
Marcus Borgón – Escritor
Lembra quando dançávamos música lenta? Elton John chorava por Lennon na vitrola. Usávamos calças de elástico em cores cítricas. D. Maria vivia nos cobrando os cascos de Coca-Cola. Meu pai comprou um Betamax e logo depois o encostou num canto. As fitas K7 sofriam várias gravações, uma sobre a outra. Tão logo descobríamos a melhor banda de todos os tempos da última semana. Na FM tocava rock. Na AM ouvíamos os jogos da rodada. Na frequência SW captávamos rádios russas com sua propaganda comunista. Não tínhamos o que fazer, e uma ficha telefônica significava três minutos de diversão garantida. Achávamos graça na arrogância renitente do piloto de corrida. E também nas presepadas do humorístico nas noites de domingo.
Por que deixamos de dançar música lenta?
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Nossas memórias mais remotas tendem a se embaralhar. Outro dia vi o long play da novela Sol de Verão. Antes de qualquer programa começar aparecia um documento da censura informando sua classificação etária. Mais ou menos na mesma época Ney Matogrosso se requebrava todo maquiado, arremedado por Didi, n’Os Trapalhões. Marta Suplicy falava de sexo de manhã, enquanto eu fazia os deveres da escola. Se bem me lembro. A novela Sol de Verão teve de ser interrompida. Por causa de uma cena em que um travesti fazia sexo com o protagonista. Posso estar enganado. Não me recordo se Xênia Bier tocou no assunto. Chico Buarque deu entrevista no TV Mulher fumando um cigarro atrás do outro. Meses antes, Vinícius havia morrido. Lembro sempre dele com um copo de uísque na mão. Sílvio Santos distribuía tênis Montreal pra molecada. Passava o domingo inteiro apresentando programas. Foi lá que vi Gretchen pela primeira vez. E também pela primeira vez, uma mulher dançando de costas para a câmera. O cara que fazia umas dublagens toscas com purpurina no rosto disse que era namorado dela. Fiquei com um misto de inveja e decepção. A outra novela foi gravada às pressas. A música de abertura era da Gang 90 & Absurdetes. No rádio tocava outra música deles que dizia “prefiro morrer de vodka do que de tédio”. No sábado tinha as chacretes. “Quem vai querer o bacalhau da Maria Zilda?” Como eu queria. A minha saudade não tem carimbo nem faixa verde e amarela.