Bahia Pra Você

Conceição Evaristo, biografia ilustrada

Professor Leonardo Campos

A biografia ilustrada de Conceição Evaristo, publicada pela Editora Mostarda, traz uma travessia panorâmica pela vida e obra desta digníssima representante da literatura brasileira contemporânea. Com fluidez e conteúdo para ser acompanhado por qualquer nível de leitor, o material é um ótimo caminho para introdução da trajetória desta escritora na formação cultural dos jovens que ainda hoje, são educados quase que exclusivamente pelo cânone literário brasileiro formado por homens brancos e mulheres que não contempla todos os lugares de fala necessários para abarcar a diversidade que engendra a nossa história enquanto nação calcificada pelas celeumas da colonização que nos acompanhou por numerosas gerações. Atualmente, muita coisa já mudou em nosso cenário. Mais autoras negras conseguem espaço, as redes sociais, mesmo diante de seus paradoxos, permitem diálogo mais amplo, no entanto, ainda precisamos de mais pessoas negras falando de suas realidades.

Conceição Evaristo, publicada pela Editora Mostarda, traz uma travessia panorâmica pela vida e obra desta digníssima representante da literatu

 

Gente qualificada é o que não falta, mas os obstáculos do racismo estrutural ainda são onerosos e a prática da remoção impede que essa caminhada seja mais dinâmica. É um longo caminho percorrido por Conceição Evaristo, autora que reforça constantemente ser a exceção dentro de uma regra que precisa de mudança emergencial. Esse, por sinal, é o tom adotado pelo texto biográfico assinado por Orlando Nilha, Gabriela Bauerfeldt e Maria Julia Maltase, tradutores do manancial de memórias da escritora de Olhos D’agua e Becos da Memória. A equipe, sabiamente, adequa as situações de dor e exclusão, ocasionadas pelo racismo que estrutura as bases de nossa sociedade desde sempre, trazendo as complexidades biográficas da autora para uma escrita que seja mais acessível ao público foco, isto é, os jovens. Acompanhadas pelas ilustrações de Leonardo Malavazzi, Lucas Coutinho e Kako Rodrigues, equipe também bastante competente na concepção visual do livro, as caminhadas de Conceição Evaristo transmitem ensinamentos para o leitor, baseados em histórias tristes, mas com tom esperançoso.

 

Na biografia, seguimos a trilha da personagem que mora numa favela chamada Pindura Saia, local permeado por extrema pobreza, onde a sua mãe e vizinhas lavavam roupas para as famílias que moravam no entorno. A exclusão é salientada pela relação que a população negra, extremamente marcada, tinha ao circundar por espaços que nos arredores, eram habitados pela elite econômica branca, reflexo dos efeitos da escravidão e da colonização que nos acompanha. Com menções aos seus livros em partes do texto, referências diluídas para permitir a inserção indireta dos conteúdos e brincar com as palavras, somos apresentados ao contexto da infância de Conceição Evaristo, os seus primeiros estudos, o concurso de redação vencido com louvor, a escola que estudou, dividida em dois andares, sendo o porão, reservado para os estudantes menos favorecidos. Nesta caminhada, temos ainda a sua travessia pela carreira intelectual, o casamento e a morte do marido Oswaldo, o nascimento de sua especial filha e a consagração como escritora premiada e estudada não apenas no Brasil, mas em outros países, com traduções de suas obras para diversas línguas.

 

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Em linhas gerais, um material para ser lido e debatido não apenas em sala de aula, mas ser parte da formação básica de crianças por seus responsáveis, incentivadores que agem com coerência ao ensinar que a nossa literatura de autoria feminina não é apenas formada por Adélia Prado, Cecília Meirelles, Clarice Lispector, Hilda Hilst e Lygia Fagundes Telles, mas também pelas vozes de Conceição Evaristo, leitora admiradora de Carolina Maria de Jesus. Lançado nos primeiros meses de 2021, Conceição Evaristo é um livro de 32 páginas que passam rapidamente, tamanha a competência dos envolvidos no trabalho deste coleção, intitulada Black Power, voltada ao resgate de biografias de personalidades negras que fizeram e ainda fazem, com seus respectivos legados, a diferença em nossa sociedade permeada por constantes debates sobre a questão racial que ainda é muito polêmica, principalmente no território brasileiro, permeado pela utopia da democracia racial que sabemos, não passa de um discurso perigosamente falacioso e reiterado por aqueles que ainda querem manter os seus privilégios.

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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