Professor Leonardo Campos
Um dos temas mais debatidos na contemporaneidade é a importância da psicoterapia. Para falar sobre o assunto, convidamos a psicóloga e professora universitária Edmary Urpia, profissional com longa trajetória neste campo fundamental para a manutenção da saúde mental de uma sociedade cada vez mais adoecida. Em nosso papo, também complementado pelo podcast no final da entrevista, narrado pelos jornalistas Caio Batista e Emerson Miranda, tratamos do preconceito em relação ao acompanhamento psicológico, a banalização de medicações psiquiátricas e três temas da área de nossa entrevistada, isto é, o psicodrama, o atendimento de casais e a orientação vocacional para os jovens.
Vamos nessa?
Edmary, ainda hoje é possível observar pessoas que resistem diante do acompanhamento psicológico, pois consideram a psicoterapia algo para “malucos”, uma expressão, por sinal, bem degradante. Isso é comum em sua rotina de atendimentos?
A psicologia, ela ainda às vezes é confundida pelas pessoas com psiquiatria. Que as pessoas quando procuram é porque são malucas, porque têm doença mental e não é esse o caminho da psicologia. A psicologia trabalha com transtornos do comportamento, distúrbios de ansiedade, depressão. Mas ela busca fazer com que o indivíduo tenha autoconhecimento, o porquê desses sintomas, é se autoconhecer, é saber aquilo que incomoda, aquilo que está trazendo esse mal-estar. Todo mundo hoje fala de bem-estar da saúde mental, e a psicologia faz parte desse processo de bem-estar da saúde mental. E o estar bem com a saúde mental não é só com problemas físicos ou que tenha que tomar medicação, é a busca de se conhecer. Às vezes você está num trabalho e você está insatisfeito, está desmotivado, e aquilo lhe causa um incômodo, uma ansiedade. Então são buscas realmente de autoconhecimento, de crescimento pessoal e emocional do indivíduo.
Com a pandemia, o mundo mudou. Diante deste novo cenário, os atendimentos também se transformaram?
Nesse tempo de pandemia, nós profissionais tivemos que nos reinventar e nos ajustar à essa nova forma de atendimento. Às vezes temos problemas de conexão, cai a internet, às vezes naquele dia não tá muito bom. Então a gente enfrenta alguns problemas relacionados a isso, mas de forma geral tem sido bom. As pessoas têm procurado. Eu atendo presencial e online, e se for por preferência, eu prefiro mais o presencial. Acho que a gente tem uma maior liberdade, e eu gosto muito de ficar de frente, e tem algumas técnicas de psicodrama que eu gosto de fazer presencialmente. Então se for por preferência, eu prefiro presencialmente.
Sobre a polêmica envolvendo medicação. A senhora acha que hoje temos um processo de banalização do remédio controlado, o popular “tarja-preta”?
Hoje nós sabemos que os remédios têm farmácias e locais que você consegue sem receita. E tem aquela coisa de você ouvir “tal remédio me fez bem”. A pessoa vai e compra. Igual ao processo de emagrecimento. Alguém diz: “eu tomei tal remédio para emagrecer”. O que acontece? As pessoas vão, compram e usam. E a gente sabe que isso não está certo, porque cada pessoa tem um organismo, um mecanismo de funcionamento do seu corpo… e remédio controlado é uma coisa muito séria que só deve ser tomado se for realmente necessário.
Importante isso sobre a medicação. Nós trabalhamos o tema num texto do professor Leonardo Campos sobre a banalização do remédio controlado e o uso desmesurado de Rivotril no Brasil.
Sim, sobre essas questões de buscar remédio, isso acontece muito. Porque as pessoas pensam em eliminar a dor, ou o incômodo, ou o desconforto que ela está sentindo. E ela acha que o remédio vai resolver. Só que é aquilo que a gente fala para as pessoas: “você não vai conseguir tirar o problema”. A causa vai estar lá. Você vai camuflar, tirando de imediato a dor ou o desconforto, mas a causa vai estar lá. E em algum momento ela vai voltar. E têm pessoas que para não deixar que isso aconteça, acabam ficando dependentes dessas medicações.
