Marcus Borgón
Meu último carnaval foi na década de 90. Uma espécie de velório agitado, onde enterrei definitivamente minha participação nessa festa popular. A festa era bem melhor pra quem podia pagar, entretanto. Passava o trio de Margareth Menezes. Ela fez um aceno, até hoje não sei se foi pra mim. Mas entendi que havia um significado no gesto. Em meio àquela multidão entusiasmada, eu refletia. A cerveja estava quase sempre quente. As músicas não eram bem as que me fariam sair de casa. Eu não tinha aquele approach com as mulheres – beijar à força – uma violência normalizada durante a folia. E por fim, a aventura de voltar pra casa. Uma odisséia sem canto de sereia, mas repleta de perigo. Bairro distante, táxi era algo impensável. A tensão e o sufoco no ônibus exigiam mais disposição que a pipoca do Chiclete. Na verdade, Margareth me deu adeus. E eu segui seu conselho.
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No meu primeiro carnaval na Avenida, vi a África do Sul desenhada no asfalto. Eu olhava da janela de um escritório que se transformava em zona livre de fiscalização e decoro, durante os dias de Momo. A fração branca envolvida num enorme laço em torno do trio elétrico tremulava ensandecida sua mamãe-sacode. Do lado de fora, a massa desabrigada da festa acreditava participar da folia naquela migalha de espaço que lhe era oferecida. A polícia controlava o Apartheid. Na orla do círculo de foliões uniformizados, um pequeno exército de desvalidos lhes garantia segurança extra. Duplamente excluídos, totalmente odiados. Como soldados judeus de Hitler.
Quando eu estava indo embora, próximo à Casa D’Itália, um bloco arriava a corda. Vi um pequeno grupo organizado, rebeldes sob algum lema libertário, expropriar as mortalhas de um casal. Os revolucionários rapidamente se pulverizaram na multidão. A palidez na face daqueles que pareciam egressos da propaganda de margarina Milla denunciava o pânico que os consumia. “São selvagens, não são gente”.
No alto do trio, o cantor lembrava que a festa era de todos. A praça, do povo. E conclamava o seu bloco a pular. Para ele havia ali uma simbiose: uma pequena parcela pagava por um espetáculo que todo mundo assistia. Tira o pé do chão!