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Marcus Borgón – Escritor
Num 5 de maio distante, estava lá, junto a outros bebês dispostos lado a lado, em valete. Guloso, tentava devorar o pé de uma menina, companheira de infortúnio. Outra condenada que chegava ao mundo pelas vias de um hospital público. Deve ter sido recebida com festa, também.
A contradição de adentrar ao baile da vida pela porta dos fundos. Aquela bênção que todos se esquivariam de receber, caso pudessem escolher. Chegava invocando toda sorte de cuidados e atenção. Indesejado que era, fruto de um fracasso na busca pelo prazer inconsequente. Não tinha como dar certo.
Entregue aos auspícios de quem o via como intruso, tratou de caminhar ao largo das recomendações precárias que lhe faziam. Aquela coitada que experimentou a podolatria em suas primeiras horas, talvez tenha conseguido um melhor destino. Um mau começo superado com o tempo. Uma dignidade suburbana da qual ninguém duvida, embora não deseje para si.
Nunca conheci quem tivesse nascido no mesmo dia que eu. Eu soube que era uma boa quantidade de bebês. Pequenos pacotes enfileirados à espera do freguês. Uma fornada de gente despejada nas ruas poeirentas e escaldantes da zona oeste carioca. Que em pouco tempo engrossaria a massa que esperava bovinamente nos estações de trem ou na fila do INAMPS.
Talvez ela tenha até me procurado. Para saber quem teve a ousadia de lamber seus pezinhos virginais. Agora, aquelas unhas manicuradas e com pequenas frieiras despontando nos cantos. Dedos deformados e a sola rachada. Desculpa, senhora (eu sei que temos a mesma idade, mas devo respeito a uma mãe de família), aquilo foi coisa da juventude. Eu não me atreveria novamente.
* “Girando em torno do sol” é o título de uma música da banda mundo livre s/a, presente no disco Guentando a Ôia.