
Marcus Borgón – Escritor
Eu tinha um violão desprezado. Ou melhor, preterido. O futebol, as conversas, as meninas. Não sobrava tempo para o violão. Na verdade, não era falta de tempo. Eu tinha oito anos quando meu pai apareceu com o presente. Embutido nele, um desejo irrealizado do velho que, então, era depositado em mim.
Eu me escondia atrás do instrumento. Os dedinhos insuficientes para as notas mais complicadas. O professor desapareceu depois de duas semanas. E o violão ficou como objeto de enfeite. Ou uma possibilidade refugiada num futuro que nunca chegaria.
A relação tão próxima e tão distante entre nós refletia a minha posição perante a música. Um platonismo gritante, no qual a paixão pelos sons e a inaptidão ao instrumento se digladiavam e me deixavam inerte. A fim de estabelecer uma trégua, abri mão do desafio e cedi ao caminho mais fácil. Me consolei como ouvinte e meu violão partiu em destino ignorado, nas mãos de um larápio.
Não foi uma separação negociada, mas inevitável diante da ausência de talento que eu demonstrava. Eu não admitia tocar mal ou de forma pragmática. Foi um adeus sem mágoas.
Entretanto, sinto saudade do meu Gianinni. Acho que hoje me daria melhor com ele. Não seria mais aquele instrumento capenga, sem cordas e com as tarraxas oxidadas, a estampar minha incompetência. Quiçá um troféu por ter poupado a humanidade de mais um equívoco sonoro.