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A Primeira Noite de Crime

no entanto, a tal noite de crimes e liberação de emoções violentas passou por um teste localizado. A Primeira Noite de Crime é sobre isso.

Professor Leonardo Campos

Depois da incursão na casa de uma família da classe alta acossada por “purificadores”, a franquia Uma Noite de Crime passeou pelas ruas de Los Angeles em pleno caos (Uma Noite de Crime: Anarquia) e radiografou os bastidores da guerra política entre o NFFA e a partido que buscava a anulação do expurgo anual (12 Horas Para Sobreviver: O Ano da Eleição). Na quarta empreitada dentro deste profícuo universo de argumento e tese formidáveis, mas execuções um tanto questionáveis entre um ponto e outro das tramas, acompanhamos o prelúdio desse cenário que tal como sabemos, oferta ao espectador um banho de sangue e violência ao contemplarmos, na diegese fílmica, o período de 12 horas que compreende o expurgo, evento anual onde as pessoas podem cometer qualquer tipo de crime sem estar fora do que é legalizado, dando ênfase aos seus instintos mais primitivos, retidos no processo de repressão dos códigos civilizatórios que nos regem. Antes de ser um evento nacional, no entanto, a tal noite de crimes e liberação de emoções violentas passou por um teste localizado. A Primeira Noite de Crime é sobre isso.

Dirigida por Gerard McMurray, cineasta que tem como guia, o roteiro escrito por James DeMonaco, acompanhamos ao longo dos 98 minutos da narrativa, o experimento revolucionário em processo de testagem, tendo como mentora da pesquisa, a Dra. Updale (Marisa Tomei), investigadora acadêmica que desenvolve a tese sobre o expurgo como forma de lidar com as tensões sociais e diminuir os altos índices de violência assustadores que comprimem cada vez mais a sensação de liberdade, tranquilidade e esperança das pessoas. O problema aqui é a testagem da proposta, pois os envolvidos no projeto decidem implementar a noite de crimes em State Island, algo que compromete a integridade física, psicológica e social de todos os habitantes da região, geralmente negros, latinos e outros miscigenados que integram o grupo de seres humanos odiados por Trump e seus seguidores de extrema direita.

Diante do exposto, não é difícil compreender que A Primeira Noite de Crime é uma narrativa que reflete a busca por limpeza nos últimos anos, na sociedade estadunidense, algo que se desdobra para outras nações que compõem o nosso mundo de agitadas relações entre nativos e imigrantes. Ademais, ao colocar o evento em questão dentro de um circuito específico, os mandantes e investidores não fazem questão alguma de esconder o interesse pelo massacre generalizado dentro daquele espaço, pondo o povo contra si próprio, num derramamento de sangue que o torna um dos melhores exemplares da franquia, pois o filme nos faz refletir sobre os paradoxos de um experimento científico com hipótese, justificativa e objetivos muito bem trabalhados, mas que esconde por detrás de seus interesses escusos, o que há de mais hediondo nas propostas de purificação da sociedade, praticamente um projeto de eugenia.

Desta vez, seguimos a trilha de Nya (Lex Scott Davis) e Isaiah (Joivan Wade), ela a irmã mais velha preocupada com os possíveis caminhos errôneos seguidos pelo garoto, um jovem que infelizmente vive rodeado de tentações e pode cair na vida do crime a qualquer momento. A última coisa que a moça deseja é ver seu irmão se transformar em alguém como Dimitri (Y’lan Noel), ex-namorado que atua como mandante do tráfico local, uma figura de autoridade na região, alguém que pode a qualquer momento ser vítima do experimento anual de expurgo, afinal, exerce posto de poder e possui vários inimigos. Skeletor (Rotimi Paul) é um dos elos monstruosos do filme, personagem aparentemente massacrado pelas agruras da vida, um colecionador de cicatrizes bastante assustadoras. Ele protagoniza a maioria dos momentos de maior tensão na história, em especial, nas partes com inserção de jumpscare. Esse pequeno panorama de figuras ficcionais, juntamente com outros transeuntes que podem ou não conseguir salvar as suas vidas até o desfecho, compõem o painel de vítimas e/ou algozes deste prelúdio do expurgo.

Intenso nas cenas de perseguição e com desenvolvimento acima da média para os personagens, A Primeira Noite de Crime muda de condutor musical, mas não perde o tom adotado desde as suas primeiras incursões, tendo agora Kevin Lax como compositor da textura percussiva responsável por injetar adrenalina pura ao longo deste que é o mais breve e assertivo em termos de entretenimento. Interessante observar também como a direção de fotografia assinada por Anastas N. Michos cumpre o ótimo trabalho de saber se claustrofóbico nos momentos certos, ampliando o gradiente de sua câmera ao passo que o horror precisa ser contemplado de maneira assustadoramente mais ampla. Sem espaço para o estabelecimento da esperança, o filme é uma distopia que nos revela algo fictício, mas que na realidade bruta muitas vezes mais tenebrosa que a ficção, podia ser encaminhado para aplicação sem falta alguma de pudor, tamanha a má representação de muitas nações que compõem o “mundo em que vivemos”. O Brasil, por exemplo, é um desses casos. Já pensou?

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
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