma dissertação de mestrado sobre o uso do WhatsApp nas turmas da EJA, um trabalho primoroso com excelentes resultados. Deixo aos leitores, como dica, a investigação deste processo de pesquisa muito assertivo.
A ludicidade é constantemente associada ao contexto infantil, mas também pode ser um caminho para a educação de adolescentes e adultos.
Sim, quando jogamos Imagem e Ação, Stop, também conhecido por salada de frutas, bem como Banco Imobiliário, dentre outros, estamos aplicando ludicidade e aprendendo. Em dinâmicas empresariais, encontros entre familiares, recentemente, na pandemia, pedagogos e psicólogos indicaram o uso de estratégias lúdicas para todas as idades, tendo em vista atravessar o período angustiante que vivenciamos, com mescla de entretenimento e aprendizagem. Uso bastante o lúdico, como delineado nas observações sobre o uso de jogo de tabuleiro em turmas do Ensino Superior. Brincar é algo que levamos para a vida toda, algo necessário para que possamos enfrentar as adversidades do cotidiano.