Sobre o atendimento de casais. Vemos muito disso em filmes, novelas, mas na vida real, para algumas pessoas, parece algo muito incomum.
Trabalhar com casais ainda é pouco procurado. A gente vê mais as pessoas, mesmo quando estão com problemas conjugais, elas procuram individualmente. Ou a mulher procura primeiro, o homem custa a entender que precisa desse acolhimento. Mas quando eles resolvem, ou até por conta quando a gente indica o porquê que eles não fariam terapia de casal, aí alguns resolvem fazer. Você tem que ter o equilíbrio e um domínio muito grande da técnica e do espaço. Porque não pode, lá na terapia de casal não é para haver acusações, brigas e você tem que ter o equilíbrio para que um ou o outro não pense que você está favorecendo um dos dois. Então você tem que estar muito atenta à fala, à escuta, ao que eles de alguma tragam suspeitando que você está do lado de outro. Então as regras têm que ser muito claras ‘o que é que se faz numa terapia de casal’. E essas regras, e esses contratos devem ser muito claros, e precisam ser as vezes assinados para que os dois se comprometam com aquilo que tão fazendo. A ideia é que o casal traga quais são as suas dificuldades, qual é o objetivo deles em fazerem aquela terapia, e a partir daí a gente começa a fazer o tratamento, o atendimento. É um processo muito rico se os dois realmente se empenharem, e está começando a acontecer agora até por conta da pandemia que está aí trazendo muita coisa à tona.
Outro ponto interessante em sua trajetória é o atendimento para jovens, a chamada orientação vocacional. Como funciona?
Veja só, cada vez mais jovens estão entrando na faculdade cada vez mais cedo com dezessete anos, com dezoito. Às vezes um jovem com essa idade não tem ainda muita clareza do que é que ele quer fazer, do que é ele quer trabalhar. Porque é uma escolha que de alguma forma é para vida toda. Claro que eles podem mudar no meio do caminho, todos nós podemos mudar no meio do caminho, trocar de profissão, fazer outra formação, mas é uma escolha que traz muita angústia, tanto para o jovem quanto para a família. Os pais às vezes direcionam para determinadas escolhas que nem sempre é o que eles querem. Então a gente tem uma família e a família inteira fez direito, aí é como se o adolescente tivesse já talhado para ser advogado, e às vezes nem isso é o que ele quer. Então é importante que os jovens, a família entenda que eles precisam ter uma orientação vocacional para escolherem com clareza, sabendo realmente se é isso que eles querem fazer para vida deles.
Edmary, para finalizarmos, analisamos o seu perfil nas redes sociais e destacamos algo curioso e bem interessante: o psicodrama. Como funciona esta modalidade no campo da psicologia?
O psicodrama foi criado por Jacob Levy Moreno, e é muito conhecida por se trabalhar em grupo, mas ela tem muito mais a linha do psicodrama. A teoria psicodramática traz muitas outras contribuições como a socionomia, a sociometria, a sociologia, ela é pautada na filosofia e traz muita contribuição. É uma terapia que usa a escuta também, mas ela traz pro set terapêutico que o indivíduo traga para ali exatamente a sua vivência. Através da criação do ambiente onde aquilo aconteceu, você monta no set terapêutico exatamente a situação, quantas pessoas estavam, o que é que foi dito e a pessoa entra de novo naquela mesma sensação, naquela mesma emoção quando viveu aquela situação anteriormente ou atualmente. Hoje aqui em Salvador, nós temos a ASBAP que é a Associação de Psicodrama da Bahia, onde tem a formação de vários psicólogos para essa linha de trabalho.
Convidamos os nossos leitores a ouvir e compartilhar o podcast que acompanha os bastidores desta entrevista bastante elucidativa sobre a importância da psicoterapia e temas tangenciais.