Bahia Pra Você

28 Dias

Professor Leonardo Campos

Bebidas alcoólicas. Algumas servidas nas garrafas simplórias e até mesmo copos descartáveis. Outras, mais sofisticadas, são entregues ao consumidor em belas taças e garrafas esboçadas por grandes designers. Relaxamento para alguns, fonte de dependência para outros. Assim podemos compreender o álcool e os seus efeitos em nosso organismo, bem como os desdobramentos de cada usuário em suas relações sociais. Numerosos são os filmes com essa temática: pessoas devastadas pela bebida, uso indevido de álcool na direção, conduzindo personagens ao momento talvez mais trágico de suas vidas, dentre outras abordagens que geralmente trazem atropelamentos, fugas, prisões, luto, arrependimento, culpa, opressão, etc. As palavras-chave para compreendermos a relação do tema com o cinema são diversas. Inibidor da capacidade de tomada de decisão ou julgamento, o líquido em questão atua como estimulante e gera excitação do sistema nervoso central, tal como ocorre com Gwen, personagem de Sandra Bullock em 28 Dias, um dos maiores filmes motivacionais lançados em 2000.

A produção é uma edificante narrativa dirigida por Betty Thomas, cineasta que toma como ponto de partida, o texto de Susannah Grant. No material, somos apresentados ao trajeto de renovação de Gwen Cummings (Bullock), jovem escritora que namora com o destrutivo Jasper (Dominic West), homem que a ajuda na formação de uma dupla desastrosa que vive constantemente em baladas, bebedeiras e situações onde atingem constantemente os seus limites. Certo dia, eles ficam acordados até muito tarde e perdem o horário do casamento de Lily (Elizabeth Perkins), irmã de Cummings. Num ritmo vertiginoso, seguem para o evento apressadamente, a desafiar as leis da física com a movimentação agitada. No café da manhã, nada de frutas ou cereais. O primeiro líquido ingerido pela escritora é uma bebida alcoólica, espécie de combustível que aqui, serve para criar coragem para partir rumo ao acontecimento aparentemente sem muita importância para Gwen, apesar de ser um grande momento para a irmã. Lá, a protagonista ultrapassa todos os seus limites já desalinhados.

Durante a festa, realizada após a cerimônia, Gwen e Jasper realizam diversas brincadeiras desagradáveis com os demais convidados, situações constrangedoras que deixam Lily mais observadora e tensa. Não demora, a dupla inicia algo que acaba derrubando o bolo de casamento, algo que deixa todo mundo boquiaberto. Alcoolizada, a moça furta a chave do automóvel de um dos motoristas da recepção do casamento e segue em busca de resolução para o espetáculo de horror comportamental que ela vergonhosamente criou com o seu parceiro. Poucos metros após o local da festa, Gwen perde o controle do carro, conduzido enquanto ela tenta manusear o celular e driblar os efeitos do álcool em seu corpo. Ao acertar uma residência e causar estragos, torna-se uma “criminosa”. Julgada, a jovem é levada ao centro de reabilitação que mudará para sempre a sua conduta.

Obrigada a passar por 28 dias de supervisão e confinamento, Gwen observa e depois interage com grupos que realizam rituais de oração e meditação, assistem novelas lacrimejantes e utilizam o tempo na clínica para se transformarem e assim, colaborarem com as mudanças na existência dos demais. É lá que ela precisará encontrar a si mesma, abandonar determinados vícios, escolher se consegue dar um basta no namorado que a faz submergir ainda mais, além de trabalhar psicologicamente o seu cotidiano para obter o perdão da irmã. Na clínica, a protagonista interpretada com charme e carisma por Sandra Bullock conhece Eddie (Viggo Mortensen), um jogador de beisebol em reabilitação não apenas por causa das drogas, mas também pelo apego desmedido ao ato sexual. Nada de romance. Há alguns flertes, mas a evolução da personagem é trabalhada sob o viés da busca individual por redenção, sem deixar, claro, de ajudar os demais e ouvir, mesmo que agindo de maneira birrenta, os conselhos de Cornell Shaw (Steve Buscemi), ex-viciado que agora trabalha como conselheiro.

 

Apesar de seu tema edificante, 28 Dias sofre danos por ser letárgico e insosso em algumas passagens. Com atmosfera de telefilme, o drama traz Declan Quinn na adequada direção de fotografia, contemplativa dos espaços concebidos pelo design de produção de Marcia Hinds, ambientação que nos evoca um ambiente bucólico, ideal para uma história que retrata indivíduos em busca de silêncio externo para a devida compreensão dos seus sons internos. A trilha sonora de Richard Gibbs, equilibrada e sem apelos sentimentais, cumpre a sua função de dar volume ao filme, uma experiência audiovisual que seria melhor se mais enxuta, isto é, objetiva e sem personagens muito caricatos. O que poderia ser uma obra-prima acaba se tornando apenas um bom filme, o que para nós, espectadores que acompanham os seus 103 minutos, já é lucrativo. Ademais, em sua jornada moralista, a trama é uma narrativa pedagógica para reflexão sobre os males do alcoolismo não apenas no trânsito, mas na destruição de relacionamentos e famílias.

ANÚNCIO
Anúncios

Visto pela ótica brasileira no debate sobre educação para o trânsito como ilustração no contexto brasileiro, 28 Dias permite dialogarmos com os artigos 165 e 306, respectivamente, do nosso CTB. O primeiro versa sobre os riscos e a infração grave que representa o condutor na direção sob o efeito de álcool ou substancias análogas. No segundo, o código é claro ao dizer que é incorreto assumir a condução de um veículo com a capacidade motora alterada. No filme, Gwen faz isso por poucos instantes, em sua fuga de uma situação de constrangimento, mas nos poucos momentos de inadequação, poderia ter ceifado não apenas a sua vida, mas colocado a existência de outras pessoas em risco. Além disso, ela promove a destruição do patrimônio alheio, algo que mesmo pago com o dinheiro do seguro do proprietário, poderia ter sido evitado se as normas para condução fossem obedecidas. Alcoolizadas, as pessoas podem se tornar agressivas e impulsivas, aumentando as chances de situações violentas no trânsito. Sem aptidão para dirigir, o alcoolizado pode ficar sonolento e até desmaiar. Já pensou?

Leonardo Campos é Graduado e Mestre em Letras pela UFBA.
Crítico de Cinema, pesquisador, docente da UNIFTC e do Colégio Augusto Comte.
Autor da Trilogia do Tempo Crítico, livros publicados entre 2015 e 2018,
focados em leitura e análise da mídia: “Madonna Múltipla”,
“Como e Por Que Sou Crítico de Cinema” e “Êxodos – Travessias Críticas”.
Sair da versão mobile