Leonardo Campos
Animais em laboratório. Testes podem trazer benefícios aos humanos, mas causam sofrimento, ferimentos e transtornos para os bichos utilizados nestas empreitadas. Não seria exploração permitir que os animais sofram com os testes para a obtenção de medicamentos para a humanidade? Os resultados obtidos em testes com animais nem sempre alcançam os mesmos resultados com os humanos, por isso, não seria melhor testar logo em nós e evitar causar tanta dor para os animais? Quem é favorável pensa que testar com os animais é uma opção para evitar que humanos sofram com substâncias potencialmente perigosas, ademais, testes também beneficiam animais, haja vista a possibilidade de criação de rações, vacinas, medicamentos veterinários, etc. Não usar animais, para algumas nações, tal como o Brasil, abriria precedentes para a dependência de tecnologia estrangeira na realização de pesquisas. Em suma, o tema é complexo e gera discussões há décadas.
As pesquisas que envolvem teste com animais são temas constantes para polêmicas. Nós, humanos, temos direito de causar dor nestas criaturas para obter aquilo que precisamos? Foi esse o questionamento que me veio ao revisitar Do Fundo do Mar, horror ecológico lançado em 1999, produção que investe no legado de Tubarão, de Steven Spielberg, para fazer os espectadores contemplarem 105 minutos de entretenimento, com animais manipulados cientificamente, transformados em feras assassinas perigosas face aos seres humanos colocados como criaturas incautas. Apesar de não estarmos diante de uma grande narrativa em termos dramáticos, o filme nos permite pensar ética e limites na ciência, pois mesmo ciente dos riscos das experiencias realizadas ao longo da história, a protagonista insiste em levar a sua tese aos extremos. Para levantar uma discussão e engajar o público mais pouco, muitas vezes desinteressado nos ditames burocráticos de um projeto de pesquisa, a iniciativa funciona bastante.
Digo isso por já ter testado e comprovado, logo depois desta retomada num momento de entretenimento que acabou se tornando uma proposta de aula. Observe a proposta: dirigido por Renny Harlin, cineasta guiado pelo roteiro escrito por Wayne Powers, Donna Powers e Duncan Kennedy, Do Fundo do Mar nos mostra os desdobramentos da pesquisa de Susan McAlister (Saffrow Burrows), uma cientista que tem histórico de Mal de Alzheimer na família e possui motivos mais que pessoais para investir numa curiosa empreitada envolvendo a extração de uma proteína do cérebro de tubarões-mako, espécie conhecida por ser a mais rápida, com alcance de até 88 km/h, circundar por mares tropicais e temperados e com a sua bela cor azul-metálica, ter até 4,5 metros de comprimento. Para o desenvolvimento da pesquisa, a cientista precisa gerenciar o aumento da massa cerebral da espécie, algo que causa um efeito inesperado, pois os animais se tornam mais instintivos, em linhas gerais, espertos e inteligentes.
Logo na abertura, contemplamos uma das criaturas a atacar um barco de jovens que se divertem numa noite em alto-mar. Ao ter escapado do laboratório de pesquisa, o tubarão podia ter ceifado vidas e criados numerosos problemas, mas foi capturado pelo mergulhador Carter Blake, interpretado por Thomas Jane. Assim, a cientista é ameaçada pelo financiador do projeto, Russell Franklin (Samuel L. Jackson), homem que decide interromper a empreitada, mas acaba cedendo ao pedido de McAlister, dando mais 48 horas para a jovem comprovar a eficácia de sua jornada científica. Para isso, seguem em direção ao Aquática, uma base que serviu de porta-aviões durante a Segunda Grande Guerra Mundial e no tempo do filme, é local para a pesquisa em questão. Lá, depois de enfrentarem uma tempestade tropical, tornam-se parte da caça dos tubarões que se tornaram mais inteligentes e mortais.
Diante do conflito, a base afunda a cada instante e as chances de sobrevivência são remotas para os integrantes da equipe, acometidos pela fúria da natureza. Compõem a equipe o cozinheiro Preacher (LL Cool J), Janice Higgins (Jacqueline Mackenzie) e Jim Withlock (Stellan Skarsgard), figuras ficcionais que ao longo dos 105 minutos, batalharão pela permanência no local onde a natureza passou a dominar triunfante, graças aos processos de manipulação realizados pela cientista protagonista, uma mulher com garra e firmeza em seus propósitos de pesquisa, mas também inescrupulosa e um tanto intransigente, responsável pela destruição do projeto e das mortes de seus colegas, haja vista a arrogância ao não levar em consideração os conselhos de quem, desde o começo, observou que a sua empreitada estava indo longe demais e criando precedentes para uma possível tragédia que não compensava os resultados esperados. Assim, ao flertar com cobaias, limites da ciência e ética na pesquisa, Do Fundo do Mar é um entretenimento que pode até gerar uma discussão interessante, caso bem encaminhada.